“Com as limitações que existem, não faz sentido” lançar já o IVAucher, diz Mendonça Mendes

O primeiro trimestre de 2021 já acabou, mas o IVAucher ainda não saiu da gaveta. Ao ECO, Mendonça Mendes explica que só será lançado quando houver condições para estimular a procura, em segurança.

Desenhado para estimular o consumo nos setores mais afetados pela pandemia, o IVAucher ainda não saiu da gaveta do Governo. Em entrevista ao ECO, o secretário de Estado Adjunto e dos Assuntos Fiscais explica que até gostaria de o ter lançado no primeiro trimestre, mas entende que ainda não há condições, em termos de segurança sanitária, para o fazer. E atira que, mesmo com o desconfinamento, as limitações persistem, o que significa que “não faz sentido estar a estimular a procura” acima da normal.

Já sobre outra das consequências da crise sanitária — a generalização do teletrabalho –, Mendonça Mendes admite que o sistema fiscal possa vir a ter de se adaptar à regulação que venha a ser feita, no que diz respeito às despesas associadas a esta modalidade. E sobre os apoios extraordinários, no âmbito fiscal, o responsável salienta que “não era altura de baixar impostos”, mas de os flexibilizar, porque era necessário manter a capacidade financeira do Estado.

Esta é uma de quatro partes da entrevista de Mendonça Mendes ao ECO. Nas demais, o secretário de Estado fala ainda do IRS automático, dos reembolsos do IRS, dos portugueses com residência no Reino Unido e até do Orçamento do Estado para 2022.

De acordo com o plano do Governo, dia 19 de abril reabrem os restaurantes. Será nessa altura que arrancará o IVAucher e que os consumidores poderão começar a acumular “crédito”?

O IVAucher vai arrancar quando tivermos as condições adequadas para que nos setores da cultura, do alojamento e da restauração se possa, com segurança, fazer um estímulo à procura. Porque o IVAucher tem como grande objetivo um estímulo à procura interna e um estímulo a que as pessoas possam frequentar restaurantes, teatros, hotéis. E quando estiverem as condições reunidas para que, em segurança, as pessoas possam ser estimuladas a essa procura, isso acontecerá. Porque este tipo de programas atua no sentido de acrescer àquilo que era a procura normal. Só podemos querer atuar a esse nível quando tivermos condições para que as pessoas possam, em segurança, em termos de saúde, acorrer a esse tipo de atividades. Neste momento, podemos ir a um restaurante, mas temos uma limitação de quatro pessoas por esplanada. Hão de abrir os espaços da cultura, mas há limitações ao nível de utilização e da capacidade. Nos hotéis também existem algumas limitações. Portanto, quando tivermos condições de estimular uma efetiva procura, iremos implementar o IVAucher.

Temos de ir avaliando as condições adequadas para irmos implementando um programa de estímulos como este. Será seguramente implementado, mas num momento mais adequado.

Está a dizer que só quando não houver limitações, por exemplo, nos restaurantes avançará o IVAucher?

As coisas nunca são preto no branco. O que estou a dizer é que com as limitações que existem, não faz sentido estar a estimular procura superior àquela que é a procura normal. Temos de ir avaliando as condições adequadas para irmos implementando um programa de estímulos como este. Será seguramente implementado, mas num momento mais adequado. Gostaríamos que tivesse sido no primeiro trimestre, todos gostaríamos que fosse o mais rápido possível. Aliás, a sua implementação significará que estamos em condições de saúde e de segurança ideais.

Coloco a questão de outro modo. Que condições seriam essas? Se o país tivesse agora, por exemplo, as condições que tinha no verão do ano passado, poderia avançar o IVAucher?

A resposta concreta para essa questão terá de aguardar um pouco mais pela evolução que estamos a ter. Neste momento, estamos a cumprir um plano de desconfinamento, que esperamos conseguir cumprir sem voltar atrás. É nisso que devemos estar muito concentrados e os portugueses têm dado muitos sinais de responsabilidade. Há aqui uma responsabilidade coletiva que temos para que o desconfinamento corra bem, e acho que é isso que nos deve preocupar. Todos os programas de relançamento da economia e de estímulo da procura serão feitos sempre no momento adequado e sem colocar em causa o mais importante, que é a saúde das pessoas.

Concluo que até ao final do plano de desconfinamento já apresentado, o IVAucher não avançará. Pelo menos até maio, não avança. É isso?

Iremos ver o momento em que poderemos avançar. Neste momento, não estão reunidas as condições para que se esteja a estimular as pessoas a ir massivamente a restaurantes, a espetáculos ou a alojamentos hoteleiros. É preciso aguardar pelo momento oportuno. Mas estamos a fazer a monitorização, de maneira a que assim que tivermos condições de saúde, possamos implementar.

O IVAucher tinha sido desenhado em dois períodos de 12 semanas cada. Esse esquema é para manter?

À partida, o modelo dos três meses, ou das doze semanas, é o que fará sentido, com um mês de intervalo para se poder fazer os acertos de contas, para que as pessoas depois tenham saldo para gastar.

António Mendonça Mendes, Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, em entrevista ao ECO - 07ABR21
Hugo Amaral/ECO

Outra das consequências da pandemia foi a generalização do teletrabalho. O Ministério do Trabalho já disse que entende que as despesas de telefone e internet devem ser asseguradas pelo empregador. Como se devem enquadrar esses pagamentos fiscalmente? O Governo já tem uma solução para isto?

Temos vindo a trabalhar e a pensar sobre isso. Por um lado, há um conjunto de iniciativas que têm sido ponderadas — e até o Governo no seu Livro Verde sobre o Futuro do Trabalho tem adiantado — relativamente às questões da regulamentação do teletrabalho. Portanto, admito que o sistema fiscal se tenha de adaptar àquilo que seja a regulamentação que seja feita desta matéria.

Aquilo para que estava pensado o teletrabalho não era para uma circunstância em que de repente havia uma pandemia e havia uma obrigatoriedade das pessoas, que possam e tenham condições, ficarem em teletrabalho. O teletrabalho estava adaptado para aquilo que são as relações individuais de trabalho, entre a entidade patronal e o trabalhador. É dessa maneira que temos que olhar para este tema. Aquilo que existe já no sistema fiscal é que, por exemplo, quando há ajudas de custo relativamente a viaturas próprias, a despesa também não está registada no NIF da empresa, mas não deixa de haver um mapa da empresa com essa despesa, que depois é imputada como custo. Admito que essa possa ser uma das possibilidades, mas queria separar essas duas realidades.

Uma coisa é em função da pandemia se notar que, dentro das relações de trabalho, há uma área como a do teletrabalho que deve ser olhada, regulamentada e, nesse sentido, penso que se deve também do ponto de vista fiscal acompanhar essa discussão e perceber até que ponto devemos ou não adaptar o nosso sistema fiscal. Outra questão em paralelo é uma situação em que o teletrabalho é imposto por um imperativo de saúde pública e não decorre daquilo que é um acordo entre a entidade patronal e o trabalhador.

Temos que manter a capacidade financeira do Estado. Não era uma altura para baixar os impostos, mas é uma altura para procurar flexibilizar a forma de pagamento e mesmo de limitar pagamentos que não sejam supostos.

Os apoios extraordinários criados em resposta à pandemia, no âmbito fiscal, têm passado sobretudo pela flexibilização dos pagamentos. Porque é que o Governo não escolheu o caminho da redução?

Não houve nenhum país que tomasse medidas nesse sentido. Havia países, por exemplo, que tinham a taxa de IVA da restauração normal e que, temporariamente, colocaram numa taxa reduzida. Nós já tínhamos e temos uma taxa reduzida do IVA no que diz respeito à restauração. Temos de manter a capacidade do Estado de responder àquilo que são os desafios que a própria crise pandémica nos trouxe. Estamos a fazer um esforço muito significativo em termos orçamentais, quer no investimento no nosso serviço de saúde, quer no investimento naquilo que é o apoio ao rendimento das famílias, quer no investimento àquilo que é o apoio à manutenção das empresas e do emprego. Temos que manter a capacidade financeira do Estado.

Portanto, não era uma altura para baixar os impostos, mas é uma altura para procurar flexibilizar a forma de pagamento e mesmo de limitar pagamentos que não sejam supostos. Portanto, foi ao nível da tesouraria que nós atuamos e, ainda com a quebra significativa que tivemos das receitas fiscais, mantivemos a capacidade do Estado de dar resposta à crise e isso também tem de ser visto e compreendido.

Algumas empresas mostraram dificuldades em pagar as prestações acumuladas. O Governo admite criar uma linha de crédito para ajudar especificamente a pagar os impostos?

Tivemos essa questão ponderada e trabalhada e temos optado por fazer um sistema de planos prestacionais automáticos, que começaram na parte da cobrança voluntária e que alargámos agora também à cobrança coerciva. Na prática, corresponde a uma linha de crédito, só que em vez de estar a pagar um juro à banca comercial, é o Estado que, sem juros, está a permitir, que os contribuintes possam ir pagando os seus planos prestacionais.

Estamos a fazer uma monitorização muito séria do cumprimento dos planos prestacionais. Tenho sempre frisado que o cumprimento dos planos prestacionais é elevadíssimo e isso corresponde àquilo que é a responsabilidade que as empresas têm tido. Mas nunca temos hesitado em lançar novas medidas para tornar mais simples e fácil esse pagamento. Sabemos que o acumular de vários planos prestacionais tornará mais difícil o seu cumprimento e, por isso, vamos sempre fazendo essa monitorização. Os dados que temos apontam para altos níveis de cumprimento e, com o desconfinamento progressivo, com a retoma da atividade económica, a nossa expectativa é que as empresas voltem a ter a capacidade de poderem continuar a cumprir os seus objetivos, nomeadamente em termos da sociedade e económicos, que é produzir riqueza, como têm feito.

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