Markus Kemper: “Compradores alemães sabem que fornecedores portugueses são confiáveis”

Presidente da Câmara de Comércio e Indústria Luso-Alemã diz que Portugal tem engenheiros “em quantidades ainda razoáveis” e com guerra pode ser alternativa ao leste europeu no fornecimento industrial.

O presidente do conselho diretor da Câmara de Comércio e Indústria Luso-Alemã (CCILA), Markus Kemper, sublinha que “a relação estável com fornecedores é muito valorizada pelos compradores alemães”. Em entrevista ao ECO, o também CEO da Filkemp, empresa de filamentos com sede em Sintra, reconhece que nos últimos anos o investimento foi direcionado sobretudo para o reforço da produção em grandes empresas como a Bosch, Siemens, Volkswagen, Fuso Mitsubishi ou Continental, mas adverte que “a captação de novos investimentos de empresas do Mittelstand [PME germânicas] não se reveste de importância menor”.

No dia em que arranca na Alemanha a maior feira industrial do mundo, na qual Portugal tem o estatuto de “país parceiro” e participa com 109 empresas, das quais 93 são de pequena e média dimensão – a organização da Hannover Messe calcula que 66% dos visitantes estão envolvidos em decisões de investimento e um terço tem projetos estimados em 52 mil milhões de euros –, Markus Kemper aconselha os industriais a “dirigirem-se aos interlocutores corretos e com a abordagem adequada”. Por enquanto, sublinha, Portugal “dispõe de pessoal qualificado, especialmente na área das engenharias, em quantidades ainda razoáveis”.

O ecossistema tecnológico e industrial português tem capacidade para surpreender o Mittelstand? Quais são os principais argumentos?

A Alemanha é já o terceiro mercado de exportação dos produtos e serviços portugueses, com especial destaque para as áreas da metalomecânica, moldes e, mais recentemente, tecnologias de informação e engenharia. Logo, o Mittelstand já tem conhecimento e provas da capacidade do ecossistema português. Os compradores alemães sabem que, para além da qualidade da produção, os fornecedores portugueses são confiáveis, além da [vantagem da] proximidade geográfica do mercado, face a outras latitudes. A presença portuguesa na Hannover Messe vai permitir levar o conhecimento da excelência da produção portuguesa a mais potenciais clientes.

Por outro lado, que aspetos precisam ainda as empresas portuguesas de melhorar para conseguir ser mais atrativa para a poderosa indústria alemã?

Além da aposta contínua na qualidade dos seus produtos e serviços, as empresas portuguesas devem procurar ganhar o máximo de conhecimento possível sobre o competitivo mercado alemão para se dirigirem aos interlocutores corretos e com a abordagem adequada. No âmbito do processo de internacionalização, é fundamental aceder a informação fidedigna sobre a realidade do mercado específico de cada empresa e [haver] uma definição de um plano de ação adequado para tomar as decisões certas e tirar o máximo proveito das oportunidades existentes.

Em que setores é que Portugal tem mais condições para poder entrar ou ganhar peso na cadeia de valor industrial da Alemanha?

Os setores representados na Hannover Messe são, por excelência, setores nos quais Portugal apresenta um elevado potencial: soluções de engenharia, automação, soluções digitais e um setor até agora pouco considerado, que é a energia, com enormes possibilidades de desenvolvimento. Portugal enquanto país fornecedor destaca-se ainda em áreas “nicho”, com um elevado grau de especialização, como, por exemplo, o caso dos têxteis técnicos ou os plásticos.

As empresas portuguesas devem procurar ganhar o máximo de conhecimento possível sobre o competitivo mercado alemão para se dirigirem aos interlocutores corretos e com a abordagem adequada.

Markus Kemper

Presidente da Câmara de Comércio e Indústria Luso-Alemã

O que é mais valorizado pelos investidores alemães quando pensam num país como Portugal para o sourcing industrial?

São considerados fatores como a segurança no fornecimento (cumprimento de prazos, fornecimentos sem interrupções ou paragens) e as relações estáveis com os fornecedores, que é um aspeto muito valorizado pelos compradores alemães. Também o nearshoring ganhou uma grande relevância. Além disso, a localização geográfica de Portugal representa uma vantagem ao nível do tempo de transporte e a redução de potenciais problemas logísticos ao longo do percurso.

O talento (recursos humanos) tem sido um dos eixos da promoção do país, sobretudo na área da engenharia, mas as empresas queixam-se cada vez mais da escassez de pessoal qualificado. Pode vir a ser um problema?

A escassez de pessoal qualificado é um problema comum a muitos países industrializados — e particularmente notório na Alemanha. Esta é uma das razões pelas quais Portugal está no radar destes países porque, por enquanto, dispõe de pessoal qualificado, especialmente na área das engenharias, em quantidades ainda razoáveis. Cabe, no entanto, aos responsáveis do país tomar as medidas necessárias para assegurar que a situação não se inverte.

Os organizadores da participação portuguesa na Hannover Messe dizem que o objetivo é colocar o país no centro da equação da reindustrialização da Europa. Falou-se muito deste tema no início da pandemia, quando houve as primeiras quebras das cadeias produtivas, mas, entretanto, parece ter arrefecido. Qual é a sua perspetiva?

Pelo contrário, a reindustrialização tem sido um tema de destaque tanto ao nível da estratégia governamental como na atividade das empresas e associações setoriais. A guerra na Ucrânia veio dar uma nova dimensão a esta questão em todos os setores industriais. Da perspetiva alemã há um enorme esforço para a diversificação das cadeias de fornecimento para reduzir a sua dependência de mercados como a Ásia e a Rússia.

Outro tema que não estava na agenda para esta feira, mas que surgiu, entretanto, é o da guerra na Ucrânia. Que efeito é que esse acontecimento também pode ter no nearshoring em Portugal, isto é, na subcontratação mais próxima em termos geográficos?

O reconhecimento da importância do nearshoring começou durante a pandemia e foi agora reforçado com a guerra na Ucrânia. Pelos motivos já referidos, Portugal é, definitivamente, um país que os empresários alemães têm no seu radar, tanto como fornecedor como também para a localização das suas atividades produtivas. Pelas vantagens que apresenta face a mercados mais longínquos, como os asiáticos ou nos quais o risco de conflitos pode pôr em causa a sua viabilidade.

Há dias, o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, sobretudo a propósito do turismo, disse que Portugal pode ser um “beneficiário líquido” desta situação de guerra no leste europeu, pela distância geográfica face à Ucrânia. Acredita que também poderá beneficiar nesta área do investimento alemão na indústria portuguesa?

As empresas portuguesas já têm junto dos compradores alemães uma imagem de confiança no que respeita ao fornecimento de bens e serviços, um capital que é relevante também na captação de investimento. As questões de segurança das cadeias de fornecimento levantadas com a guerra na Ucrânia levam os empresários alemães a olhar com maior desconfiança para os mercados da Europa de Leste e fazem aumentar a pressão para procurar outros países dentro da Europa que possam afirmar-se como alternativas, tanto enquanto fornecedores como locais de produção.

Portugal como “beneficiário líquido” da guerra na Ucrânia? Os empresários alemães estão pressionados a procurar outros países dentro da Europa que possam afirmar-se como alternativas [ao Leste europeu], tanto enquanto fornecedores como locais de produção.

Markus Kemper

Presidente da Câmara de Comércio e Indústria Luso-Alemã

“Portugal faz sentido” é o lema para a participação nacional na edição deste ano da Hannover Messe. Além da capacidade industrial das empresas, que outros argumentos podem ser apresentados pelo país para atrair os investidores estrangeiros?

Com este claim, Portugal posiciona-se como país fornecedor e destino de investimento. A presença portuguesa em Hannover destaca as principais vantagens que o país oferece: segurança, diversificação das cadeias de fornecimento e de locais de produção, a existência de um pool de talento disponível e com condições competitivas. (…)

Cremos que Portugal tem condições para captar novos clientes e novos investimentos. [Segundo a organização da feira, 66% dos visitantes estão envolvidos em decisões de investimento e um terço tem em mãos projetos de investimento estimados em 52 mil milhões de euros]. É neste sentido que o Governo, as associações e as empresas estão a trabalhar e a preparar a presença portuguesa.

E que empurrão dão os casos de sucesso de investimento em Portugal de grandes empresas alemães, como a Siemens, a Bosch ou a Volkswagen? É possível atrair também PME alemãs que queiram expandir a atividade ou até voltar a colocar a atividade industrial na Europa, que está noutras localizações mais distantes?

Empresas como a Siemens, a Bosch ou a Volkswagen representam a presença alemã mais visível em Portugal e funcionam, de certa forma, como um cartão-de-visita. No entanto, na Alemanha, o Mittelstand não se compara, necessariamente, com estas empresas. Pelo contrário, orienta-se pela sua concorrência mais direta, outras empresas da mesma dimensão e com as mesmas características. Mas também a este nível temos em Portugal exemplos de sucesso de investimento alemão, como os casos da Leica ou da Eberspächer, que ocupam um lugar relevante no contexto económico português.

Nos últimos anos, o investimento alemão foi direcionado sobretudo para o reforço da produção já existente em empresas como Bosch, Siemens, Volkswagen, Fuso Mitsubishi ou Continental. A captação de novos investimentos de empresas do Mittelstand não se reveste de importância menor neste contexto.

(O jornalista viajou para Hannover a convite da Siemens)

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