Greenvolt multiplica comunidades de energia. “Crescimento ainda vai ser maior”

As 12 comunidades energéticas operacionais que a Greenvolt Comunidades tinha em junho de 2024 já se multiplicaram por seis, revela o CEO, José Queirós de Almeida. O objetivo é chegar às 120.

As comunidades energéticas, que permitem que uma entidade que produza energia com painéis solares nas suas instalações a partilhe com empresas e famílias vizinhas a preços mais baixos, estão a proliferar no país. O CEO da Greenvolt Comunidades, José Queirós de Almeida, avança em entrevista ao ECO/Capital Verde que esta empresa, desde o final do ano passado, quase duplicou o número de comunidades energéticas que tem operacionais em Portugal, de 37 para 72, quando no final de junho de 2024 contava apenas 12 – um sexto do número atual.

Até ao final deste ano, conta que mais 40 a 50 projetos entrem em operação, o correspondente a 50 megawatts de capacidade e a um total de até 120 comunidades. Desta forma, a empresa deverá terminar o ano com mais do triplo das comunidades de energia operacionais, face ao período homólogo.

O mesmo acredita que “Portugal tem provavelmente a melhor lei do mundo para o autoconsumo coletivo”, a qual sustenta o desenvolvimento destas comunidades, e aplaude um recente esforço de digitalização de processos por parte da Direção Geral de Energia e Geologia, o qual considera decisivo para o crescimento deste modelo de negócio.

Daqui para a frente, espera que o grande motor das comunidades de energia poderá ser o setor público, no qual identifica um grande potencial.

José Queirós de Almeida, líder das comunidades energéticas da Greenvolt, em entrevista ao ECO/Capital Verde Hugo Amaral/ECO

As comunidades são um conceito relativamente recente. Gostava de lhe pedir que desmistificasse o que é que define hoje uma comunidade energética e como é que funciona.

É verdadeiramente uma inovação do ponto de vista regulatório, mais do que tecnológico. Nós utilizamos a tecnologia solar, que já é bastante conhecida e madura. É exatamente o mesmo que existe num projeto de autoconsumo individual. O diferente é o que nós fazemos com essa energia.

Os projetos de autoconsumo tinham um desafio que era olhar não só para o potencial de produção do determinado local – do telhado, do parque de estacionamento, do terreno que esteja associado –, mas pensar também no consumo daquela própria instalação. A realidade é que os consumos flutuam.

No caso típico de uma empresa, tem uma elaboração durante a semana, mas não trabalha ao fim de semana. A produção solar acontece todos os dias. Portanto, quem estava a pensar colocar os painéis para reduzir a sua conta de eletricidade e a sua pegada de dióxido de carbono, tinha que contabilizar esta perda de valor económico, que seria esta produção que não teria consumo.

Isto é uma solução pouco ótima. É pouco eficiente para as pessoas que tiverem os painéis, mas também para a sociedade como um todo, porque há um valor económico que não estava a ser aproveitado.

Muitas das vezes, se fosse autoconsumo, não compensava economicamente? É preciso o conceito de comunidade para compensar o investimento?

De facto, é isso. A grande diferença [do autoconsumo individual para as comunidades energéticas] é a possibilidade da energia que é produzida num determinado local não ficar limitada a esse local, mas poder beneficiar, vamos dizer de forma leiga, os vizinhos. E isso é muito importante, desde logo, para quem está a fazer o projeto.

Passa a saber que não só pode consumir, e tem energia mais barata e mais limpa nas suas instalações, mas também sabe que quando não precisa dela pode partilhar essa energia com os seus vizinhos e beneficiar também dessa partilha.

José Queirós de Almeida, líder das comunidades energéticas da Greenvolt, em entrevista ao ECO/Capital VerdeHugo Amaral/ECO

Como é que então se inicia esse processo? Como é que se encontram os vizinhos com quem partilhar a energia? Para perceber como é que se originam estas comunidades.

O primeiro passo, tipicamente, da Greenvolt Comunidades neste negócio é encontrar quem possa produzir. Para partilhar, primeiro precisamos de produzir. Vamos à procura de espaços onde seja possível produzir energia para entidades, sejam empresas, escolas, equipamentos desportivos…

E depois, uma vez determinado que existe um daqueles, e uma estimativa daquilo que vai ser gerado em termos de excedente, ou seja, aquilo que aquele local não vai consumir, dá-nos uma ideia da energia que é possível partilhar. A partir daí nós, Greenvolt neste caso, vamos à procura destes consumidores disponíveis para receber.

Quem é que são estes consumidores? Podem ser famílias, empresas que estejam dentro deste raio [de quilómetros, pré-definido na legislação, e que pode ir até aos 20 quilómetros]. É muito importante para a transição justa. Estamos a dizer que vamos poder partilhar energia com famílias e com empresas que de outra forma não podiam ter painéis solares.

Consegue quantificar os benefícios para cada um dos intervenientes, portanto, tanto o produtor como os tais vizinhos e até a própria Greenvolt?

Começando pelo lado da produção. Aqui, tipicamente, uma das duas situações pode acontecer. Se este cliente quer fazer o investimento na infraestrutura e na criação da comunidade, nós fazemos o projeto, o cliente investe e ficamos a gerir não só a instalação solar, mas a própria comunidade.

Aqui existe um modelo de serviço, se quisermos, em que este cliente que investiu também decide tudo relativamente a essa comunidade, nomeadamente o preço a que partilha essa energia com os seus vizinhos. Nós criamos a comunidade e fazemos a gestão de acordo com as instruções do cliente.

Mas esse preço é de alguma maneira tabelado para ter a certeza que tem interesse para os vizinhos, e que não deixam de haver comunidades?

Os consumidores só aceitam participar se tiverem um benefício. Uma poupança face àquilo que pagariam de outra forma ao seu comercializador. Tipicamente estamos a falar de um desconto na tarifa desses consumidores entre 20% a 30%. Sem qualquer tipo de investimento, sem qualquer custo inicial e com liberdade de entrar e sair.

No caso de se investir, obviamente, o cliente não paga pela energia que produz e que consome. Fez o investimento inicial e vai receber uma receita da partilha de energia com a sua comunidade, lá está, através da nossa gestão.

O outro modelo, e que representa, no nosso caso, mais de 90% dos 160 projetos que nós temos, é com investimento da Greenvolt. Neste caso, quem faz o investimento inicial é a Greenvolt, portanto, nós tratamos de tudo, fazemos a instalação, criamos a comunidade e gerimos a comunidade. O consumidor vai pagar pela energia que os painéis produzem, que ele consome, sendo que esse preço é significativamente inferior àquilo que paga a um comercializador. Estamos a falar de poupanças que podem atingir, nestes casos, 60% a 70%.

E a média seria…?

A nossa média anda à volta dos 50%, entre 50% e 60%. Porquê? Porque estamos a falar de energia que ele vai consumir na sua própria instalação e, portanto, é a energia mais barata que existe. Para os consumidores, é muito parecido com a outra situação: asseguramos um desconto entre 20% e 30%.

A grande vantagem deste modelo é o risco estar do nosso lado. Os clientes sabem que têm um preço fixo, portanto, todos os temas de risco relacionados com o volume de energia são assumidos pela Greenvolt.

Quantos anos é que um projeto demora a ter retorno atualmente? Em média?

A instalação de solar em parques de estacionamento é significativamente mais cara, mais que a instalação em telhados. O payback também vai variar em função das infraestruturas, dos cabos, etc. Podemos estar a falar entre 3 anos até 7 ou 8, quando é o cliente a fazer o investimento.

Qual tem sido o contributo da Greenvolt Comunidades para o grupo Greenvolt?

Ainda estamos muito reduzidos. Estamos neste momento a atingir o terceiro ano de atividade, mas o nosso crescimento tem sido muito significativo. Neste momento temos 72 projetos de comunidades de energia a funcionar, 30 megawatts de capacidade instalada. Tipicamente temos clientes maiores, porque é assim que conseguimos ter mais benefícios para todos, com mais famílias a beneficiar como consumidores.

Isto aconteceu há pouco tempo: a Direção-Geral de Energia fez um grande investimento na digitalização do licenciamento. Foi uma coisa feita não só de raiz, mas também sem experiência comparada nos outros países europeus. Fomos o primeiro país a apostar nesta abordagem.

A plataforma de licenciamento ganhou estabilidade entre setembro e outubro do ano passado e ainda está a ter novos desenvolvimentos, mas o registo inicial já atingiu uma estabilidade que me parece muito interessante. Permitiu, lá está, nós passarmos de cerca se calhar de 10 a 12 projetos em meados do ano passado para 72, neste momento. E temos mais de 160 no pipeline. Muitos deles ficarão ativos ainda este ano.

Mas o principal desbloqueador foi essa plataforma?

Sem dúvida. Este é um tema de modelo de negócio: em termos de tecnologia, as coisas são muito parecidas a qualquer outro projeto de autoconsumo de instalação, portanto, o tema do licenciamento é aquilo que difere. Quando estamos a falar de licenciamento aqui, é um processo que tem que ter em conta exatamente as especificidades do autoconsumo coletivo.

José Queirós de Almeida, líder das comunidades energéticas da Greenvolt, em entrevista ao ECO/Capital VerdeHugo Amaral/ECO

Disse-me que em 90% dos casos foi a Greenvolt a investir. Isso significa um investimento de quanto até agora?

Neste momento, já investimos mais de 30 milhões de euros. É uma das nossas capacidades, graças aos nossos acionistas da altura e agora ao KKR. São projetos que demoram tempo, existe aqui um investimento intensivo e de longa recuperação. É aí que a parte financeira é fundamental nos nossos projetos.

Até o final do ano, em termos de ativações, nós queremos atingir perto de 50 megawatts.

Os 30 milhões contam-se desde o início da Greenvolt Comunidades. Quanto é que, até ao final do ano, pensam investir?

Este ano são os 30 megawatts que estão a funcionar. Nós temos mais 160 projetos, ou seja, temos mais 60 megawatts em diferentes estágios de ativação e, até o final do ano, em termos de ativações, nós queremos atingir perto de 50 megawatts.

Obviamente que em investimento estamos a falar provavelmente da mesma dimensão, porque há aqui um decalage entre o investimento e a entrada em funcionamento, mas essa será a nossa meta e estamos confiantes de podermos lá chegar.

Há sempre uma inércia natural relativamente àquilo que é novo e, portanto, acelera à medida que o consumidor está mais familiarizado com o que é isto do autoconsumo coletivo, das comunidades de energia, da partilha de energia.

Precisamente olhando a essa questão do potencial que ainda existe: quais são os vossos objetivos até 2030? Tem algo definido em termos de megawatts, investimento ou número de comunidades?

Estamos exatamente em processo de definir. Somos ambiciosos e achamos que temos as condições necessárias para crescer o mais rápido possível porque, de facto, o benefício é real. Também [tendo em conta] um parceiro como a KKR, já que um dos principais recursos necessários para que isto aconteça é o financiamento.

Não temos razões para não crescer, e crescer a um ritmo mais acelerado. Nós vemos que no setor privado as coisas estão a acelerar imenso. À parte, e acredito que o crescimento ainda vai ser maior à medida que o setor público se abra e que comece também a abordar o autoconsumo coletivo e as comunidades de energia de uma forma mais efetiva.

Obviamente o setor público tem os seus próprios processos de contratação, nomeadamente o código da contratação pública. É uma dificuldade ter que se adaptar a uma figura jurídica nova, que é o autoconsumo coletivo. Começam a aparecer os primeiros concursos, sobretudo ao nível dos municípios.

O caso mais paradigmático é o dos estabelecimentos de ensino. Nós, neste momento, temos cerca de 30 projetos de ensino, quer sejam universidades, creches, escolas privadas, a maior parte deles a funcionar. Achamos que, obviamente, isto é uma oportunidade fantástica no setor do Estado, no qual temos para cima de mais de 2 mil escolas ou estabelecimentos de ensino no país, todos eles em centros urbanos, tipicamente com excelentes condições para a instalação de painéis solares. A esmagadora maioria.

Até pelo problema que existe no autoconsumo individual, sobretudo do excedente em períodos de férias, que se resolve por este modelo. Quando entrarem todas as escolas do país, quando entrarem todos os equipamentos desportivos do país, todos os edifícios que existem ao nível quer da administração central, quer da administração local, acho que o mercado tem um potencial de crescimento muito significativo para este modelo de negócio.

É uma forma, para o próprio Estado, sem necessitar de investir, poupar na fatura da sua eletricidade beneficiando as comunidades. Esta missão social, obviamente, se faz sentido no privado, no público, parece-nos ainda mais significativo. Nomeadamente numa altura em que nós temos que tomar decisões importantes ao nível do Orçamento do Estado, de encontrar e canalizar os recursos para o setor social e para o setor da defesa.

Tenho a expectativa de que iremos ver aqui também no setor público um crescimento muito parecido com o privado, se não ainda maior, pela dimensão.

Mas nota essa abertura por parte do Estado? Conta que neste orçamento do Estado possa existir já alguma previsão nesse sentido de descer as contas de alunos por esta forma?

Espero que sim. Agora, voltando àquilo que a realidade mostra, começam a surgir os primeiros concursos, começa também a haver conhecimento, que é sempre muito importante. Tenho a expectativa de que iremos ver aqui também no setor público um crescimento muito parecido com o privado, se não ainda maior, pela dimensão.

Mas tem havido esse contacto com o Governo e com as administrações locais que lhe possa dar alguma pista de se existe abertura ou se, pelo contrário, alguma inércia se pode interpor?

O que me anima muito é que, num tempo de tanta discórdia, este é um tema que une. Mesmo com mudanças de governos de diferentes orientações políticas, é muito claro que todos percebem os benefícios. Aliás, deve-nos encher até de orgulho enquanto portugueses e enquanto cidadãos.

Neste caso a inovação resultou de regulação. E não funciona só em Portugal. A própria Comissão inspirou-se [no modelo português] para criar uma disposição específica na Diretiva de Energia Renovável, aprovada no início de 2024, onde consagra um modelo muito inspirado em Portugal que deve ser implementado, em toda a Europa, até julho de 2026.

José Queirós de Almeida, líder das comunidades energéticas da Greenvolt, em entrevista ao ECO/Capital Verde Hugo Amaral/ECO

E quais são os principais desafios que vê que podem aqui dificultar a evolução que desejaria?

Em termos de crescimento, nós temos um desafio que eu diria que é típico do nosso modelo, que é um modelo ainda assim relativamente novo, numa área que é sempre uma área bastante técnica, a eletricidade, e que nós sabemos que as pessoas têm sempre muitas dúvidas. A fatura de eletricidade continua ainda a ser um desafio, para empresas e famílias.

Temos provavelmente a melhor lei do mundo para autoconsumo coletivo, prova disso é que a própria União Europeia se inspirou na mesma.

Depois, eu acho que, de facto, é o tema de melhorarmos todos os processos, quer internos, quer externos. Temos provavelmente a melhor lei do mundo para autoconsumo coletivo, prova disso é que a própria União Europeia se inspirou na mesma.

Agora, em todas as leis, a concretização é muito importante, e portanto, nós salutamos e destacamos muito o investimento que os governos e este governo está a fazer na dotação da plataforma de digitalização.

Todo o desenvolvimento que está previsto acontecer ainda este ano para que a plataforma fique totalmente funcional é bem-vindo e tenho a certeza que ainda vai ajudar mais. E também o próprio reforço de recursos públicos.

Em Portugal a legislação está mais favorável até do que lá fora. Quais as vossas perspectivas também fora do país?

A Greenvolt, nos segmentos de utility scale de renováveis com eólica, solar e baterias, mas também no setor descentralizado, já está em muitas geografias, entre 14 a 16. Estamos já a fazer as soluções que são permitidas em todos esses mercados. Temos este conhecimento em Portugal e exportamos para os outros mercados, para as nossas equipas, para as outras empresas do grupo desenvolverem.

E as boas notícias é que de facto este modelo começa a ter a legislação e as condições em vários países, onde nós já estamos também agora a dar os primeiros passos, portanto atrás de Portugal.

A capacidade instalada que esperam ter lá fora em termos de comunidades energéticas tem um número, um objetivo para este ano ou para os próximos?

Isso será um número a apurar, sobretudo este ano, no nosso processo de plano e de orçamentação. Agora, este número é muito influenciado pelo tema regulatório. Dar números em abstrato nesta fase é um exercício um bocadinho de bola de cristal.

Mas em que patamar é que estão lá fora?

Já temos imenso de autoconsumo individual portanto, nas comunidades, estamos a dar os primeiros passos. Já temos projetos iniciais mas eu descrevê-los-ia como pilotos. Sabemos que pelo menos até julho de 2026 os países estão a desenvolver. Mas vimos sinais dos vários países, dos reguladores, que por vezes nos pedem também informação.

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