CEO do Super Bock Group lamenta ver o país “hostilizar” o capital que “gera riqueza, emprego e melhores salários”. O ECO juntou Rui Lopes Ferreira e José Paulo Soares, duas gerações de alunos da FEP.
Rui Lopes Ferreira, CEO do Super Bock Group e com um percurso de 20 anos no BPI e quase outros tantos na indústria – antes de ingressar na antiga Unicer ainda foi administrador financeiro da Vista Alegre – licenciou-se em Economia em 1985. José Paulo Soares, que nasceu 42 anos depois em Paredes e ainda toca trompete na banda de música de Cete, frequenta o 3º ano do mesmo curso, depois de cumprir o ensino secundário no Colégio Efanor com uma bolsa da Fundação Belmiro de Azevedo.
O ECO juntou estas duas gerações de estudantes da Faculdade de Economia da Universidade do Porto (FEP), uma das mais reputadas instituições de ensino superior em Portugal nas áreas de economia e gestão, para uma conversa em que se destacaram temas como a fuga de cérebros, a estratégia fiscal, a educação e a segurança social, as reformas estruturais ou como o país pode estimular a inovação e o investimento. Leia aqui a segunda parte da entrevista.
O José Paulo Soares pensa emigrar depois de terminar o mestrado?
José Paulo Soares (JPS): Quando era mais novo não tinha isso em mente e pensava em evitar. Depois há dois anos tive a oportunidade começar um podcast com o Instituto Mais Liberdade, em que conversava com jovens emigrados e começava os episódios a perguntar porque tinham saído e se pensavam em voltar. Infelizmente, alguns disseram-me que não e isso é o mais preocupante.
Porque é ótimo os jovens qualificados irem [para fora] porque ficam com outra visão e conhecimentos. Isso é benéfico. O problema é não quererem voltar. A vontade de sair ainda vem muito dos baixos salários e isso está naturalmente relacionado com a produtividade baixa que ainda temos.
75% dos jovens com menos de 35 anos recebem menos de 1.000 euros líquidos por mês e isso é um grande catalisador para que emigrem. Não podemos pedir melhores salários sem que a produtividade seja mais alta e hoje a produtividade média em Portugal, face à média da União Europeia, é inferior à que era em 1995 (67% em 2022 vs. 69% em 1995).
Agora, espera-se que esses melhores quadros saiam, consigam ir aprender coisas lá fora e que possam voltar para efetivamente contribuir para o crescimento do país. Isso deve ser um desígnio nacional: o país ser capaz de atrair os jovens que perde numa fase inicial, e ganhar com isso.
E o IRS Jovem não é suficiente para impedir essa fuga de cérebros.
JPS: Acho que não. Para quem ganha 1.500 euros mensais, a poupança é de cerca de 176 euros até ao quarto ano. Não creio que seja isto que vá fazer os jovens não saírem. Mas não acho que emigrar seja mau. As fronteiras estão abertas, fazemos todos parte de um espaço comum que é a União Europeia.
O país tem é de, numa fase posterior, ser capaz de os atrair e fazer com que o investimento feito pelo Estado tenha efetivamente um retorno para o país, para pagar as pensões de quem estiver a receber na altura. Se os jovens saírem todos, o sistema não pode mesmo funcionar.
O Rui Lopes Ferreira vê na economia portuguesa condições para ser atrativa ao regresso destes jovens qualificados?
Rui Lopes Ferreira (RLF): Esse é um tema delicado. Os jovens só ganham e devem ser estimulados – aqueles que tiverem vontade de ir – a ter uma experiência no exterior. Como vivi, nasci e cresci num país muito fechado, sou muito sensível a essa matéria. Só ganhamos em abrir e expandir horizontes. De facto, o tema crítico é como é que depois o país pode beneficiar disso, se nunca voltarem.
É útil distinguir duas coisas. A produtividade baixa é o grande problema do país e é um dos fatores que impede o crescimento da massa salarial. Mas a competitividade é um tema diferente e não se mede só em termos de indicadores monetários. Tem a ver com justiça social, com o sistema de ensino, com o sistema de saúde.
Portugal até é um país atrativo e temo-lo visto nos últimos anos. Tal como há muitos jovens a sair, também há jovens a entrar e a vir trabalhar para Portugal – e não estou só a falar da mão-de-obra imigrante mais indiferenciada, mais braçal, mas também de jovens qualificados.
O que temos é de tornar o país ainda mais atrativo para que essa massa jovem que vai para o estrangeiro possa regressar. É importante não perder as ligações com os jovens que saem e no momento do seu regresso – e aqui vamos falar de um tema difícil – devem ser garantidas condições de competitividade. Porque quem lá fora está habituado a pagar taxas de IRS de 30%, dificilmente vem a pagar 48%, com salários mais baixos.
Defende que se torne permanente este tipo de programas, como o Regressar?
RLF: Um dos maiores obstáculos ao regresso de pessoas e de quadros é a questão fiscal. Tem havido programas temporários, mas a questão estrutural não se resolve com programas temporários, mas com medidas estruturais, como termos níveis mais adequados de tributação para toda a gente. Até porque eles criam um problema de justiça comparativa com os restantes cidadãos e até com outros estrangeiros. Não podemos ter cidadãos de primeira e de segunda.
E como é que compensaria a perda dessa receita fiscal?
RLF: Isso deixo para outros pensarem [riso]. Mas, se calhar, talvez algum repensar da despesa do Estado pudesse fazer sentido.
JPS: A questão fiscal é essencial porque em Portugal é barato ser-se rico. É a partir de níveis de rendimento muito baixos, comparativamente ao resto da Europa. E o mesmo para as empresas. Há poucas empresas grandes em Portugal e o peso do emprego em empresas grandes em Portugal é bastante inferior à média da União Europeia [cerca de 23% vs. 36%].
Porque é que é tão difícil escalar e criar uma grande empresa, mesmo que seja no nosso mercado mais reduzido? Temos cargas fiscais sobre as empresas bastante elevadas – segundo o último relatório da Tax Foundation, Portugal estava em 35º na competitividade fiscal em 38 países da OCDE e tivemos a 4ª maior subida de carga fiscal na OCDE desde 1980. E ainda temos uma derrama estadual de 9%, que faz com que o nosso IRC seja progressivo. Olhamos para a riqueza como se fosse um crime.
Como se fosse um crime gerar lucros, uma empresa crescer, escalar, ser maior. A questão fiscal tem de ser repensada. Bem sei que as condições políticas não são as melhores, mas a descer 1 ponto percentual por ano vai demorar muito até que efetivamente cheguemos a algum lado.
RLF: De facto, um traço cultural no nosso país é esta diabolização do capital. As empresas são ótimas enquanto são pequeninas; quando começam a crescer passam a fazer parte do ‘grande capital’. E isto em Portugal tem, de facto, um peso fortíssimo. Seria importante que o país fosse capaz de desenvolver alguma literacia nesta matéria. O capital é hostilizado em Portugal, quando é o capital que gera riqueza, emprego e melhores salários.
Não havendo capital – e Portugal foi um país deficitário em capital durante décadas – não há investimento, a não ser que venha do exterior. Esta diabolização do capital em Portugal é deprimente. Obviamente, não estou a defender o capitalismo puro e duro, tradicional. Aliás, acho que hoje isso já nem existe. A versão atualizada ou moderna do sistema capitalista é completamente diferente.
É um capitalismo muito mais social, em que o capital tem de estar ao serviço da comunidade, da sociedade, do planeta. Agora, ao diabolizar o capital – e basta ler a imprensa e ouvir as declarações políticas todos os dias – acho que se está a cometer um crime de lesa-majestade porque é o capital que gera emprego, riqueza e bem-estar. E está demonstrado em Portugal e noutros países que são as grandes empresas que investem mais, que pagam melhor, que inovam mais. Isto de hostilizar e diabolizar o grande capital é um dos problemas de que o país padece.
Olhamos para a riqueza como se fosse um crime. A questão fiscal tem de ser repensada. Bem sei que as condições políticas não são as melhores, mas a descer 1 ponto percentual por ano [no IRC] vai demorar muito até efetivamente chegarmos a algum lado.
As novas gerações não são ainda mais antagónicas do ponto de vista político e até ideológico? Serão elas a resolver o problema?
JPS: Em Portugal há sempre o mito do sebastianismo, em que se tenta que algo vá resolver tudo. A minha geração é tão diversa entre si como as anteriores. Podemos ter algumas características que nos diferenciam um pouco mais, mas nisto tenho um olhar de continuidade. Não seremos muito diferentes e somos um produto do nosso caldo cultural.
Sobre isto que o Rui dizia de em Portugal o capital ser mal-olhado, recordo-me de quando, recentemente, se falava em lucros extraordinários. O que é isso? É uma empresa lucrar mais do que o que deve? O lucro é bem-vindo e as empresas precisam dele para investir e pagar melhores salários. Talvez pela nossa matriz cultural ou religiosa, efetivamente tem ‘mau nome’ dar lucros e dar dinheiro.
E depois isso tem impactos no nosso PIB e naquilo que somos. Um estudo recente do FMI indicava que até 2029 Portugal será ultrapassado por mais quatro países (Polónia, Roménia, Croácia e Hungria) na União Europeia em PIB per capita, em paridades poder de compra, passando para a 22.ª posição, apenas com Estónia, Eslováquia, Letónia, Bulgária e Grécia atrás de nós.
Quando em 2000 estávamos no 15º lugar e quando a União Europeia é cada vez menos competitiva no contexto global. E isto também está diretamente relacionado com esta nossa forma de olhar para o dinheiro, quase com vergonha.
Que programa para a economia é que o ministro Rui Lopes Ferreira e o secretário de Estado José Paulo Soares aprovariam?
RLF: Ministro José Paulo Soares, que tem mais tempo à frente dele para fazer as reformas necessárias [risos].
JPS: É um hábito falar de reformas estruturais em Portugal sempre que há eleições. Algumas mudanças já estão a ser feitas por este Governo; se são estruturais ou não vamos ver daqui a uns anos. Na questão de salários há duas grandes vertentes: a da educação e da sua relação com a produtividade, e a demografia e do futuro da Segurança Social.
O sucesso português na educação nos últimos 50 anos é evidente, mas nos últimos 20 a produtividade cresceu menos do que a educação e estão completamente desfasadas. Portanto, aí está um problema. Ainda assim, a OCDE apontava recentemente que 40% dos alunos portugueses têm baixa performance em literacia, resolução de problemas e numeracia. Coloca-se também a questão da desigualdade no acesso à educação e ao ensino superior.
Todos os anos vemos mais escolas privadas no top 50 dos rankings e quando 45% da nota de entrada, pelo menos, vem dos exames nacionais – e os rankings dizem que as escolas privadas têm melhores notas nos exames nacionais –, então temos aqui um problema. Os alunos que não podem estar em escolas privadas partem atrás e isso é um problema. E na Matemática vemos também que os alunos mais ricos têm um desempenho 33% superior aos mais pobres.
Há uma questão social de desigualdades na origem. Na Segurança Social, os números do Ageing Report não são os mais otimistas. Em 2019 esperava-se que o valor da reforma seria 74% do último salário do contribuinte e em 2070 espera-se que seja de 44%. Num país com uma taxa de poupança tão baixa, quem ganha salários mais baixos como é que vai viver? Como vai ser a reforma dessas pessoas? Essa é uma questão que o país tem de enfrentar, até por uma questão de igualdade geracional. Qual vai ser a qualidade de vida da minha geração daqui a 50 anos, quando formos mais velhos?
Já perdi a fé nas reformas estruturais. Fala-se disso há 40 anos e, portanto, já me daria por satisfeito se se começassem a implementar pequenas medidas de que o país precisa há décadas – e parece que estamos sempre à espera das reformas estruturais. Não vale a pena.
Educação e Segurança Social seriam as suas prioridades. E o Rui, que temas atacaria?
RLF: Acrescentaria mais dois ou três pontos. Já perdi a fé nas reformas estruturais. Fala-se disso há 40 anos e, portanto, já me daria por satisfeito se se começassem a implementar pequenas medidas de que o país precisa há décadas – e parece que estamos sempre à espera das reformas estruturais. Não vale a pena.
Podemos fazer um progresso continuado sem cortes radicais. Já se percebeu que as reformas estruturais geram grandes cisões na sociedade portuguesa. Portanto, o melhor é irmos melhorando – e se formos melhorando progressivamente, daqui a 20 anos havemos de estar numa posição diferente da atual.
Essa era a tese do antigo primeiro-ministro António Costa, que não gostava de falar de reformas estruturais.
RLF: Nessa matéria estou de acordo com ele. É uma questão prática. As reformas estruturais não nos levam lá. Agora, dito isto, há áreas que precisam, de facto, de algum tratamento. Vem nos livros que há três fatores críticos para gerarmos crescimento e desenvolvimento: educação, investimento e inovação. Se forem trabalhados em conjunto – não é condição suficiente, mas é necessária –, o resto aparecerá.
É evidente que o país tem feito muitos progressos nas últimas décadas na educação, mas, de facto, há qualquer coisa por fazer ainda. A educação é o melhor elevador social que podemos ter. E os desafios centram-se em ter um sistema de educação que prepare e estimule as pessoas para a aprendizagem ao longo da vida, face à rapidez com que o mundo evolui, e não na formação durante três ou cinco anos na faculdade. Caso contrário, as pessoas vão cristalizar.
Em segundo lugar, a inovação, que cada vez mais tem a ver não apenas em como gerar conhecimento científico ou inovação pura, mas conhecimento aplicado, rentabilizar a inovação. Não nos serve de nada compararmos muito bem no ranking das patentes, se depois elas não tiverem aplicação económica.
E depois isto desemboca na questão do investimento. Portugal tem tido subinvestimento durante períodos muito longos, nomeadamente desde a troika. Sem investimento em bens transacionáveis e investimento reprodutivo vai ser difícil porque a falta de produtividade do país também tem muito a ver com este défice de investimento em bens transacionáveis.
Como é que se estimula esse investimento?
RLF: As políticas públicas têm de estimular o investimento em bens transacionáveis e não em serviços de renda fixa. O investimento direto estrangeiro é muito bem-vindo, precisamente pelo défice de capital que existe em Portugal para investimento. E também porque normalmente é muito eficaz.
Temos belíssimos exemplos de investimento estrangeiro bem aplicado, com muito bons resultados, com bons níveis de produtividade. A história do investimento estrangeiro nos últimos 20 ou 30 anos é uma história de sucesso e os casos são públicos.
E como é se pode tornar o país mais competitivo?
RLF: Reduzindo burocracia, sendo mais amigo do investimento. A miríade de autorizações e de licenças é uma coisa inacreditável. Ainda há pouco tempo alguém me falava de um restaurante que queria abrir um bar na praia e precisou de 17 licenças passadas por entidades diferentes. Funciona três meses por ano e nesse período tem de receber a visita dessas 17 instituições para renovar a licença. Isto para um mero bar de praia.
Claro que este não é o tema para o investimento estrangeiro, mas é um exemplo do que é a burocracia e a regulação. Que é, aliás, um tema que se aponta à Europa: USA innovates, Europe regulates. Temos de pensar na nossa vida: se queremos regular tudo e mais alguma coisa ou se queremos estimular investimento e crescimento, exercendo naturalmente o poder de supervisão e de controlo, mas sem interferir demasiado.
JPS: Além de sermos um país tremendamente burocrático, há também uma inclinação regional para o litoral. Qualquer dia o país cai no mar com o peso – e muito mais em Lisboa. O país não beneficia desse centralismo exacerbado da capital. E quando é o Porto a queixar-se disso, não imagino o que dirá o resto do país, que também se queixa do Porto. Há um centralismo grande na capital.
O atual primeiro-ministro Luís Montenegro é o primeiro, desde Carlos Mota Pinto [nomeado por iniciativa presidencial em 1978], que estudou fora de Lisboa [tirou Direito na Católica do Porto]. Em 50 anos de democracia ainda não tivemos um primeiro-ministro que tenha estudado na Universidade do Porto. Só Francisco da Costa Gomes [Presidente da República] e Augusto Santos Silva [presidente da Assembleia da República] é que estudaram aqui.
E dos nossos 23 primeiros-ministros e Presidentes da República licenciados, 20 tiraram a licenciatura em Lisboa. Este é um país profundamente centralizado em Lisboa. E vemos isso nas imensas desigualdades dentro do país: o Norte e o Centro têm um PIB per capita de 68% face à média da UE, o equivalente à Grécia; o de Lisboa é de 102%, equivalente ao francês. Temos o país a andar a velocidades muito diferentes e o país não é grande o suficiente para ter tantas desigualdades regionais, nem beneficia disso.
As elites não conhecem bem o país?
JPS: Talvez. E também haverá uma incapacidade das nossas elites regionais em se afirmarem ao nível nacional.
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