Wytse Kaastra, CEO de Sustainability Europe da Accenture, esteve em Portugal durante a Web Summit. Considera que a tecnologia é essencial na sustentabilidade e espera resultados da COP26 já para 2030.
Há duas formas de olhar para o atual estado do mundo em matéria de ambiente e sustentabilidade. Ou o copo está meio vazio ou está meio cheio. Wytse Kaastra é claramente um otimista. “Tenho a esperança de que a COP26 termine com compromissos adicionais claros, especialmente para 2030“, diz o CEO de Sustainability Europe da Accenture.
Wytse Kaastra é também um fervoroso defensor do papel que a tecnologia pode ter na transformação dos negócios, tornando-os mais sustentáveis. E que os planos de recuperação em curso na Europa são um game changer no que toca ao ambiente. “É a única opção que temos. 2030 é daqui a pouco mais de oito anos, por isso esta é a nossa única hipótese. O volume de investimento que estamos a colocar, através da UE, mas também em cada um dos países e das empresas nunca foi tão elevado. É a maior reinvenção da Europa depois da II Guerra Mundial“, diz.
O antigo managing director utilities – energy transition Europe da Accenture já se mostra mais reticente sobre a intervenção de Bruxelas na gestão dos preços da energia, que estão a disparar.
O mundo está reunido em Glasgow para discutir as mudanças climáticas e a sustentabilidade. Quais são as suas expectativas para a COP26? Terá algum efeito prático?
A esperança é enorme. Tivemos um bom pontapé de saída em Paris em 2015, mas agora é o momento de entrar em ação. No nosso estudo — The United Nations Global Compact–Accenture CEO Sustainability Study — vimos que toda a gente está a começar a aquecer de forma positiva, mas não vemos ações claras o suficiente para atingir os objetivos em 2050. Apenas 30% a 40%, dependendo da indústria, declararam ter metas definidas para 2050 — e muito menos para 2030. Tenho a esperança de que a COP26 termine com compromissos adicionais claros, especialmente para 2030. Ainda é cedo para qualquer tipo de previsão, as apostas são extremamente elevadas entre a União Europeia (UE), Estados Unidos, China e o resto do mundo. A Europa claramente quer liderar, está a liderar e a estabelecer metas muito claras para 2030, e o resto do mundo precisa de acelerar. O mecanismo de preço do CO2 a nível global será crítico. Precisamos de um incentivo global para trabalharmos nestas metas de redução do CO2. Na Europa temos legislação clara e o mecanismo para castigar ou recompensar as empresas que estão a fazer um bom trabalho, mas precisamos de um mecanismo global. Essa é a ‘batata quente’ em cima da mesa em Glasgow, vamos ver o que sai da cimeira na próxima semana.
A China e a Rússia, que estão entre os maiores poluidores mundiais, enviaram delegações. A ausência de líderes não dá um sinal de que não estão assim tão dispostos a assumir compromissos?
Teria sido melhor tê-los na cimeira. Estou entre o esperançoso e preocupado. O G20 em Roma foi um pouco uma desilusão em termos de resultados, mas nunca se sabe se podem ter algo na manga que libertam para a semana. Às vezes, em apenas 24 ou 48 horas estas coisas podem dar uma volta positiva. Mas sou um espectador à distância, portanto não sei. Sei é que os compromissos dos CEO e das empresas são mais elevados do que nunca. Precisamos do apoio dos Governos, de regulação, mas acredito, verdadeiramente, que muitas das grandes empresas no mundo estão a dar os passos certos.
Tenho a esperança de que a COP26 termine com compromissos adicionais claros, especialmente para 2030.
Paddy Cosgrave criticou a COP26 dizendo que não parecem interessados nas startups que estão a inovar para que se atinjam as metas de descarbonização. A solução está na tecnologia ou está apenas a criar um outro conjunto de problemas?
A tecnologia, juntamente com as finanças, será o motor para acelerar esta agenda da sustentabilidade. Desde carros elétricos aos carregamentos, à criação de novos hidrolisantes verdes, o digital está em todo o lado e é crítico para o sucesso. As startups têm um papel, são, na maioria das vezes, mais inovadoras, criativas e ágeis, e podem dar-se ao luxo de falhar mais rápido. Os nossos grandes clientes estão muito comprometidos em trabalhar com elas porque serão os aceleradores, os agentes da mudança. A COP26 é mais os Governos a definir objetivos de cima para baixo, é muito mais uma interação entre a Europa, a China e os Estados Unidos. O futuro é muito mais colaborativo entre áreas e empresas como Amazon, Google, Microsoft, e precisamos de fazer em conjunto. Não há uma única empresa que consiga sozinha mudar de forma radical, têm de colaborar.
Na Web Summit (WS) viu alguma startup à qual se deva estar atento?
Confesso que não tive muito tempo para visitar a cimeira, mas tecnologias como a Inteligência Artificial são cada vez mais interessantes para otimizar a forma como as operações são geridas, como a cadeia de abastecimento vai evoluir, onde vão ocorrer emissões de CO2. A blockchain pode ser muito interessante para as cadeias de abastecimento, fazendo o rastreamento das emissões de CO2 ao longo de toda a cadeia da China até Lisboa. Há muitas startups nessa área e na WS também, certamente. Quem sairá vencedora não sei, possivelmente 10% irão explodir e 80% cairão por terra.
Referiu os carros elétricos e blockchain. Quando perguntava se a tecnologia criaria novos problemas pensava, por exemplo, nas baterias e o seu impacto no ambiente ou no aumento do consumo de energia com as criptomoedas. Parece um catch-22.
Quando falava em blockchain não me referia às criptomoedas. Não é um ponto de vista da Accenture, mas penso que é uma loucura o que está a acontecer. É uma vergonha o que está a acontecer com a bitcoin em termos de consumo de energia. Estamos muito desligados desse mundo, olhamos para a blockchain, sobretudo, como processo de rastreabilidade na cadeia de abastecimento. Tem de ser eficiente do ponto de vista energético e a energia que consome, idealmente, deverá ser verde. Tem de ser sustentável no seu desenho.
No caso dos carros elétricos, temos de reconhecer que ainda estamos numa fase inicial de evolução da inovação. O primeiro passo foi criar carros elétricos com capacidade de percorrer distâncias — estamos lá agora, assistimos a um boom massivo em termos de adoção –, mas temos de começar a trabalhar nas bateria e na cadeia de abastecimento. Por exemplo, muitos carros são fabricados de aço e alumínio, materiais na maioria das vezes produzidos com recurso a combustíveis fósseis. Se usar hidrogénio verde, produzido por vento, para produzir aço ou alumínio verde, de repente pode produzir o mesmo carro com aço verde e, eventualmente, pagar um prémio. São tecnologias ao dispor que podemos aplicar em toda a cadeia de abastecimento. Por isso, estou extremamente otimista. Embora hoje não seja perfeito, tudo isso irá acontecer nos próximos anos.
Toda a gente está a reforçar a sua agenda [de sustentabilidade], independentemente do que venha a acontecer em Glasgow. Não só porque as empresas querem, mas porque os colaboradores e os clientes pedem isso.
49% dos gestores já deram conta de que há problemas nas suas cadeias de abastecimento, mas apenas 7% fizeram o trabalho de casa e implementaram sistemas de alerta, diz o vosso relatório. As empresas não estão a esperar demasiado dos Governos?
Há duas maneiras de olhar para esse relatório. Pode ter uma visão positiva: há uma série de empresas comprometidas, envolvidas e, por outro lado, olha e diz que não se está a fazer o suficiente. Prefiro ter uma posição otimista e dizer que temos de fazer mais e não apenas que não fizemos o suficiente.
Tem havido uma tendência de apontar o dedo aos outros. Não sou eu, é o Governo; não é a Europa, é a China; se não é a China, é o Sr. Trump. Nas minhas conversas com os clientes, predominantemente de base europeia, seja na área de energia ou automóvel, toda a gente está a reforçar a agenda, independentemente do que venha a acontecer em Glasgow. Não só porque as empresas querem, mas porque os colaboradores e os clientes pedem isso. Nós mesmos vamos ser neutros do ponto de vista das emissões de carbono em 2026, não porque alguém nos disse, mas porque os colaboradores nos pedem. Para nós é relativamente fácil. Somos um negócio de pessoas, mas se tiver ativos de petroquímica em 50 países é muito mais difícil. Mas estou muito otimista. Todos os nossos clientes caminham nessa direção. Podemos culpar os Governos, mas se olharmos para o que a UE está a preparar…
Os planos de recuperação estão muito focados na agenda digital e na sustentabilidade. Serão capazes de virar o jogo ou é apenas atirar dinheiro para cima dos problemas?
Vai mudar o jogo e penso que é a única opção que temos. 2030 é daqui a pouco mais de oito anos, por isso esta é a nossa única hipótese. O volume de investimento que estamos a colocar, através da UE, mas também em cada um dos países e das empresas, nunca foi tão elevado. É a maior reinvenção da Europa depois da II Guerra Mundial. É uma transformação digital, de sustentabilidade. É a reinvenção da economia europeia no sentido de ser mais transparente, mais eficiente, efetiva, removendo barreiras e burocracia. Gostamos de chamar-lhe a transformação gémea — digital & sustentabilidade –, mas é quase uma transformação tripla: é a próxima geração de governos. Veja-se Itália. Tem sido um país muito criticado no passado, mas o que estão a conseguir agora sob a liderança de Draghi é impressionante. Vimos em Espanha, em Portugal, na Alemanha, mesmo no Reino Unido. Para mim tudo isso é muito positivo. Dito isto, há muito trabalho ainda pela frente e esperemos que a China e os EUA se juntem à UE. Esses são os dois grandes blocos que precisam de se juntar.
Porque os preços da energia estão a disparar agora não devemos matar imediatamente um mercado que nos serviu bem nas últimas décadas.
Está familiarizado com o PPR português? Está a apostar nas fichas certas?
Não estou familiarizado. Mas sempre que venho ao país fico impressionado com o nível de orientação internacional, talvez pelo ADN do país, o facto da Web Summit se realizar cá é sinal de que adotam a inovação o digital. Conheço algumas empresas portuguesas na área de energia e devem ter orgulho na forma como se estão a transformar para o futuro.
Tem havido uma escalada nos preços de energia. Há a ideia de que Bruxelas poderia atuar nesse mercado um pouco à semelhança do que ocorreu com as vacinas. Será a forma de garantir que o aumento dos preços não vai impactar a recuperação económica?
Não devemos estar excessivamente otimistas ao olhar para a UE. Há muita coisa que os Estados-membros podem fazer — não esquecer que o nível de impostos na energia é muito elevado, tem sido uma espécie de vaca leiteira –, têm já as ferramentas para dar algum alívio ao que se está a passar. Em segundo lugar, na Europa criamos um modelo baseado em mercados, oferta-procura de parceiros comerciais a atuar num mercado liberalizado. Porque os preços estão a disparar agora não devemos matar imediatamente um mercado que nos serviu bem nas últimas décadas. O que estamos a assistir é resultado de uma tempestade perfeita — com a Covid, a produção baixou; devido à transição energética não houve tantos incentivos para extrair mais energia; tem havido alguma tensão política com a Rússia — e tudo resultou num disparo dos preços. Daqui a um ou dois anos, estaremos novamente na normalidade. Apenas temos de navegar de forma inteligente. Não espero que a UE tenha aqui um papel crítico, mas posso estar enganado.
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