“Instabilidade na banca europeia é um risco que devemos levar muito a sério”

Stefan Gerlach, economista-chefe do EFG Bank, teme novos episódios de turbulência no setor financeiro e avisa que “impactos do aperto da política monetária serão sentidos na segunda metade deste ano".

Em entrevista ao ECO, Stefan Gerlach antecipa que “será na segunda metade deste ano que realmente vamos sentir os efeitos do aperto da política monetária” iniciada no verão passado pelo Banco Central Europeu (BCE), aconselhando a instituição liderada por Christine Lagarde a desacelerar o ritmo de subida das taxas de juro. “Acho que o BCE devia parar, ver os dados que chegam e, se vir que a inflação continua teimosamente alta, três meses depois pode retomar” as restrições.

Depois de assistir ao colapso recente do Silicon Valley Bank (SVB) e aos problemas no Credit Suisse, que acabou por ser absorvido nas últimas semanas pelo UBS, o economista-chefe do EFG Bank, sediado em Zurique, teme o surgimento de novos episódios de turbulência no setor financeiro. “Preocupa-me que, continuando a aumentar as taxas de juros, em algum lugar e de alguma forma veremos outras instituições financeiras” colapsar.

Teríamos evitado a maior pressão inflacionista sentida nos últimos meses se o BCE tivesse começado mais cedo uma subida moderada das taxas de juro?

Havia duas opiniões na maioria dos bancos centrais. Uma visão era que isso era em grande parte induzido pelos preços da energia e dos alimentos, por causa da guerra na Ucrânia, e que afetaria apenas temporariamente a inflação. Depois percebeu-se que poderia ser mais do que temporário e o equilíbrio de pontos de vista dentro dos bancos centrais começou a mudar para o daqueles que achavam que seria permanente. Se pensarmos em qualquer situação económica que um banco central enfrenta, haverá sempre divergências de pontos de vista. Com o tempo, dependendo do que os dados aparentam ser, as visões mudam.

Alguns números já estavam em cima da mesa.

Vimos esses preços da energia e dos alimentos a começar a subir e a grande questão era até que ponto começariam a impactar nos outros preços da economia. Um grupo de pessoas dizia que a passagem provavelmente seria pequena e não era preciso preocuparmo-nos com isso. Outro grupo dizia que provavelmente seria grande e que era preciso evitar efeitos de segunda ordem na inflação, aumentando logo as taxas de juros. O que aconteceu em certos bancos foi que esse primeiro grupo, no início, era dominante.

Se tivesse sido iniciada mais cedo uma série moderada de aumentos das taxas de juro, teriam sido evitadas algumas das pressões inflacionárias?

Sim. Mas também é importante lembrar que a inflação começou a subir há cerca de dois anos, na primavera de 2021. E como medimos a inflação como a variação de preços em 12 meses, se temos um grande aumento [nesse período], a inflação ficará alta por 12 meses. Se passados 12 meses houver outro aumento nos preços, a inflação vai ser alta por mais 12 meses, a menos que, por graça de Deus, aconteça algo que cancele a primeira. É um evento muito improvável. Na verdade, não sabemos se foram apenas dois anos de choques temporários ou um choque mais persistente na inflação. Ao olharmos para todo o registo, não está claro o que aconteceu.

Qual o seu entendimento e o que espera que aconteça durante este ano?

O que suspeito que aconteceu é que, em grande medida, a aceleração da inflação nesses dois anos foi temporária, mas houve alguma transmissão dos alimentos e da energia para outros preços. Portanto, há parcialmente um elemento mais persistente. E [nesse cenário] provavelmente teremos uma taxa de inflação de 3% ou 4%: muito acima da meta de 2% que os bancos centrais têm, mas muito abaixo das taxas de inflação atuais de 6%, 7%, 8% ou 9%.

Stefan Gerlach, Chief Economist do EFG, em entrevista ao ECO - 20ABR23
Stefan Gerlach, Chief Economist do EFG, em entrevista ao ECORicardo Castelo/ECO

No caso do BCE, acha que a subida dos juros está a ser demasiado rápida e a ir demasiado longe?

Provavelmente estão bem agora, mas estou preocupado com aqueles que dizem que precisamos ter outra subida de 75 pontos base ou algo do género. Se olhar para as previsões anunciadas em março pelo BCE, apontam para uma queda da inflação para 2,8% no final deste ano e para 2,7% no final do ano que vem. Com uma meta de inflação de 2%, isso é muito bom.

Um novo aumento de 25 pontos base parece-me bem [como acabou por acontecer na semana passada], mas se continuarem a aumentar nas reuniões seguintes, como alguns acham que deve ser feito, será um aperto muito dramático da política monetária. Acho que o BCE deveria parar e olhar em volta para ver o que acontece.

É, então, apologista de uma desaceleração do ritmo de subidas nos juros por parte do BCE.

Sim. Isto é como a caça de submarinos na Segunda Guerra Mundial. Enviavam um sinal acústico sob o oceano e descobriam que havia ali um. E então começavam a avançar a toda velocidade sobre o local. Mas ao fazer isso, deixavam de ouvi-lo e ficavam “cegos” durante algum tempo. Até que paravam, o barulho do motor desaparecia e então começavam a ouvir novamente o submarino. Com a política monetária é a mesma coisa. Acho que deviam parar, ver os dados que chegam e, se virem que a inflação continua teimosamente alta, três meses depois podem retomar. Não devem continuar a subir reunião após reunião. É preciso parar e ouvir.

Sendo que há um efeito retardado nas mudanças de política monetária. Quando espera que o maior aperto será realmente sentido pelas pessoas?

O pico de impacto será sentido cerca de quatro trimestres depois. Esta é a minha leitura das evidências empíricas e da investigação feita. O BCE começou a fazê-lo em julho do ano passado, por isso suspeito que será na segunda metade deste ano que realmente vamos sentir os efeitos do aperto da política monetária. Por agora é muito cedo para esperarmos ver muito [desse impacto]. A inflação tende a reagir muito lentamente, como o mercado de trabalho, que tende a ajustar-se muito lentamente e a ficar para trás num ciclo mais amplo. Onde se espera que esse aperto se reflita mais rapidamente é nos empréstimos à habitação ou nos preços de imóveis.

E quando é que assistiremos ao impacto no desempenho das economias europeias?

A economia vai começar a desacelerar no segundo semestre deste ano, algo impulsionado pelo mercado e pelo investimento imobiliário. É com isso que estou preocupado. E não acontecerá só na Europa, claro, mas em vários outros países [noutras geografias]. Acredito que a segunda metade do ano será muito diferente: certamente teremos uma recessão nos EUA no segundo semestre de 2023 e isso vai-se espalhar para a Zona Euro.

O Goldman Sachs antecipou numa nota recente que a Zona Euro não vai cair este ano numa recessão.

Pode acontecer no ano que vem. Se continuarmos a apertar a política monetária, a aumentar as taxas de juros em mais 75 pontos base, a probabilidade de uma recessão em algumas partes da zona euro é muito grande.

Preocupa-me que, continuando a aumentar as taxas de juros, em algum lugar e de alguma forma veremos outras instituições financeiras [colapsar]. E pode não ser um banco. Pode ser outro tipo de investidor de grande escala, como um hedge fund.

Quais são os principais riscos para as economias europeias?

O primeiro grande risco é termos alguns problemas com os bancos. No Titanic tudo parecia bem, até que atingiu o iceberg. Avançava a toda a velocidade através do nevoeiro e tudo parecia ótimo, até ao embate. Estou preocupado. Veja o caso do Silicon Valley Bank, em que ninguém previu o que ia acontecer. E depois todos disseram: “Ops!”. Podemos ter mais problemas desses; se calhar outras instituições financeiras terão o mesmo posicionamento azarado. Preocupa-me que, continuando a aumentar as taxas de juros, em algum lugar e de alguma forma veremos outras instituições financeiras [colapsar]. E pode não ser um banco. Pode ser outro tipo de investidor de grande escala, como um hedge fund.

Ao colapso do SVB seguiram-se os problemas no Credit Suisse, que acabou por ser absorvido em tempo recorde pelo UBS. Prevê novos períodos de turbulência envolvendo a banca europeia?

É um risco que devemos levar muito a sério. Não vemos o risco agora, mas a instabilidade financeira é um risco que às vezes se concretiza. Não é materializado todos os dias. É como o Titanic: podia ter corrido muito bem, mas aconteceu de embater no iceberg. Tiveram azar. Provavelmente, outros navios passaram por ali naquela noite, sem problemas. É a mesma questão quanto à estabilidade financeira: as coisas parecem bem até que, de repente, deixam de estar.

Stefan Gerlach, Chief Economist do EFG, em entrevista ao ECO - 20ABR23
Stefan Gerlach, Chief Economist do EFG, em entrevista ao ECORicardo Castelo/ECO

Quais são os sinais a que o sistema financeiro deve estar mais atento?

Devemos ficar muito preocupados com os empréstimos às famílias e relacionados com o setor imobiliário. Quando as taxas de juros mexem tanto no espaço de um ano, é uma mudança muito grande. As pessoas que conseguem pagar os empréstimos quando as taxas de juros estão baixas, quando eles sobem de repente podem deixar de conseguir pagar os custos com os juros. Além disso, leva a que as famílias cortem noutros gastos. Se isso se prolonga no tempo e se a situação acaba por não melhorar, o stress torna-se tão grande que começam a cortar drasticamente nos gastos.

Se não calhar de ficarem sem emprego.

Na economia é como na vida real: as coisas dão errado porque uma combinação de coisas más acontece ao mesmo tempo. Outro exemplo: quase fiz um risco no meu carro à saída da garagem do prédio porque a pessoa do lado encostou demasiado o carro dela e fiquei com menos espaço do que é habitual; e além disso estava com pressa por causa da minha filha. O mesmo é válido para a economia. Há alguns fatores que estão a aumentar um pouco o risco e que, quando combinados de forma inesperada, levam a que aconteçam coisas erradas. A subida das taxas de juro está a causar tensões no sistema financeiro e na economia, e, se algo mais acontece — a combinação, por exemplo, de altas taxas de juros e de uma recessão que leva a mais desemprego –, pode ter um impacto muito grande na viabilidade do mercado imobiliário.

Antecipa, por isso, um aumento das tensões sociais na Europa?

Claro. As famílias estão numa situação muito difícil agora mesmo porque a inflação tem sido muito alta, as contas que pagam pela comida e outras coisas. Por agora, a taxa de juro do empréstimo à habitação até pode ainda não ter sido redefinida, mas no outono enfrentarão taxas mais altas. Essa combinação de fatores pode gerar mais instabilidade [social] e devemos ter cuidado e estar atentos a isso.

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