Fiscalidade devia penalizar “empresas que têm um impacto negativo na sociedade”

"Vivemos uma conjuntura extremamente incerta, extremamente difícil, que não beneficia a economia. E isso é evidente que não beneficia as decisões das empresas", diz António Pires de Lima.

O presidente do Conselho Empresarial para o Desenvolvimento Sustentável (BCSD Portugal), António Pires de Lima, diz-se favorável à “lógica que penaliza fiscalmente empresas que têm um impacto negativo na sociedade”, desde que estes impostos não contribuam para uma maior carga fiscal — entende que devem vir em substituição de impostos sobre os lucros ou sobre o trabalho.

Quanto a políticas públicas que dizem respeito à mobilidade, o também CEO da Brisa apela a uma maior densidade de carregadores elétricos — por exemplo, nas bombas de gasolina –, incentivos fiscais mais agressivos ao abate de carros antigos e à compra de carros elétricos e, até, a que os donos de carros elétricos possam circular numa faixa rápida, evitando o trânsito nas grandes cidades.

O gestor refere ainda que o contexto atual “assusta” as empresas, referindo-se às elevadas taxas de juro, à desaceleração do crescimento e à incerteza política. Neste contexto, acredita que é “desejável” que os projetos de lítio no país se concretizem, apesar de serem visados na Operação Influencer, que levou à demissão do primeiro-ministro, António Costa.

Uma das medidas associadas à sustentabilidade que foi apresentada pelo Governo [na proposta para o Orçamento do Estado para 2024] foi o aumento do Imposto Único de Circulação. Acabou por cair. Fazia sentido mantê-la? Ou cair foi mesmo uma boa solução?

Houve um consenso no Parlamento com diferentes motivações para eliminar essa medida e, portanto, não creio que valha a pena investir muito tempo numa medida que já não vai para a frente e que todos os partidos excluíram da aprovação final. De uma forma genérica: do meu ponto de vista, faz sentido substituir formas tradicionais de tributação, nomeadamente aquelas que penalizam a criação de riqueza — os lucros, o trabalho. A lógica taxativa em Portugal está muito orientada para a criação de riqueza. Temos sistemas que penalizam muito e de forma muito progressiva os rendimentos do trabalho. Somos um dos poucos países do mundo que tem um sistema progressivo de impostos sobre as empresas. Mais uma vez, quanto maior, quanto maior sucesso, mais impostos pagas. Esta é uma lógica que penaliza o mérito, o sucesso e a criação de riqueza, que é fundamental em qualquer sociedade desenvolvida.

Eu seria muito favorável a que este tipo de lógica fosse substituída por outra, a lógica que penaliza fiscalmente empresas que têm um impacto negativo na sociedade, nomeadamente ambiental. Portanto, tudo aquilo que seja substituir — mas falo mesmo de substituir, não é acrescentar — impostos sobre o trabalho ou sobre a criação de riqueza, por impostos que tenham uma lógica ambiental sustentável, nomeadamente ao nível das emissões de dióxido de carbono ou outros, creio que é um caminho interessante. Substituir fiscalidade sobre o trabalho, sobre os lucros, por fiscalidade verde.

Então até seria uma medida que, à partida, apoiaria?

Não me vou pronunciar sobre essa medida específica, porque é uma micromedida e que, tendo, suponho eu, uma lógica de proteção do ambiente, também é verdade que acabava por penalizar aquelas pessoas com carros mais antigos, independentemente do seu rendimento. Portanto, é uma medida que morreu.

O grande problema que existe hoje em Portugal para a massificação da utilização dos automóveis elétricos é as pessoas não encontrarem carregadores elétricos fora das cidades ou fora das autoestradas da Brisa.

Além de presidente da BCSD, lidera a Brisa, cuja atividade principal é de difícil descarbonização. Como se casam as duas funções? Não acaba por existir algum conflito de interesses?

Não, é um conflito aparente. Primeiro, a mobilidade é um elemento fundamental na felicidade das pessoas. Mesmo quando tem hipótese de trabalhar em casa, as pessoas saem de casa para fazer diversas coisas e, portanto, a mobilidade faz parte da noção moderna e feliz de as pessoas viverem. O fundamental é assegurar que essa mobilidade acontece da forma mais sustentável possível. A Brisa, desde 2010, já reduziu as suas emissões de dióxido de carbono, fruto da sua atividade direta, em mais de 40%, e temos um compromisso de chegar a 2030, daqui a sete anos, com uma redução adicional de 60%. Isso significa que em 2030, a Brisa terá reduzido as suas emissões diretas de dióxido de carbono em mais de dois terços face a 2010. A mesma empresa com, aliás, muito maior atividade, mais pessoas, a servir muito mais clientes e a despender um terço do carbono e emitir um terço do carbono que emitia em 2010. Em 2040 seremos neutros do ponto de vista de emissões de dióxido de carbono. Portanto, a Brisa em si mesma, creio que é um bom exemplo de como uma empresa agarra este desafio da transição e o concretiza, com projetos concretos, e apresenta resultados.

Mas, para além disso, entendemos que é muito importante que os automóveis evoluam rapidamente da dependência de combustíveis fósseis para a mobilidade elétrica. Por isso dotámos todas as nossas áreas de serviço de supercarregadores elétricos, que permitem às pessoas, sem qualquer tipo de ansiedade, viajar nas nossas autoestradas, parando a cada 80 quilómetros, se quiserem, para carregar o seu automóvel, num curto espaço de tempo — 15, 20 minutos. E desafiamos as autoridades públicas a fazerem o mesmo em todas as áreas de serviço, porque o grande problema que existe hoje em Portugal para a massificação da utilização dos automóveis elétricos é as pessoas não encontrarem carregadores elétricos fora das cidades ou fora das autoestradas da Brisa. Se fôssemos mais lestos, mais rápidos a fazer a transição da diretiva europeia, que preconiza que em cada área de serviço daquelas que usamos para pôr gasolina ou gasóleo nos nossos automóveis antigos, haja também carregadores elétricos… Tenho a certeza que as pessoas terão muito maior incentivo para adquirir carros 100% elétricos. Só 2% do nosso parque automóvel neste momento é 100% elétrico e, portanto, é preciso criar um conjunto de estímulos públicos. Passam por maior densidade de carregadores elétricos, porventura permitir incentivos fiscais mais agressivos ao abate de carros antigos e à compra de carros elétricos. Uma medida pela positiva, que, aliás, está incluída neste Orçamento de Estado.

E está bem dimensionada?

Não sei precisar se as dimensões são adequadas. É normal que eu diga que seria sempre desejável que os incentivos fossem maiores. Mas, tanto quanto vi da proposta que foi aprovada na generalidade, há um incentivo para abate. As pessoas abatem os seus carros e o incentivo, aliás, não está só direcionado para carros elétricos, devia estar. Está direcionado para a compra de carros novos, que podem não ser necessariamente carros elétricos. Um conjunto de políticas públicas que permitisse aos automóveis elétricos ter facilidades no parking das grandes cidades, permitisse eventualmente aos automóveis elétricos poderem circular por vias rápidas nas grandes cidades, permitissem aos automóveis elétricos terem maior incentivo à sua aquisição e, por outro lado, fácil e rápido acesso a carregadores elétricos em qualquer parte do país, ajudaria ao acelerar desta transição elétrica, que é fundamental para a descarbonização.

É evidente que este momento de altas taxas de juro, de alguma estagnação económica — ou pelo menos desaceleração do crescimento que estávamos a ter — e a incerteza política, num ambiente político, ainda por cima, muito conflituoso, assusta as empresas.

As empresas estarão a retrair-se em relação aos seus investimentos e planos, mesmo de sustentabilidade, tendo em conta a conjuntura atual de subida das taxas de juro e a crescente inflação? Sente que perderam algum ritmo neste caminho?

Obviamente, um contexto de altas taxas de juro e de estagnação económica é um contexto mais exigente e difícil para as empresas em termos de investimento. E por isso o contexto que estamos a viver neste momento, é mais exigente. Ainda assim, Portugal vai crescer em termos homólogos, mais 2% em 2023. Preocupa qualquer pessoa responsável que esteja ligada às empresas a incerteza política que esta crise nos trouxe. E uma crise que ninguém podia prever ainda há poucas semanas. Portanto, vivemos uma conjuntura extremamente incerta, extremamente difícil, que não beneficia a economia. E isso é evidente que não beneficia as decisões das empresas.

E retrai em termos de investimento? Tem notado essa consequência?

É cedo para falar. Na Brisa, seguramente, não. Na Brisa estamos a ter um bom ano de 2023 e mantivemos os nossos compromissos de investimento de acordo com o plano estratégico que aprovámos há pouco tempo. Mas é evidente que este momento de altas taxas de juro, de alguma estagnação económica — ou pelo menos desaceleração do crescimento que estávamos a ter — e a incerteza política, num ambiente político, ainda por cima, muito conflituoso, assusta as empresas.

Quanto a dois setores ligados à sustentabilidade, a área do hidrogénio verde e do lítio. Tem alguma perceção de que sejam especialmente afetados por esta crise política?

Aquilo que sei, nomeadamente aquilo que diz respeito ao cluster elétrico — a exploração do lítio que temos, a produção de baterias, produção de automóveis elétricos em Portugal… Acho que é altamente desejável que estes investimentos se concretizem e não sejam prejudicados por estas notícias de que vamos tomando conhecimento nos últimos dias.

Mas está apreensivo?

Estou expectante. É muito importante para Portugal ter um cluster elétrico com os recursos que temos e as capacidades que temos. É muito importante ativar este cluster de forma obviamente responsável e sustentável, mas do ponto de vista económico, é um conjunto de ativos que eu acho que faz todo o sentido Portugal explorar, e explorar em tempo.

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