O país "teria interesse" em que os acordos que vão sendo feitos na Concertação Social fossem acompanhados de forma "mais próxima e reflexiva". Quem o diz é o presidente do CES, Luís Pais Antunes.
O presidente do Conselho Económico e Social (CES) quer criar uma unidade técnica de apoio no seio desse órgão, isto é, “uma espécie de Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO)“. A ideia é avançada por Luís Pais Antunes, numa entrevista ao ECO em que defende que o CES deveria ser mesmo o “órgão consultivo do Estado por excelência“.
Por outro lado, o também ex-secretário de Estado entende que o órgão que preside deveria ter uma maior participação no acompanhamento que é feito dos acordos assinados na Concertação Social, criticando o trabalho que é feito hoje a esse nível. “O país teria interesse em que houvesse um acompanhamento mais próximo e até mais reflexivo“, argumenta o responsável.
Em entrevista ao ECO — no dia anterior ao encontro entre o primeiro-ministro Luís Montenegro e o secretário-geral do PS, Pedro Nuno Santos –, Luís Pais Antunes sinaliza também que ainda não há data para o CES mudar de “casa” — desejo que já se arrasta há vários anos –, mas atira que, “se não for nos próximos meses, duvida que seja. Ponto“.
Esta é uma de três partes da entrevista do presidente do CES ao ECO. Pode ler as declarações de Luís Pais Antunes sobre o Orçamento do Estado para 2025 aqui, e sobre o acordo de salários na Concertação Social aqui.
Disse numa audição parlamentar que o Conselho Económico e Social deveria ter uma maior participação na monitorização dos acordos que vão sendo feitos na Concertação Social. Que avaliação faz do acompanhamento que tem sido feito desses acordos? Está a ser feita uma avaliação adequada e suficiente?
Aquilo que é feito – e já é feito alguma coisa – é claramente insuficiente. O país teria interesse em que houvesse um acompanhamento mais próximo e até mais reflexivo. Fazer uma monitorização que permita saber se e como foi aplicado o conteúdo dos acordos, e, ainda mais importante do que isso, que resultados provocaram em concreto, e de que modo podem ou não ser afinadas a essas medidas. Recorrentemente, quando se vai negociar um novo acordo ou introduzir alterações, os parceiros e os Governos dizem ‘aprovámos isto no ano passado e nem sequer começou a ser aplicado’. Nas últimas semanas, tenho ouvido isso com frequência.
Mas por que razão não se consegue fazer essa monitorização? É por falta de recursos humanos? De infraestruturas? Ou é a decisão política de que não caberá ao CES esse papel?
Não. Do ponto de vista da vontade e do modelo de governação do CES, isso não é um problema. Pelo contrário, isso é desejado. Há um problema de recursos humanos. O CES, ao longo dos anos, foi sendo muito descapitalizado. Mas há mais do que isso. O CES está a viver na terceira década deste milénio basicamente com as mesmas regras que foram adotadas na sua criação, em 1991.
No CES, funciona-se a uma velocidade que é muito própria de tempos passados, em que o mundo funcionava mais devagar.
Está a referir-se ao enquadramento legislativo do CES?
O enquadramento legislativo, as normas de natureza regimental. O plenário do CES é um mini Parlamento. Funciona-se a uma velocidade que é muito própria de tempos passados, em que o mundo funcionava mais devagar. Cada vez que uma legislatura termina, o CES tem de ser recomposto. Esse processo não sei se alguma vez demorou menos do que seis meses. Queria ver se o conseguia fazer em quatro meses, mas já percebi que é muito complicado.
Porquê?
Todo o processo é muito moroso. Ainda se recorre aos editais. Depois, há um prazo de 30 dias para as candidaturas. Sempre que o número de candidatos para cada um dos segmentos da sociedade é superior aos lugares disponíveis, é preciso proceder a reuniões de consenso. Por hipótese, há sete candidatos e só há um lugar. Das duas, uma: ou há consenso ou tem de haver uma escolha, mas, depois, essa escolha está sujeita a recurso. A seguir, vai a plenário. Tenho a expectativa de conseguir chegar ao fim de 2024 com o Conselho Económico e Social recomposto, com um novo plenário para poder desencadear um conjunto de alterações que têm que ser decididas, algumas pelo poder legislativo, por exemplo, no regulamento interno.
Em relação à falta de recursos humanos no CES, esta não é uma queixa nova. Os seus antecessores já a faziam. Porque é que ainda não se resolveu? Tem faltado vontade política?
É a única explicação que encontro. O CES tem muito menos quadros técnicos e muito menos pessoas hoje do que tinha há dez anos. E há dez tinha menos do que tinha há 20. E há 20 tinha menos do que tinha há 30.
Perdeu-as por falta de orçamento? Porque não é competitivo na contratação?
É um pouco de tudo. Provavelmente, o quadro de pessoal que está aprovado – e que é claramente maior do que aquilo que efetivamente existe na prática – também é de outro tempo e está ajustado a outra realidade. Aquilo que gostaria de ter era uma maior participação dos representantes da sociedade civil e dos Governos e dos parceiros. Mas para isso é preciso agilizar muito os procedimentos. Os procedimentos são muito anacrónicos. Tudo demora muito tempo. Tudo funciona à velocidade do século XX, para não dizer do século XIX, nalguns casos, quando devia funcionar à velocidade do século XXI.
Considerando que a realidade hoje é outra, o CES precisa de mais quadros ou de quadros diferentes?
Se me pergunta se o Conselho Económico e Social precisa de mais quadros, precisa. Gostava de ter uma espécie de UTAO, uma unidade técnica de apoio. De cada vez que é pedido um parecer ao CES, é preciso designar um relator. Um relator é um dos conselheiros do CES. Alguém que tem a sua vida. Se me pergunta se nos três pareceres que o CES está a fazer atualmente foi fácil conseguir designar os relatores, não.
Quais são esses pareceres?
É o parecer sobre as Grandes Opções, sobre a Conta Geral do Estado e sobre a revisão do Plano Nacional de energia e Clima. Três processos que arrancaram no final de julho. Encontrar um relator em agosto não é fácil. E, depois, há todo um processo. O parecer vai para a comissão especializada. A comissão especializada tem um procedimento que é ele próprio pesado. Cada vez que pedem um parecer em 30 dias, a minha resposta é que é impossível. Trinta dias é o prazo para por o carro a funcionar, quase. Por exemplo, a primeira versão do parecer das Grandes Opções estava pronta nos primeiros dias de agosto. Mas, depois, há todo o processo.
O CES tem cerca de 74 conselheiros. É um bocadinho excessivo, mas também não tenho grandes expectativas de que seja possível encontrar um consenso para reduzir a composição.
Em relação à agilização dos procedimentos, uma parte depende, como disse, do Parlamento. Tendo em conta o atual quadro político, acha que há capacidade para fazer a alteração necessária?
Há capacidade. Não acho que seja uma questão divisiva. Aliás, ao longo dos tempos, já houve tentativas, e normalmente há um acolhimento bastante grande das propostas. Ainda na última legislatura, houve uma audição expressa sobre o tema com o meu antecessor e havia uma grande abertura para introduzir esse tipo de alterações. Entretanto, caiu…Também não vou dizer que é uma questão que é simples. Há aqui um problema que é sempre muito complexo, que é a identificação dos setores que devem ter representação no plenário do CES. Há setores que estão claramente subrepresentados. O setor do ambiente tem um conselheiro. O ambiente, no final dos anos 80, não tinha a importância de hoje. E há setores que estão sobrerepresentados. O CES tem cerca de 74 conselheiros. É um bocadinho excessivo, mas também não tenho grandes expectativas de que seja possível encontrar um consenso para reduzir a composição.
Então, em concreto, o que é que é preciso mudar no enquadramento legislativo? A que se estava a referir, na audição parlamentar em junho?
Definir de forma mais concreta o que é que o país e a sociedade pretendem obter do Conselho Económico e Social. O Conselho Económico e Social foi criado aglutinando três entidades que já existiam, com diferentes pesos e importâncias. Uma era o então Conselho Permanente da Concertação Social. O outro era o Conselho Nacional do Plano. E o terceiro era o Conselho de Rendimentos e Preços. De certa forma, as competências que estavam nesses conselhos foram para o Conselho Económico e Social, mas de forma um pouco vaga. Se formos ver a lista de competências, ela é manifestamente grande.
Excessiva?
Não digo que seja excessiva, mas é preciso perceber o que é que queremos em concreto. Por vezes, parece que há um foco maior nas questões sociais, e bastante menos nas questões económicas. Por outro lado, há pareceres que são obrigatórios, que são exclusivamente da área da área financeira. A própria questão de saber quem deve pedir pareceres ao CES não tem uma resposta evidente. A própria função consultiva do Estado, não digo que devesse estar exclusivamente concentrada no CES, mas devia ser, por excelência, o órgão consultivo do Estado. Um organismo como o CES não pode viver quase exclusivamente da contribuição dos representantes da sociedade que nele se encontram, porque falta aí algum suporte. Daí a tal ideia da unidade técnica. É uma coisa de que os conselheiros também se queixam. Dizem que estão disponíveis para serem relatores, mas tem de haver uma equipa que esteja a trabalhar.
O CES hoje não tem essas equipas?
Tem o gabinete do presidente, mas estamos a falar de três adjuntos.
Identificou os recursos humanos e o enquadramento legislativo como constrangimentos. Também apontou as instalações. Julgo que já há um lugar escolhido. Já há uma data para a mudança? Em que ponto está?
Não há data para a mudança. Era um processo que estava a ser falado já há algum tempo, mas que estava apenas a ser falado. Não tinham sido desencadeados os procedimentos legais previstos na lei. Isso foi feito, entretanto, e estamos, neste momento, a avançar com esse procedimento. Neste momento, não estou em condições de dizer. Aquilo que está em causa é a mudança para as instalações onde se encontrava o Ministério da Ciência e do Ensino Superior. É um imóvel classificado. É preciso definir as condições. Tem um custo. É preciso fazer uma avaliação cuidada da necessidade das intervenções. Tudo isso tem que ficar regulado.
Qual é a expectativa?
É que, num prazo razoável…
No seu mandato?
Diria que, se não for nos próximos meses, duvido que seja. Ponto.
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