As expectativas das agências de rating "têm sido suplantadas," diz a presidente do IGCP. Mas Portugal continua demasiado dependente de financiamento externo.
Expectativas “moderadas”, ou melhor, “modestas” — é assim que a presidente do IGCP, Cristina Casalinho, gosta de olhar para as indicações da Fitch. E por isso aponta para um horizonte de pelo menos 12 meses até ver o rating da República sair do grau especulativo. Entretanto, há que baixar a dívida, resolver os dossiers pendentes na banca e resolver diferendos como o que há com a Pimco e a BlackRock.
Falámos da expectativa de saída do nível lixo. Vai acontecer já este ano?
Em relação à Fitch, no IGCP costumamos dizer que gostamos de ter as nossas expectativas moderadas, modestas.
Por alguma razão em especial?
Sim. Porque recordamos que em maio de 2014 quando Portugal saiu do programa de auxílio financeiro, a Fitch também melhorou o outlook e depois durante 23 meses manteve essa perspetiva positiva sem que daí adviesse uma melhoria de rating. Não diria que é um sinal inequívoco, robusto, que aponta na direção do grau de investimento. Desta vez estamos um bocadinho mais otimistas porque os dados da economia portuguesa e os progressos são muito substantivos. Se olharmos para a lista de fatores positivos e negativos que todas as principais agências de rating têm vindo a enumerar, os negativos têm sido quase todos eliminados, ultrapassados, os positivos têm surpreendido positivamente. As expectativas têm sido suplantadas.
Quais são os fatores que não foram ainda eliminados?
O stock da dívida, uma variável que vem sempre no topo da lista das preocupações, e a evolução do setor financeiro. Há ainda algumas pontas soltas no setor financeiro que as agências gostariam de ver atadas, alguns processos concluídos ou pelo menos mais avançados antes de darem um passo final. Em relação a calendários, o que pensamos é que são sempre processos que demoram algum tempo.
Há um pré-anúncio.
Antes de haver uma melhoria de rating ela passa por uma sinalização que é a melhoria da perspetiva. Isso significa que estamos a falar nunca em — eu gosto de ser conservadora — menos de 12 meses para ter o processo totalmente concluído.
Quer dizer que só dentro de 12 meses.
Em setembro vamos ter já boas indicações sobre a forma como este cronograma irá evoluir. Temos a Moody’s no primeiro dia de setembro e 15 dias depois a S&P a publicar as suas avaliações.
Vai ser importante aí ver uma alteração de outlook.
Se não houver alteração de outlook por alguma delas o que vai acontecer é que este calendário será adiado.
Se houver alguma caracterização da evolução recente da economia portuguesa é de cumprimento e suplantação de metas.
Mas está confiante de que haverá essa alteração de outlook em setembro?
O IGCP não gosta de se comprometer porque é uma variável que não tem no seu controlo. Mas se houver alguma caracterização da evolução recente da economia portuguesa é a de cumprimento e suplantação de metas em praticamente todos os níveis — macroeconómico, orçamental. A Moody’s, por exemplo, é uma agência que acompanha muito proximamente o acesso ao mercado — se as taxas de juro têm um bom comportamento ou não, como é que a liquidez está a evoluir — e também aí os sinais são bastante positivos. Não há sinais ambíguos nesse aspeto.
A Moody’s tinha previstas duas decisões este ano e não se pronunciou. Recebeu alguma justificação?
A Moody’s é uma agência que tem uma avaliação um bocadinho distinta. O que sabemos é que o próprio regulador, a ESMA, já clarificou e que daqui para a frente terão de fazer qualquer coisa, publicar algum relatório.
Nem que seja para dizer que se mantém tudo?
Exatamente. Pelo menos têm sido essas as indicações que temos tido. Tem-nos sido indicado que têm de alinhar o seu comportamento pelo das restantes agências.
Perante os indicadores de Portugal, as agências de rating têm demorado muito tempo a agir. Porquê?
Não gosto de avaliar o trabalho dos outros, sobretudo quando nunca estive na pele deles, acho que é um bocadinho injusto. O conjunto de fatores acompanhados mais de perto pelas agências de rating teve uma evolução inequivocamente positiva. Há alguns aspetos em que claramente pode haver progressos. Não podemos nunca esquecer que o nível de endividamento em Portugal é elevado. A dependência de financiamento externo para o refinanciamento desse stock, público ou privado, é muito significativo. Este é um dos aspetos que é sempre muito salientado pelas agências de rating. Nós dizemos: “Mas há outros países que também têm stocks de dívida muito semelhantes ou piores e comparamo-nos sempre com a Itália ou com o Japão.” Mas a necessidade de financiamento externo desses países é bastante mais baixa. A isso junta-se outro fator: o nível de PIB dessas economias é muito maior. E um dos fatores que conta para as agências de rating é a dimensão.
Sabe quanto é que Portugal pode poupar se sair do nível especulativo?
Não. Muito sinceramente, não considero que seja um exercício interessante por uma razão simples: se acontecer, melhor. Certamente que o acesso ao mercado vai melhorar, vai significar que o universo de investidores que podem comprar Portugal e, mais relevante, a capacidade do universo [de investidores] existente para comprar mais Portugal, amplia-se consideravelmente. Mais do que isto é martirizarmo-nos. E se não acontecer? Estarmos preparados para o melhor não tem grande interesse, temos é de estar preparados para o pior. Se fôssemos triple A ou single A, o peso da fatura de juros no défice seria menor e por isso o défice poderia ser menor, logo poderíamos ter uma queda do stock de dívida mais acelerada. E isso até podia reforçar a nossa qualidade creditícia. Mas isso não é relevante, na medida em que a nossa vida fica facilitada mas nós não temos de nos preocupar se a nossa vida fica facilitada.
Mas é uma forma de saber o peso que essas avaliações externas têm sobre a nossa economia.
Sim, e nós fazemos a avaliação do impacto na fatura de juros. Por exemplo, pagamentos antecipados ao FMI. Aí temos duas realidades: duas fontes alternativas de financiamento que podemos confrontar diretamente. Se Portugal sair do lixo, faz sentido ter mais investimentos transacionáveis? Ou, consoante a avaliação, encontrar procuras diferentes para a curva. Isso fazemos: se o mundo fosse perfeito e tivéssemos uma procura ilimitada, sabemos qual é o ponto da curva em que gostaríamos de emitir. Esse trabalho fazemos, mas não mais do que isso.
Quando aconteceu a resolução do BES, também houve investidores que ficaram bastante desgostosos com a solução, com algum desapontamento, desilusão, pela decisão do Banco de Portugal.
O seu mundo ficou um pouco mais imperfeito quando o Banco de Portugal decidiu passar uma série de obrigações do Novo Banco para o BES. Teve impacto na relação com os investidores, nomeadamente com a Pimco e a Blackrock.
Teve impacto na apreciação que alguns investidores fizeram (ou fazem…) do risco português. E não ficou circunscrito a esses dois grupos. Quando aconteceu a resolução do BES, também houve investidores que ficaram bastante desgostosos com a solução, com algum desapontamento, desilusão, pela decisão do Banco de Portugal.
Deixaram de investir em dívida portuguesa?
Alguns deixaram de investir, outros nunca investiram ou pelo menos não investem há alguns anos. Noutros não terá tido grande impacto. Há tratamentos muito diferentes desse acontecimento, mas que foi um acontecimento significativo, foi.
A Pimco e a BlackRock fizeram inclusivamente um boicote a Portugal, à dívida portuguesa. Como está a relação neste momento com estes fundos?
Ultimamente não temos falado com eles.
Não têm participado nas últimas emissões?
Não lhe posso responder. A única observação que temos de quem participa é relativa às emissões sindicadas. A nossa observação é referente a janeiro deste ano. Já é bastante desatualizada, mas também não lhe vou dizer.
É importante fechar esse capítulo [do diferendo com a Pimco e o BlackRock] para melhorar a imagem.
Neste momento, o Banco de Portugal está a tentar chegar a um entendimento com estes fundos…
O IGCP não é uma entidade envolvida nestas negociações.
Mas se o Banco de Portugal e estes fundos chegarem a um entendimento, será bom para a perceção do país?
É importante fechar esse capítulo para melhorar a imagem. É sempre bom uma discordância ou um desacordo ser sanado.
Diria que é determinante?
A retransmissão aconteceu em dezembro de 2015. Depois disso já temos um ano e meio de cumprimento do nosso programa de financiamento. Poderia ter sido mais fácil? Não sabemos. Tivemos algumas reuniões com alguns desses investidores que não foram muito confortáveis.
Ainda sobre a banca: a maior parte dos problemas está resolvida?
A priori sim.
O Montepio preocupa?
Não tenho conhecimento específico sobre o caso. O IGCP não tem qualquer informação privilegiada a esse respeito. A informação que temos é a do Banco de Portugal e a que o Governo tem feito chegar à comunicação social, é do domínio público.
Os investidores não são convencidos. Das duas uma: ou estão convencidos ou não estão convencidos.
E tendo em conta essa informação…
Acompanhamos a evolução do sistema financeiro como acompanhamos o setor exportador, a informação que se disponibiliza sobre os fluxos de investimento direto…
Mas tendo em conta essa informação e esse acompanhamento, está preocupada?
Há alguns temas que não estão concluídos. É importante que esses dossiês sejam fechados de uma forma vantajosa para a economia portuguesa e para o Tesouro português.
Neste momento, do contacto regular que faz com os investidores, qual é o primeiro argumento que utiliza para convencê-los a comprar dívida portuguesa?
Os investidores não são convencidos. Das duas uma: ou estão convencidos ou não estão convencidos. Se os investidores tiverem uma avaliação negativa, não vai ser o trabalho do IGCP que os fará mudar de opinião. Da mesma forma, se eles estiverem convencidos, podem procurar no IGCP é fatores adicionais para justificar os seus argumentos. O que os investidores procuram é uma validação das suas perceções.
Como é que o IGCP descreve Portugal?
Portugal ultrapassou a crise, com uma correção dos principais desequilíbrios. Tem níveis de crescimento mais elevados, um mercado de trabalho bastante robusto. Parte do crescimento económico de que beneficiamos radica numa sustentabilidade de níveis de consumo privado em patamares inferiores ao crescimento global do PIB, mas relativamente estáveis, com base num mercado de trabalho bastante mais sólido e dinâmico do que no passado, sendo os principais motores de crescimento as exportações e o investimento.
O investimento é sobretudo orientado para o setor de bens transacionáveis. E no caso das exportações o grande motor do acréscimo ainda são os bens. Esta melhoria das exportações face às importações permite o reequilíbrio externo: Portugal deixa de ser um país com necessidades de financiamento externo para passar a ter capacidade de financiamento. É uma mudança de paradigma bastante assinalável. Há muitas vezes um mito de que esta correção foi conseguida por um grande constrangimento a nível importador. Há observações suficientes que de alguma forma vêm desacreditar essa perceção.
Sente que muitos investidores tinham uma perceção errada de Portugal?
Sim, sim. Ainda esta semana estivemos com um investidor que acompanha Portugal há vários anos e que dizia: “Bom, desta vez, surpreenderam muito positivamente, mais do que eu alguma vez consideraria ser possível.” É uma apreciação que temos vindo a constatar por parte de vários investidores, de geografias diversas.
O IGCP tem de explicar essa melhoria?
No ano passado, sabendo que havia uma perceção menos positiva, alguma incerteza e desconhecimento, fizemos um esforço suplementar — e aí o Ministério das Finanças deu um contributo imprescindível para esse esforço comunicacional. Grande parte dos roadshows que nós realizamos foram, na realidade, feitos pelo Ministério das Finanças, nós acompanhamos. Hoje esses investidores com quem tivemos conversas ao longo dos últimos 18 meses mostram-se bastante satisfeitos com os desenvolvimentos verificados. Há alguns investidores menos satisfeitos porque não deram suficiente crédito a pistas por nós deixadas e que, de alguma forma, estão agora a sofrer as consequências dessa decisão.
Neste momento não há arrependimentos [de investidores com Portugal]. Por uma razão simples: o mercado português é marginal. Não participa nos principais índices, não é grau de investimento. Investe por aposta.
Não se sentem arrependidos?
Neste momento não há arrependimentos. Por uma razão simples: o mercado português é marginal, não é um mercado em que um investidor tenha necessariamente de investir. Não participa nos principais índices, não é grau de investimento. Investe por aposta. A questão é que tem de ser uma convicção muito firme. Caso contrário, não consegue apresentar o seu caso [às suas chefias] de maneira a comprar. Se o mercado português tiver um desempenho mau, as responsabilidades serão dele. Se tiver um desempenho bom, nunca terá a responsabilização por isso. Não é sequer uma solução binária, é claramente enviesada no sentido de desincentivar à tomada de risco. O demérito na compra pesa mais. A possibilidade de mau desempenho é mais considerável. E isso é um fator desincentivador.
Como viu o relatório de reestruturação de dívida pública portuguesa apresentado pelo grupo de trabalho do PS e do BE? Sugeria-se alterar a maturidade da dívida para prazos mais curtos.
Em relação ao encurtamento de maturidades, no ano passado — no decorrer da subida das taxas de juro a longo prazo e da identificação de menor procura por parte investidores na zona superior a 10 anos — Portugal não conseguiu, ao contrário de outros países, aumentar a maturidade. Marginalmente houve um encurtamento. Os gestores de dívida pública estão sujeitos a um binómio: por um lado minimização de custos e por outro reduzir o risco de financiamento. Num momento em que Portugal não tem uma notação de investimento, isso leva de um modo geral a privilegiar-se mais o risco de financiamento, em assegurar níveis de refinanciamento no futuro imediato aceitáveis e exequíveis, perfis de reembolso que sejam mais ou menos homogéneos ao longo do tempo de maneira a evitar picos de necessidades de refinanciamento.
[A reestruturação da dívida] é um tema que cada vez mais os gestores de dívida pública acompanham.
Isso fica mais caro?
Se conseguirmos exatamente captar onde a procura existe, estamos a emitir onde o custo é menor. Embora o custo possa ser maior — porque se emitir bilhetes a três meses, claramente tenho um custo menor do que se emitir uma Obrigação do Tesouro a 30 anos — o que acontece é que se a procura for em 5 ou 6 ou 10 anos, e eu estiver a emitir aí, tenho um custo menor em termos relativos do que emitir um Bilhete do Tesouro onde não há muita gente a querer comprar.
Foi por isso que vimos durante o primeiro semestre do ano leilões de dívida com prazos menos habituais?
Era onde havia procura. A metodologia que é usada no IGCP nas emissões através de leilão é relativamente standard e comum. Há aspetos em que há alguma especificidade, mas mais ou menos os países seguem a mesma metodologia.
Ainda sobre a reestruturação da dívida pública, faz sentido reabrir o debate?
É um tema que cada vez mais os gestores de dívida pública acompanham. Um dos aspetos mais privilegiados pelos investidores é o tema da liquidez. Cada vez mais países têm programas de recompra ou trocas ativas precisamente para comprarem títulos antigos que não têm muito interesse em serem reabertos e possibilitar que linhas novas possam ser emitidas em montantes mais significativos. Portugal ainda não está nessa situação mas é o caso de Itália. O alisamento do perfil de reembolsos é uma preocupação e portanto trocas, recompras, fazem parte do conjunto de instrumentos que os gestores de dívida pública têm à sua disposição.
E além desse tipo de reestruturação suave…
Não chamaria reestruturação. É uma melhor adequação dos instrumentos à procura que existe.
Além disso, faz sentido pensar nesse debate?
É um tema político. Não acho que o IGCP tenha grande valor acrescentado. Numa altura em que o mercado favorece extensões de maturidade, a maturidade é estendida, quando o mercado favorece encurtamentos, a maturidade é encurtada. Adequamo-nos ao ambiente em que temos de trabalhar. Podemos fazer pequenos ajustamentos mas somos tomadores de preços e de procura.
Nas reuniões que tivemos [com investidores do Qatar], mais do que o interesse em dívida pública, pareceu-me que tinham interesse em instrumentos em ativos reais.
Qatar. Resultou bem a visita, estão a comprar dívida nossa?
Não lhe vou responder.
O Presidente Marcelo diz que sim.
Não sabemos, não temos essa informação, não sabemos quem compra.
Mas teve boa recetividade?
Sim, tivemos boa recetividade, eles estão interessados. Mas nas reuniões que tivemos, mais do que o interesse em dívida pública, pareceu-me que tinham interesse em ativos reais, em desenvolvimento de negócios em Portugal.
Em alguma área?
Em várias. Sendo o Qatar, em áreas energéticas, imobiliário, os suspeitos do costume, turismo, nada de inesperado. São áreas em que o Qatar tem interesse específico e valor a adicionar e em que Portugal compara positivamente com outras alternativas. Pelo que ouvimos falar, vêm passar férias a Portugal, gostam do país. Dizem que é um país simpático e agradável.
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Melhoria do rating de Portugal? “Nunca em menos de 12 meses”
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