“Há margem para uma política fiscal mais amiga das famílias e das empresas”

Maria Rosa Borges, professora do ISEG que coordena livro sobre economia portuguesa, defende mudanças para "crescimento económico sustentado e sustentável", como políticas fiscais e aposta nos jovens.

Os jovens que passam pelas salas de aula das universidades portuguesas saem altamente qualificados, mas “não encontram no mercado de trabalho em Portugal valorização dessa sua formação e resposta para aquilo que são os seus desejos”, defende Maria Rosa Borges, uma das coordenadoras do livro do Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG) “111 Anos: Por Onde Andou e para Onde Vai a Economia Portuguesa?”. A professora catedrática do ISEG defende que a aposta nos jovens é um dos grandes desafios da economia portuguesa, que passa pela redução do IRS e medidas para a habitação.

“Haverá margem para atuar ao nível das políticas fiscais, ao nível do IRS e ao nível das políticas fiscais dirigidas às empresas, sem comprometer a consolidação das contas públicas”, considera a docente do ISEG, em entrevista ao ECO. Para Maria Rosa Borges, existem medidas fiscais que poderiam beneficiar a economia, nomeadamente tendo em conta que “os salários são muito baixos”.

Já no que diz respeito à crise na habitação, a professora catedrática diz ter “dificuldade em compreender como medidas tomadas” no âmbito do pacote Mais Habitação podem resolver problemas relacionados com a escassez de oferta. Reflexões que surgem no âmbito do lançamento deste livro que celebra o aniversário do ISEG, com contribuições de economistas como Mário Centeno, Vítor Bento, Paulo Macedo, Eduardo Catroga e Francisco Louçã.

Quais é que são as principais ideias e conclusões que se podem retirar deste livro?

Este livro fez parte de uma das várias iniciativas que tivemos no aniversário dos 111 anos de vida do ISEG, que terminou no dia 23 de maio. São três livros, este é intitulado “111 anos por onde andou e por onde vai a economia portuguesa”, em que conseguimos compilar um conjunto de textos que permitissem reconstituir a evolução da economia portuguesa, desde o início do século XX até aos dias de hoje.

Fizemos convites a artigos alunos e professores e conseguimos ter uma obra com 33 trabalhos que se estendem por mais de 700 páginas de texto. Neste desafio foi dada uma grande liberdade na escolha de temas e assumimos isso em prol da liberdade de escrita e para que a escolha traduzisse as especializações de cada um, as áreas em que cada um dos autores podia dar valor acrescentado. O balanço é a produção de um bom livro que analisa factos políticos, económicos e sociais do longo de mais de um século que marcaram a evolução do país.

Tem também trabalhos de uma natureza mais prospetiva, alguns autores definem ou lançam os desafios que se colocam atualmente à economia portuguesa, e têm um contexto histórico que ajuda a explicar as análises. Em relação à questão dos temas principais, esta liberdade de escrita que foi dada levou a uma grande diversidade de temas. Há uma natureza mais macroeconómica, outra de microeconomia, temos textos que são de natureza histórica, mas também com interesse setorial e de outros temas mais específicos e, finalmente, textos que elencam os desafios para a economia portuguesa. Há uma grande diversidade que traduz exatamente a diversidade das especializações de cada um. Permite viajarmos na história económica e social de Portugal há 100 anos.

Com esse mote, quais são os principais desafios para a economia portuguesa nos próximos anos?

Um dos principais desafios para a economia portuguesa é claramente ter um choque ao nível da produtividade que nos permita ter valor acrescentado na produção de bens e serviços e com isso permitir o crescimento económico sustentado e sustentável. Isso é um desafio muito grande para a nossa economia. Outro desafio é como enquadrar os jovens nesta necessidade de crescimento económico.

Sabemos que os jovens hoje são uma geração muito qualificada, formada em universidades portuguesas de grande prestígio, que competem de forma muito forte com as universidades de outros países e produzem licenciados com grande capacitação, que não encontram no mercado de trabalho em Portugal a valorização dessa sua formação e resposta para aquilo que são os seus desejos, em termos de carreira profissional. Não encontram porque as questões salariais são relevantes, mas também há outras questões de natureza diferente, que se ligam, por exemplo, à dificuldade que os jovens têm hoje em autonomizar-se, arranjar casa, constituir família. Os preços de arrendamentos estão muito elevados, o que, juntamente com salários muito baixos, que não correspondem às expectativas e não são justos de facto para aquilo que é a formação e o potencial que os jovens têm, faz com que vão para fora, fazendo com que os outros países prosperem com a nossa qualidade.

Somos um país de pobres, os salários são muito baixos. O salário médio e o salário mínimo estão praticamente ao mesmo nível, o que não é uma situação que nos sirva.

Maria Rosa Borges

Nós ficamos mais inibidos. Isso é outro desafio, em termos da aposta nos jovens e da inserção dos jovens na economia, na sociedade e mercado de trabalho. São questões ligadas à produtividade e à necessidade de dar um salto qualitativo na produtividade. Isso poderá ser feito, por exemplo, com o PRR, que representa um volume financeiro muito elevado a fundo perdido, que pode servir para provocar alguma alteração estrutural na nossa economia. Pode ser que tenha choques de produtividade, que podem ocorrer capacitando e reestruturando o tecido produtivo português, incorporando novas tecnologias, questões como a robótica e a utilização da inteligência artificial. O PRR, com os fundos que daí advêm, pode ser um instrumento importante para que possamos dar esse tal salto. Porque, de facto, somos um país de pobres, os salários são muito baixos. O salário médio e o salário mínimo estão praticamente ao mesmo nível, o que não é uma situação que nos sirva.

A carga fiscal tem também impacto nesta questão dos salários?

Na minha perspetiva, associar os salários à questão da carga fiscal faz sentido a vários níveis. Há o IRS e, por outro lado, o IRC. Falando dos salários e, portanto, do IRS, este situa-se a um nível muito elevado, é senso comum que as taxas são muitíssimo elevadas, das mais altas da Europa. Isso tem como impacto a redução do rendimento disponível das famílias, tanto para iniciar a sua vida em sociedade como na sua inserção na vida em sociedade.

Acresce a esse facto que o IRS é um instrumento de política fiscal: pode ser aumentado, pode ser reduzido, pode-se utilizar esse instrumento de política fiscal para ter efeitos na economia. Ora, com o IRS muito elevado, até esse instrumento, do ponto de vista teórico, pode ficar inoperante, porque a certa altura os impostos não podem aumentar mais. Acaba por haver alguma incapacidade de no futuro se querer utilizar um instrumento, mas já não é possível. De facto, o IRS deveria baixar para as famílias, aumentava-lhes o rendimento disponível e dava mais capacidades financeiras, de consumo, que também beneficia a nossa economia.

O IRS deveria baixar para as famílias, aumentava-lhes o rendimento disponível e dava mais capacidades financeiras, de consumo, que também beneficia a nossa economia.

Maria Rosa Borges

Sabemos que, apesar de termos um número de exportações muito elevado, a maior parte das empresas produzem para o mercado interno, para os que vivem em Portugal, no continente e nas regiões autónomas. Em relação à fiscalidade das empresas também algo pode ser feito. Por exemplo, umas das preocupações é que as nossas empresas são muito reduzidas na dimensão. Temos várias empresas — pequenas e médias empresas — que são de dimensão muito reduzida e é apontada muitas vezes a necessidade de criar escala, ou seja, de as empresas, de alguma maneira, se poderem agregar. Pode ser feito através de fusões e aquisições e até a esse nível a fiscalidade podia ser mais generosa. O que acontece nessas situações é que quando se vende a empresa paga-se um imposto muito elevado e quem compra a empresa não tem o melhor tratamento fiscal, nomeadamente permitindo a sua amortização.

Para além de alguns benefícios fiscais que podiam ser, e até estão a ser dados. Mas mesmo aí poderia haver alguma intervenção por parte do Estado, mais seletiva. Há alguma, mas podia-se otimizar. Do ponto de vista fiscal, há aqui duas áreas que podem ser pensadas e refinadas em termos dos seus instrumentos.

No que diz respeito aos jovens, a crise na habitação também dificulta a autonomização. Estão a avançar medidas como o pacote Mais Habitação, perspetiva-se que possam ter um impacto positivo ou vai recair mais noutros recursos como o PRR?

O PRR pode sempre ser canalizado para a área da habitação e estará a ser em alguma medida. Não sei se na dimensão suficiente, mas essa preocupação existe. Agora, tenho alguma dificuldade em compreender que as medidas que foram tomadas vão resolver o mercado de habitação. Há alguma escassez de oferta e enquanto essa escassez não for resolvida, os preços dificilmente baixarão. Mesmo com as medidas e os apoios que têm sido dados ou têm muitos aspetos burocráticos, ou não são vantajosas para os proprietários.

Há sempre algum argumento que leva a que as medidas possam não ter um impacto tão importante como se pretenderia. Em relação à questão da oferta, é algo que só se resolve a longo prazo com construção e, portanto, não vejo que as medidas de curto prazo que estão a ser usadas possam fazê-lo. Obviamente, mitigam, é melhor que nada e haverá alguns impactos positivos. Mas para resolver o problema da habitação, que é um problema estrutural, tenho algumas dúvidas em relação ao sucesso dessas medidas.

Tem-se utilizado muito os fundos europeus na economia nacional. Existe uma dependência destes fundos?

Em alguma medida existe alguma dependência e basta ver o seguinte: se olharmos para o investimento português, nomeadamente o investimento público, verificamos que tem estado a níveis muito baixos nos últimos anos. E, mais do que isso, aquilo que é executado fica em geral abaixo do orçamentado no Orçamento de Estado. Por isso, os fundos comunitários e, em particular, o PRR vão dar uma ajuda importante para o investimento.

É desse ponto de vista que podemos dizer que haverá alguma dependência. Agora, também a perspetiva é que este investimento possa ser reprodutivo, possa permitir alterar a estrutura produtiva portuguesa, melhorar as condições das empresas e fazê-las entrar num caminho de investimento, num caminho de solidez, que permita que elas se sustentem e que tenham um impacto positivo na atividade económica. Alguma dependência, de facto, existe e não é só o PRR, estamos a pensar no PT2020 e no PT2030, que está para vir — e isso revela alguma dependência do investimento dos fundos comunitários.

E se o PRR realmente for reprodutivo, pode existir uma maior convergência com a União Europeia? O que tem impedido este processo?

É um objetivo convergirmos para a média europeia, é um indicador em que estamos a progredir. Na verdade, temos vindo nos últimos anos a convergir, o problema é a rapidez da convergência, a velocidade. Tivemos anos mais difíceis em que divergimos, mas vemos que existe alguma convergência porque o PIB tem crescido a níveis um pouco superiores à média comunitária. Agora, como a convergência se faz de forma lenta, precisamos de convergir mais rapidamente.

Para isso, temos de ter claramente um choque de crescimento para que as taxas de crescimento sejam diferenciadas em relação às dos nossos parceiros comunitários, para que a convergência seja acelerada e seja legal. De facto, há tão pouca que às vezes dizemos que não estamos a convergir. Mas esse salto qualitativo, os choques no crescimento necessário, poderá ser incentivado com estes fundos comunitários que agora vêm a fundo perdido do PRR.

Existe também o reverso da moeda, que é a questão de equilibrar as contas públicas. Como é que se equilibram os objetivos e as políticas?

A política que tem sido desenhada nos últimos anos de contas públicas tem sido claramente a contenção do défice público e o foco na evolução da dívida pública em percentagem do PIB e o rácio dos 3% de défice. Esse caminho tem sido feito, talvez tenha sido o objetivo mais importante política económica nos últimos anos, desde o Governo de Passos Coelho, e que se consolidou com os governos do António Costa. De facto, há essa preocupação com a consolidação das finanças públicas e isso tem-se alcançado. Há sempre muitos receios, as medidas expansionistas que se possam tomar são sempre seguidas de alertas com cuidado para não serem expansionistas a mais, porque senão provocam o revés nesta consolidação.

Há margem para ver uma verdadeira politica fiscal mais amiga dos agentes económicos, quer famílias quer empresas.

Maria Rosa Borges

De qualquer maneira, é só observar a situação que vivemos hoje. Temos praticamente o défice público a zero, embora as perspetivas do Governo sejam para um saldo ainda negativo, a evolução favorável da economia portuguesa (mais favorável do que era expectável quando foi feito o Orçamento) leva a que se possa admitir, eventualmente, até o equilíbrio das contas públicas já este ano. O que significa que provavelmente haverá margem para atuar ao nível das políticas fiscais, ao nível do IRS e ao nível das políticas fiscais dirigidas às empresas, sem comprometer a consolidação das contas públicas. Temos neste momento alguma folga e temos uma folga que advém essencialmente da arrecadação de impostos, por exemplo, pela via da inflação, que leva ao aumento do IVA, na estrutura dos nossos impostos.

Temos as contas públicas controladas e temos alguma margem. Obviamente, ainda temos o rácio da dívida pública, que se mantém muito elevado, mas temos tido essa capacidade de controlo. Os nossos parceiros comunitários e organizações internacionais identificam esses bons resultados. Claro que vem sempre com um “mas atenção, este caminho não deve ser arrepiado pela gestão das contas públicas”. Mas neste cuidado há margem para ver uma verdadeira politica fiscal mais amiga dos agentes económicos, quer famílias, quer empresas.

Além da ajuda dos impostos, no primeiro trimestre também houve o impulso do turismo, como já é habitual. Pode discutir-se se o peso do turismo é demasiado em termos de ser sustentável, para ter tanta importância no crescimento económico?

O turismo é muito importante para Portugal, tem sido e esperemos que continue a ser, porque é um recurso que temos. É o recurso turístico, temos paisagens e praias, o ambiente e as pessoas afáveis, temos uma boa cultura e uma cultura interessante. Então, o turismo é bom e representa uma proporção muito significativa das exportações portuguesas. Agora, devíamos ter cuidado em não concentrar a nossa atividade apenas no turismo. Não é reduzir o turismo, é diversificar a atividade para outras áreas e setores. É não colocar os ovos todos no mesmo cesto, não ter apenas turismo e ter outras atividades económicas que permitam que, no momento em que o turismo possa sofrer alguma vicissitude e que se possa contrair ou não evoluir de acordo com o esperado, tenhamos um aparelho produtivo que permita uma forma de compensar, em termos de crescimento, um eventual problema que possa surgir.

Diversificar a economia é um consenso, mas já há alguma diversificação, nomeadamente a metalomecânica, que corresponde a uma proporção das exportações muito significativa. Quase, quase tão próxima, quase tanto como no turismo. Há o setor do calçado, do vestuário, vitivinícola, mas deve haver essa preocupação. O turismo é bom, mas não devemos desprezar as outras áreas da atividade económica e diversificar a economia. A nossa economia tem um grau de diversificação razoável, o qual deve ser obviamente aprofundado.

E como é que se poderia aprofundar essa questão em termos de políticas públicas?

Por exemplo, incentivos às empresas naqueles setores em que possamos, à partida, ter vantagens competitivas, como vestuário, calçado, metalomecânica. E facilitar as questões de burocracia, de licenciamentos. Há muito que o Estado pode fazer para facilitar a vida das empresas, como a redução da burocracia.

A inflação é outra questão que impacta a evolução da economia. Com o abrandamento que se começa a sentir será possível um alívio nos custos de vida?

As previsões económicas vão no sentido da redução da inflação. Desse ponto de vista, é bom para as famílias, para os agentes económicos não verem o seu poder de compra continuar a ser alterado a um ritmo elevado. Agora, é verdade que aquilo que já se perdeu já se perdeu, quando falamos na inflação reduzir, não é redução de preços, é simplesmente redução da taxa de crescimento do aumento de preços. Seria ainda mais positivo se os salários pudessem em alguma medida refletir a inflação. Em alguma medida porque sabemos que podem advir efeitos inflacionistas com os aumentos de salários.

Mas diria que um ajustamento razoável dos salários poderia apenas repor o poder de compra e não tinha necessariamente que impactar o crescimento exagerado de consumo, até porque as famílias também têm as taxas de juro do crédito à habitação bastante elevadas. Têm aumentado as taxas Euribor, sendo que cerca de 40% das famílias têm taxas a 12 meses. A evolução das taxas de juro tem um efeito muito penalizador nas famílias e impacto no orçamento familiar e no seu poder aquisitivo. Uma melhoria ao nível dos salários, claro que a conta, peso e medida, e simultaneamente o impacto positivo da redução da inflação, levariam a uma melhoria ou. pelo menos, a uma vida mais desafogada para as famílias.

No livro destacou a questão histórica. Quais diria que foram os eventos mais marcantes para a economia portuguesa?

São muitos. Passamos por um conjunto de crises e é evidente que num horizonte temporal tão longo significa que passámos por momentos de expansão e de crise. Na história mais recente, diria que a crise de 2008 e 2010 foi muito penalizadora para os portugueses e quando estávamos em recuperação veio o Covid-19. Depois estávamos em recuperação e veio a guerra na Ucrânia. Assim, o que temos nos últimos 15 anos é uma economia com uma certa instabilidade e com dificuldades para promovermos alterações que tenham um impacto positivo no crescimento económico.

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