“É crucial que o MENAC organize novas sessões de esclarecimentos”

Alexandra Mota Gomes integra a Antas da Cunha Ecija & Associados desde janeiro de 2021. É sócia Responsável pela área de Criminal, Contraordenacional e Compliance.

Alexandra Mota Gomes integra a Antas da Cunha Ecija & Associados desde janeiro de 2021. É sócia Responsável pela área de Criminal, Contraordenacional e Compliance, com destaque nos novos domínios do direito punitivo, nomeadamente o Branqueamento de Capitais, a Corrupção, a Cibercriminalidade, atuando também na assessoria preventiva, através da prestação de serviços de Compliance Criminal.

Admitida na Ordem dos Advogados em 2000, completou o estágio na PLMJ, onde integrou a equipa de Diuspute Resolution entre 2002 e 2020. Ascendeu a Sócia da PLMJ em 2017. É membro da Associação de Advogados Penalistas.

Com mais de duas décadas de experiência nas áreas de criminalidade organizada, white colar crime e cibercriminalidade, o seu trabalho foi reconhecido pela Legal 500 e Leaders League. Na área do Compliance o seu trabalho foi distinguido como “Highly Commended” pela Financial Times, na categoria de novos produtos e serviços.

Alexandra Mota Gomes, sócia da Antas da Cunha ECIJA

Dia 25 de novembro de 2024, entrou em funcionamento a Plataforma RGPC. Como avalia esta plataforma?

As informações inicialmente transmitidas pelo MENAC quanto à obrigatoriedade de registo na plataforma – particularmente no que respeita às entidades privadas – revelaram-se imprecisas, o que gerou várias dúvidas e incertezas. Embora o MENAC tenha já esclarecido algumas dessas questões e o Webinar realizado no dia 29.01.2025 tenha contribuído para o esclarecimento de algumas dúvidas, ainda existem muitas sem resposta. É crucial que o MENAC organize novas sessões de esclarecimentos, por forma a garantir que todas as entidades compreendam adequadamente as suas obrigações.

A Plataforma RGPC apresenta-se como uma ferramenta destinada a facilitar a troca de comunicações com o MENAC e o meio através do qual as entidades abrangidas devem apresentar os documentos relativos aos instrumentos de cumprimento normativo previsto no Regime Geral de Prevenção da Corrupção (RGPC). Na verdade, a Plataforma RGPC limita-se a dar cumprimento às atribuições do MENAC previstas no Decreto-Lei n.º 109-E/2021, de 9 de dezembro, que no seu artigo 2.º, n.º 3, alínea i), bem como no artigo 6.º, n.º 9, vem expressamente dirigida às entidades públicas.

Diz que é obrigatória para as empresas privadas. Isso decorre da lei?

Não existe qualquer norma no RGPC que imponha às entidades privadas o envio de quaisquer comunicações ao MENAC através de plataforma eletrónica ou de submeterem os documentos relativas ao programa de cumprimento normativo por essa via. Tal obrigação encontra-se unicamente prevista no RGPC para as entidades públicas abrangidas. Tanto assim é, que não está prevista no RGPC qualquer sanção para o (eventual) incumprimento desta (alegada) obrigação.

Todavia, no sítio da internet do MENAC refere-se expressamente que o registo na plataforma é obrigatório, sem distinguir entidades públicas ou privadas, e que “o não cumprimento poderá resultar em sanções, conforme estipulado no regime sancionatório do RGPC”.

No Webinar realizado, o MENAC reconheceu que, quanto às entidades privadas, a obrigatoriedade de registo não decorre automaticamente da Lei. Contudo, esclareceu que, tratando-se de uma determinação emitida pela autoridade competente para a fiscalização do cumprimento normativo, deve ser respeitada pelas entidades abrangidas enquanto prova de cumprimento das obrigações legalmente previstas. Nesta medida, é aconselhável que as entidades privadas promovam o respetivo registo na Plataforma. Dos esclarecimentos prestados extraiu-se também um incentivo claro do MENAC ao cumprimento voluntário por parte das entidades abrangidas, ao sublinhar-se que, no imediato, é importante respeitar o prazo estabelecido para o registo na Plataforma RGPC, podendo os documentos de cumprimento normativo serem submetidos faseada e progressivamente.

Temos vindo a assistir a um aumento generalizado da preocupação das empresas em garantir a conformidade nestas matérias, não apenas para cumprir formalidades e evitar coimas, mas sim para praticar a ética e a transparência, através da criação de políticas eficazes e adaptadas à sua realidade, com o objetivo de acrescentar valor e credibilidade à sua atuação no mercado.

Alexandra Mota Gomes

Como está a ser o grau de implementação das empresas?

Posso apenas falar da minha experiência pessoal e na assessoria que temos vindo a prestar às entidades privadas nestas matérias. Se algumas empresas inicialmente mostravam resistência à implementação dos programas de cumprimento normativo, os emails remetidos pelo MENAC e as informações divulgadas na internet serviram como um verdadeiro alerta, levando as mais céticas a reconhecer a importância da criação dos programas de cumprimento normativo e a adotar uma abordagem mais proativa na sua implementação efetiva, no limite, para evitar a aplicação de coimas.

No entanto, temos vindo a assistir a um aumento generalizado da preocupação das empresas em garantir a conformidade nestas matérias, não apenas para cumprir formalidades e evitar coimas, mas sim para praticar a ética e a transparência, através da criação de políticas eficazes e adaptadas à sua realidade, com o objetivo de acrescentar valor e credibilidade à sua atuação no mercado.

Agora uma pergunta mais abrangente: como avalia a atuação do MENAC?

Se, inicialmente, a inércia do MENAC foi alvo de críticas, as suas atuações mais recentes também não têm escapado a críticas e discussões. Considero positiva a atual proatividade do MENAC, bem como a recente criação da Plataforma RGPC para o cumprimento da sua missão.

A prevenção da corrupção passa necessariamente por uma mudança de mentalidades, que, como se sabe, exige tempo, amadurecimento e integração de novas práticas no dia a dia das entidades públicas e privadas. Neste sentido, a mera ameaça da aplicação de coimas não é suficiente para incentivar as entidades abrangidas ao cumprimento.

É assim encorajador ver que o MENAC atualmente tem especiais preocupações de informação e sensibilização, tem divulgado diversas orientações e guias de apoio ao cumprimento, consciente das dificuldades das entidades públicas e privadas, sobretudo as mais pequenas, em cumprir com estas determinações, desde logo, em face dos custos inerentes à implementação de um programa de cumprimento normativo que não se limite a “letra-morta” e que faça uma verdadeira gestão dos riscos de exposição à corrupção.

Para que estas ações do MENAC tenham um impacto real e positivo, é crucial que as orientações sejam bem definidas, proporcionais e consistentes com os objetivos pretendidos, de modo a contribuir de forma eficaz para o fortalecimento da cultura de prevenção da corrupção.

Faz sentido a fase de instrução deixar de existir, no processo penal?

Como já tenho vindo a dizer, a fase de Instrução tem uma missão muito própria de permitir que um Juiz aprecie e comprove a decisão do Ministério Público sobre a submissão ou não de um arguido a julgamento, pelo que não concebo que se justifique que deixe de existir. Naturalmente, perante o panorama que vivemos, tem-se discutido se as suas finalidades estão de facto a ser observadas no dia a dia. Lamentavelmente, constata-se que não. São vários os tribunais que se escusam, efetivamente, de apreciar questões de facto e que não estudam nem conhecem sequer o processo durante todo o debate instrutório. Outros casos há em que instrução se transforma indesejavelmente num verdadeiro pré-julgamento, o que também não é aceitável. São precisamente estes vícios práticos, com os quais frequentemente nos deparamos, que devem ser objeto de reflexão e correção.

São vários os tribunais que se escusam, efetivamente, de apreciar questões de facto e que não estudam nem conhecem sequer o processo durante todo o debate instrutório. Outros casos há em que instrução se transforma indesejavelmente num verdadeiro pré-julgamento, o que também não é aceitável. São precisamente estes vícios práticos, com os quais frequentemente nos deparamos, que devem ser objeto de reflexão e correção.

Alexandra Mota Gomes

Como avalia as alterações já alinhavadas pela senhora ministra da Justiça ao CPP?

Em cima da mesa estão alterações que têm sido amplamente discutidas e são, de facto, de grande relevância, particularmente no que diz respeito à reforma dos tribunais e à modernização do sistema judicial. Vivemos num momento em que se torna imperativo agir para tornar a justiça mais célere e eficaz, e, embora eu considere positivo que haja esta iniciativa, resta-nos esperar para ver como se concretizarão na prática.

A reestruturação do regime de perda alargada de bens, particularmente no que diz respeito ao combate à corrupção, desde que acautelada a correção das deficiências do regime vigente no que respeita às garantias de defesa dos arguidos, parece ser uma medida relevante para reforçar a confiança da sociedade no sistema de justiça. O mesmo se poderá dizer quanto à criação de um grupo de trabalho focado na melhoria da celeridade processual e na diminuição dos expedientes dilatórios, que responde a uma necessidade urgente de combate à morosidade processual, um dos principais fatores que mina a credibilidade do sistema.

Embora as intenções sejam claras e as reformas necessárias, é crucial que as mudanças não se limitem a anúncios grandiosos e precipitados. A esperança é que estas alterações tragam, de facto, uma justiça mais eficiente e em sintonia com as necessidades da sociedade, sem prejudicar os princípios e garantias fundamentais. O verdadeiro teste será a sua implementação, mas teremos de aguardar para ver.

A reestruturação do regime de perda alargada de bens, particularmente no que diz respeito ao combate à corrupção, desde que acautelada a correção das deficiências do regime vigente no que respeita às garantias de defesa dos arguidos, parece ser uma medida relevante para reforçar a confiança da sociedade no sistema de justiça.

Alexandra Mota Gomes

O que faz falta no Ministério Público?

A principal dificuldade do Ministério Público reside na escassez de recursos, tanto materiais como humanos, que limita a capacidade de realizar investigações criminais de forma eficaz. Esta carência tem implicações diretas, não só na qualidade das decisões tomadas, mas também na morosidade dos processos criminais, que frequentemente se arrastam durante anos na fase de investigação.

É importante reconhecer que o Ministério Público acaba por ser também uma das vítimas dessa falta de meios. A insuficiência de recursos dificulta o desempenho das suas funções, tornando o trabalho mais árduo e menos eficiente.

Apontar falhas sem abordar a causa estruturante do problema — a falta de recursos — não contribui para a resolução da questão. Na minha opinião, é precisamente por aqui que devemos começar, pois sem os recursos adequados, é impossível exigir um desempenho superior ou melhorias nas condições de funcionamento.

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