Almeida Santos, bastonário dos engenheiros, tem absoluta certeza de que Portugal terá capacidade para fazer todas as obras que estão inscritas no PRR dentro do prazo, mas alerta que é preciso avançar.
O bastonário da Ordem dos Engenheiros considera que existem “localizações nas grandes cidades que permitem resolver rapidamente” o problema da falta de habitação em Portugal. E até dá exemplos no caso de Lisboa: parte do Laboratório Nacional de Engenharia Civil, que está por utilizar e é do erário público, ou a calçada do Alto da Ajuda, que está ao abandono e também é do Estado.
Fernando de Almeida Santos, em entrevista ao ECO, defende a necessidade de o Estado ter um papel mais interventivo na resolução do problema da habitação, que se trata de “uma questão que é uma necessidade urgente, nacional, à qual não podemos escapar”. “Não sei se é política, voluntariosa ou técnica, mas é essencial para o país: uma única premissa, faça-se“, diz Almeida Santos.
Para o responsável o Pacote Mais Habitação “é eminentemente político”. “Tem a ver com impostos, com taxas, com emolumentos, até com algumas questões de índole absolutamente ideológica e política. Como, por exemplo, a questão do arrendamento coercivo, da substituição de alojamento local por habitação residencial”. Mas, “cabe ao Estado intervir do ponto de vista da promoção da execução. Isto é um problema público. E se o é, não é o mercado por si só que o vai resolver com imposições”, diz.
Quanto ao veto do Presidente da República, no qual dizia que “não é fácil ver de onde virá a prometida oferta de casa para habitação com eficácia e rapidez”, o bastonário tende a concordar se a avaliação se cingir ao Mais Habitação, “sem contar com o investimento público que está fora desse pacote, mas que está inerente naquilo que é a vontade do Governo”. Por isso, Almeida Santos diz existir “um défice de compreensão mútua” nesta matéria e não saber “se o veto do Presidente da República é exclusivamente político” ou tem a ver com o facto de “a oferta nunca se sobreporá à procura”.
Fernando de Almeida Santos tem absoluta certeza de que Portugal terá capacidade de fazer todas as obras que estão inscritas no Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) dentro do prazo, mas alerta que “é preciso pôr os pés ao terreno, porque sem isso, obviamente, o prazo vai esgotar-se”.
Numa posição conjunta, a Ordem dos Engenheiros e a Ordem dos Arquitetos defendem medidas urgentes para resolver o problema da habitação em Portugal. E pedem uma maior intervenção do Estado. De que forma?
Este é mais um manifesto. Já desde dezembro temos vindo a alertar para iniciativas que defendemos relativamente àquilo que são as necessidades da construção e dentro da construção, nas grandes infraestruturas. No caso particular da habitação também pensamos nisso já desde dezembro. Algumas das medidas foram incorporadas nas legislações que têm vindo a ser atualizadas. Há que dar esse beneplácito ao Governo e ao Parlamento. É verdade.
Do ponto de vista técnico – atenção, do ponto de vista político não nos queremos meter, não é o papel da Ordem dos Engenheiros – mas há aqui uma questão que é uma necessidade urgente, nacional, à qual não podemos escapar. Não sei se é política, voluntariosa ou técnica, mas é essencial para o país: uma única premissa, faça-se. Ou seja, queremos fazer.
Já houve tempo suficiente do legislador e do Estado prepararem todo o tipo de iniciativas para implementar no terreno estas urgentes necessidades de Portugal.
Estão diagnosticadas as necessidades de Portugal relativamente à habitação. Sabemos o que é preciso fazer, mas não se está a passar no terreno aquilo já se devia passar. Já houve tempo suficiente do legislador e do Estado prepararem todo o tipo de iniciativas para implementar no terreno estas urgentes necessidades de Portugal. E as coisas não estão a aparecer da forma devida, independentemente de haver um pacote Mais Habitação que tem, pelos uma, vantagem grande – vontade de pôr o assunto em cima da mesa e de promover a solução.
Agora é preciso fazer. O que a Ordem dos Engenheiros juntamente com Ordem dos Arquitetos decidiram fazer, conjuntamente, foi alertar a opinião pública de que a engenharia e a arquitetura portuguesa têm dimensão técnica e em quantidade para resolver o problema do país. Se formos convidados a agir dentro daquilo que são as nossas intervenções, temos capacidade imediata de ajudar Portugal a resolver este problema.
Mas o Presidente da República vetou o pacote de Mais Habitação que agora volta a ser discutido no Parlamento, no dia 21. É mais um atraso para que os engenheiros possam ir para o terreno?
Não considero isso dessa maneira, porque há duas dimensões. O pacote Mais Habitação e o todo da habitação. Este tem investimento público e políticas de habitação para complementar este desafio. O Mais Habitação é eminentemente político. Tem a ver com impostos, com taxas, com emolumentos, até com algumas questões de índole absolutamente ideológica e política.
Como, por exemplo, a questão do arrendamento coercivo, da substituição de alojamento local por habitação residencial. Nisso não metemos. Cabe ao Estado, na nossa opinião, intervir do ponto de vista da promoção da execução. Isto é um problema público. E se o é, não é o mercado por si só que o vai resolver com imposições. Não quer dizer que não o possa fazer residualmente, mas é essencialmente de solução pública.
Está a falar, por exemplo, de acelerar com a reabilitação de imóveis do Estado, criar novos espaços para habitação?
Evidente.
Na verdade, é implementar o PRR e algumas das medidas que lá estão inscritas. Conseguimos?
Temos absoluta capacidade em Portugal de cumprir, até num ano. Mas, claramente, a fase de implementação das coisas não demora um ano. Temos de fazer projeto, concurso público para o projeto, depois outro para obra. Já existiu aí uma agilização positiva do Estado, que é criar, para efeitos desta habitação a custos controlados e dentro do PRR, uma legislação extraordinária que se chama concessão/construção, que junta o projeto – com determinado tipo de cuidados, que foram incorporados por nossas propostas – e a construção num só ditame de contratualização.
Portanto, não há dois passos de contratação. Só um, o que agiliza o processo nalguns meses. Mas depois de aprovado, tem de haver a construção. Isso tem de ser de promoção do Estado porque existe escassez de disponibilidade de capacidade construtiva em Portugal. Não é prioritário para o investidor privado estar a investir no público ou em construção de cariz mais social e público, quando o seu resultado no mercado é muito superior do ponto de vista daquilo que é imobiliário.
O que é que está a travar a realização desse investimento público? As contas públicas estão mais equilibradas, há verbas do PRR…
Sinceramente, acho que é alguma iniciativa de execução. Temos demorado muito, nos últimos anos, a decidir o que quer que seja, com muita discussão pública, veja-se o aeroporto, a alta velocidade e outros desígnios nacionais. Acredito que se façam, naturalmente, mas demora muito desde a ideia até a implementar no terreno. E a habitação é outra questão.
É verdade que o Estado teve um esvaziamento grande e clamoroso, nos últimos 20 anos, de capacidade técnica e, portanto, isso também se pode refletir um bocadinho na agilização do executar por parte do Estado.
Temos demorado muito, nos últimos anos, a decidir o que quer que seja, com muita discussão pública, veja-se o aeroporto, a alta velocidade e outros desígnios nacionais.
Porque é incapaz de avaliar a qualidade dos projetos que são o que são propostos?
É mais porque, neste momento, há alguma escassez de engenharia em Portugal, não em qualidade, mas em quantidade. Temos de fazer com que a diáspora, que saiu nos últimos dez anos regresse de alguma maneira. Embora não resolva tudo. Temos de ter políticas de imigração, à semelhança do que acontece no Turismo e na Agricultura.
No caso da construção, não é só não qualificados e também qualificados que começam a fazer falta. O privado tem, neste momento, mais capacidade comparativa que o público de promover melhor a engenharia, porque estagnou a carreira pública técnica. O pagamento privado começa a ser bastante superior ao público e não há uma carreira técnica de engenheiro.
Deveria voltar a haver?
É impositivo que volte a existir. Há mais de dez anos, cerceou-se isso e, neste momento, o Estado não consegue contratar. Aliás, há uma questão muito grave que é o facto das autarquias em Portugal, desde o início do ano, em seis meses, terem tido um abandono de engenharia na ordem dos mil profissionais de engenharia civil. Vão para o privado porque compensa muito mais.
Isto cria uma falta de capacidade do Estado e das autarquias no setor bastante elevada relativamente às necessidades que as próprias autarquias têm de lançar, seja de habitação, seja de obra pública. E isso vai-se refletir ainda mais. É desesperante de alguma maneira.
Tenho falado com alguns autarcas, todos se queixam do mesmo, não conseguem atrair talento na área da construção porque não têm ferramentas legais de contratação que lhes permita diferenciar atratividade. Isto vai ser um problema. No Estado também existe isso. A EPUL desapareceu em Lisboa, era o grande promotor de obra. É verdade que há a Gebalis e a SRU, mas talvez com um quinto das pessoas que tinham há vinte anos.
O IHRU, não a nível camarário mas nacional, não tem capacidade para assumir essas competências?
Tem. Mas se quisermos fazer as coisas de forma focada só neste problema, neste desígnio, poderia existir uma empresa pública que se chamasse Parque Habitação ou assim. Se calhar até o IHRU pode ser isso. Mas uma empresa pública tem mais margem de manobra para gerir o assunto do que um instituto público propriamente dito. Bem ou o mal, isso existiu no passado com a Parque Escolar.
Com algum descuido na forma como se contratualizava. Mas já aprendemos com os erros e pode ser resolvido. O essencial é que temos de pôr no terreno as nossas necessidades. Temos capacidade instalada, capacidade técnica, boa vontade, a decisão está tomada e face às necessidades é para fazer, mas falta o “faça-se”.
Do ponto de vista de engenharia e construção, qual é a solução mais rápida?
Neste momento, temos diagnosticado que é preciso fazer 26 mil fogos em três anos. Não é muito, diga-se de passagem. No início do milénio, em média, chegámos a fazer em média, cerca de 100 mil fogos.
Temos diagnosticado que é preciso fazer 26 mil fogos em três anos. Não é muito, diga-se de passagem. No início do milénio, em média, chegámos a fazer em média, cerca de 100 mil fogos.
Mas também tínhamos um setor de construção muito mais robusto.
É verdade, mas 26 mil fogos é o um quinto disso. Também tínhamos uma promoção muito mais acelerada. Ou seja, havia projetos internalizados nas autarquias para depois fazer externamente com convites de arquitetos e engenheiros. Hoje tem de se lançar fora.
Portanto, faça-se concurso conceção/construção. Mas não podemos estar à espera que seja o privado a dizer onde é que tem os terrenos. Tem mesmo de ser o Estado. Pelo menos numa primeira fase para agilizar isso. E na verdade, há bastantes: alguns para construção nova e outros para reabilitação.
Como por exemplo?
Não quero estar aqui a particularizar, mas desde parte do Laboratório Nacional de Engenharia Civil tem um terreno imenso ali na zona mais a norte de Lisboa e parte está por utilizar e é do erário público. Passando por aquela calçada do Alto da Ajuda, que está ao abandono e é também tudo do Estado, não sei de que ministério, presumo que seja da Defesa. Se calhar é mais importante agilizar essas coisas.
Há aqui algumas soluções que têm de ser encontradas para o bem comum. Claro que podem existir resistências, sejam internas, interministeriais, sejam externas, sejam até das autarquias, porque aquela zona se calhar tem um plano de desenvolvimento diferente. Mas a verdade é que todos temos de nos sentar e rapidamente resolver isso. Há soluções nas grandes cidades ou localizações nas grandes cidades que podem permitir resolver esse assunto rapidamente.
Concorda com o Presidente da República quando, no veto ao Mais Habitação, dizia que “não é fácil de ver onde virá a prometida oferta de casa para habitação com eficácia e rapidez”. Concorda com esta avaliação”?
Se ele se cingir exclusivamente ao pacote Mais Habitação, sem contar com o investimento público que está fora desse pacote, mas que está inerente naquilo que é a vontade do Governo, aparentemente sim. Daí eu achar que o pacote Mais Habitação devia ter qualquer coisa para além daquilo que se quer fazer no investimento próprio do Estado. Ainda há estas premissas políticas para fazer o resto.
Se só fosse aquilo, naturalmente que era insuficiente. Mas não é só aquilo. E, portanto, existe um défice de compreensão mútua entre aquilo que o Presidente da República pensa – e se calhar bem, porque o Mais Habitação não contempla lá tudo o que o Governo quer fazer – face àquilo que é o todo do espetro que se impõe relativamente ao pacote de habitação. Tiremos-lhe o Mais Habitação.
A parte do Mais Habitação tem uma componente política muito grande. Não sei compreender se o veto do nosso Presidente da República é exclusivamente político ou tem a ver também com essa nota de que, nesse caso particular, a oferta nunca se sobreporá à procura. Portanto, é difícil responder a isso.
O Parlamento mudará alguma coisa, tendo em conta a maioria socialista, que se quiser apresentar o pacote exatamente como estava anteriormente?
A ministra da Habitação, que é a nossa tutela e nos merece toda a consideração, deve conseguir explicar e, certamente o fará, que este pacote Mais Habitação é uma complementaridade ao grande desígnio que Portugal tem. Se essa complementaridade é ou não bem compreendida, depois pelo Parlamento e por quem decide, é uma questão que está para além da nossa visão.
Agora, não tenho dúvidas que, naquilo que são as necessidades de Portugal, a maior parte do que tem de se fazer tem claramente ser de iniciativa pública nesta fase, para que isto se dinamize. E dentro dessa iniciativa pública, nós, portugueses, temos capacidade de rapidamente dar resposta.
Tem a certeza absoluta que vamos conseguir construir as 26 mil habitações até 2026, que é o prazo estabelecido pelo PRR?
Não sei, não sou governante.
Do ponto de vista técnico, temos sempre esta capacidade?
Do ponto de vista técnico há essa absoluta capacidade, não tenho dúvidas nenhumas. Contemplando um prazo para projeto de seis a nove meses se for em conceção/construção e um ano e meio para execução. Portanto, estamos a falar de dois anos e meio. Estamos em meados de 2023, dois anos e meio atira para finais de 2025.
E mesmo que não consigamos, mas praticamente estiver tudo a mais de metade na execução, ninguém vai criticar porque está tudo em fase de finalização. É sinal que as coisas estão no terreno e a fazer-se. Nem que derrape um bocadinho. Mas é preciso pôr os pés ao terreno, porque sem isso, obviamente, o prazo vai esgotar-se.
Se a isso se juntar as obras de uma linha de alta velocidade, as prometidas obras no aeroporto de Lisboa e não diria o novo aeroporto, porque a construção não será iniciada assim tão rapidamente?
São duas dimensões diferentes deste tipo de obras. Temos em Portugal um problema de quantidade de engenheiros civis que se vai acentuar nos próximos tempos com as necessidades e obra pública pesada. Já se sente e vai sentir-se mais. Mas de arquitetura nem tanto, para já. E portanto, aí pode haver um reequilíbrio, como prejuízo para os engenheiros, entre aquilo que é a intervenção da arquitetura e da engenharia na edificação. No resto das obras não entra arquitetura ou se entrar é como complemento.
Por exemplo, se for uma alta velocidade, a arquitetura entra nas estações, mas não é o essencial da alta velocidade: é linha, catenária, equipamento, enfim. Aí sim vamos ter um problema. Já estamos a ter. Temos as contas mais ou menos feitas e no que concerne, por exemplo, à engenharia civil. Se não fizéssemos nada – ou seja, só tivéssemos necessidade de manutenção de infraestruturas e uma outra obra nova –, por baixo, precisamos, em termos médios de fornadas de 800 engenheiros civis ano. Em Portugal, nos últimos 60 anos, estamos a formar em média 250.
O INE, no últimos dados sobre os custos da construção de casas novas, dizia que o aumento de 2,3% nos custos se devia a um aumento de 7% nos custos da mão-de-obra, quando os materiais até estavam mais baratos.
A mão-de-obra tem um peso de cerca de 30% a 35% no volume global de uma construção, sem contar com o custo das empreitadas. Os materiais também têm aumentado consideravelmente. Não se refletem tanto na edificação porque os acabamentos, o mobiliário não aumenta, mas nas grandes obras públicas, que é praticamente aço, betão e cimento, aí o reflexo é maior até do que a mão-de-obra.
Falta mão-de-obra na engenharia, mas também em toda a fileira da construção que carece de mais de 80 mil pessoas neste momento em Portugal.
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