Jorge Rodriguez-Valez, vice-presidente sénior da estratégia de crédito, não antecipa uma recessão ao virar da esquina, mas vê riscos crescentes que poderão fazer aumentar os incumprimentos.
A desaceleração económica é certa, mas a Moody’s não vê uma recessão no horizonte. Em entrevista ao ECO, Jorge Rodriguez-Valez, vice-presidente sénior de estratégia de crédito, explicou que a agência de notação financeira antecipa um aumento da taxa de incumprimento dos emitentes ainda este ano. Sublinhou que está a acompanhar o indicador, que — caso seja generalizado — poderá sinalizar a chegada de uma recessão.
Apesar de o outlook ainda ser positivo a curto prazo, o responsável pela estratégia de crédito alerta para o crescimento dos riscos, com o elevado endividamento público e privado a liderar a lista. O retalho, os serviços ao consumidor e os media são os setores empresariais mais vulneráveis à desaceleração económica, segundo afirmou Rodriguez-Valez, que esteve em Lisboa para o encontro anual da Moody’s.
Como avalia o atual quadro de endividamento público e privado?
As informações que temos apontam para uma situação em que os níveis de crédito em incumprimento têm sido muito baixos por um período muito longo. Globalmente, estamos a falar de apenas 2% de todos os emitentes no último ano. É um número bastante forte e é algo muito positivo. Na Europa, por exemplo, é ainda menor. É uma notícia relativamente boa porque tivemos uma expansão muito longa e as perdas para os investidores foram muito baixas.
Mas vemos alguns dos riscos na situação atual. Há sinais que vemos que antecipamos que afetem a próxima recessão. Estamos num longo período de crescimento global e começamos a ver uma potencial mudança no ciclo. Acreditamos que o pico do ciclo de crédito pode já ter passado e, na verdade, prevemos que a taxa de incumprimento comece a aumentar até ao final deste ano. A taxa global é de cerca de 2% e esperamos que aumente para cerca de 3%. Ainda é relativamente baixo e ainda é um nível relativamente bom em comparação com situações do passado, mas aponta para uma mudança no ciclo.
Quais são as principais causas dessa mudança no ciclo?
Há vários fatores. O primeiro é que o ciclo económico tem sido longo e agora está prestes a mudar. Há alguns sinais que mostram que o ciclo económico está a começar a entrar num território onde a expansão já não é provável. E, como consequência, os defaults podem estar prestes a mudar. No nosso caso, estamos particularmente preocupados com o facto de um número significativo de emitentes que vão ao mercado à procura de investidores estão classificados nos níveis mais baixos da nossa escala de rating. Dá alguns sinais sobre a qualidade de crédito desse papel no mercado. É algo que nos preocupa e que estamos a destacar como um risco potencial para a próxima recessão.
Existem outras vulnerabilidades. Por exemplo, a dívida é definitivamente uma das diferenças em comparação com outras desacelerações. É verdade que, em alguns países, a dívida — de empresas, famílias e soberanos — tem-se reduzido em vários anos, mas essa tendência não é generalizada. Estamos prestes a enfrentar uma nova mudança no ciclo, onde a desaceleração é provável e não estamos numa posição tão forte como antes da crise financeira global. Os níveis de endividamento são muito elevados e, como consequência, a capacidade dos consumidores, empresas e governos suportarem esse tipo de desaceleração está muito mais reduzida. Essa é uma das vulnerabilidades particularmente na Europa.
Os decisores políticos têm as ferramentas necessárias para lidar com esse problema?
A capacidade dos decisores políticos para neutralizarem ou tentarem resistir a essa tendência é um pouco mais limitada. Do lado orçamental, mesmo que a situação esteja a melhorar, não estamos numa posição particularmente boa. Os níveis de dívida ainda são muito altos. Em muitos países, quando o ciclo mudar, é provável que os défices aumentem e, como consequência orçamental, os governos não terão tanta capacidade de enfrentar uma desaceleração.
Outra coisa é a política monetária. Consideramos que a política monetária tem um espaço limitado para ajudar a resistir a uma desaceleração da economia. A primeira razão é por estarmos num ambiente de taxas de juros muito baixas e, como consequência, o espaço para cortes extras é muito mais limitado. E segundo porque, apesar de os bancos terem embarcado no quantitative easing (QE) e em novas rondas de expansão quantitativa, a verdade é que a cada ronda de QE, lançada pelos bancos centrais, os retornos são mais reduzidos. Houve alguns efeitos positivos, mas foram sendo cada vez menores.
Considera que as consequências negativas do QE para os bancos são maiores do que os resultados positivos?
Não sou analista do setor bancário, mas temos algumas análises sobre isso e, em geral, consideramos que o QE e os cortes nas taxas de juro afetaram os lucros dos bancos porque, naturalmente, as margens dos bancos beneficiam de taxas de juros relativamente mais altas. Mas, ao mesmo tempo, enquanto as taxas de juros estão altas, os detentores de empréstimos são penalizados. Portanto, há um equilíbrio entre ambos fatores. Acreditamos que as rondas de QE e as ações dos bancos centrais têm sido positivas para os bancos. A intervenção dos bancos centrais também ajuda a conter o risco de os devedores entrarem em default.
Consideramos que o QE e os cortes nas taxas de juro afetaram os lucros dos bancos. Mas, ao mesmo tempo, enquanto as taxas de juros estão altas, os devedores de empréstimos são penalizados. Há um equilíbrio.
É possível que o BCE tenha perdido o momento certo para começar a inverter a política monetária?
Não diria isso. Obviamente, a situação na Europa e nos EUA é muito diferente. Os mandatos dos bancos centrais são muito diferentes. O mandato do BCE é muito claro — a inflação –, enquanto a Reserva Federal norte-americana (Fed) tem um mandato duplo, que é a inflação e o pleno emprego. Naturalmente, estão a controlar estas questões, mas não queria comentar o que deveriam ter feito… Globalmente, os bancos seguiram esse esforço para impulsionar a economia durante o pior momento da recessão e tiveram sucesso ao fazê-lo.
Além de bancos, que setores vê com maior risco?
Destacamos setores que provavelmente serão mais afetados pela mudança no ciclo. Por exemplo, o retalho, os serviços ao consumidor e os media são três setores que serão mais afetados. A forma como essa mudança no ciclo afeta diferentes setores depende de muitas questões. Alguns serão afetados pela mudança normal no ciclo, enquanto outros estão a enfrentar mudanças estruturais. Existem setores que estão a passar por disrupções tecnológicas, como é o caso do retalho, que vai ser muito prejudicado. Além disso, o nível de endividamento de alguns setores é alarmante.
Como é que Portugal se encaixa neste cenário global?
Estas são as tendências globais e pode haver características específicas de alguns países, mas em termos de tendências globais é isso. Na Europa, temos alguns problemas específicos que, por exemplo, nos EUA, não existem e um deles é que o potencial de crescimento é muito mais forte nos EUA. Não é nada de novo. É um fator conhecido, mas é algo que introduz uma característica de interesse significativo na evolução da Europa, que acaba de passar por uma crise idiossincrática e cujos efeitos ainda são sentidos. Nos EUA, não houve uma crise do euro, portanto o ponto de partida é muito melhor.
Estes problemas são sinais de uma recessão?
A principal mensagem é que as taxas de incumprimento estão a começar a aumentar, com diferença entre setores. Além disso, a recuperação para os investidores provavelmente será menor na próxima mudança. Tudo somado, vemos desenvolvimentos positivos no curto prazo, mas alguns riscos ocultos no horizonte e com repercussões prováveis. As taxas de incumprimento são um indicador importante porque começam a aumentar antes de a economia começar a cair. Esse foi o caso na crise financeira global. As taxas de incumprimento começaram a aumentar no início de 2008, e não na recessão. Até certo ponto, é um indicador importante. O que é preciso analisar é se está restrito a um setor, como no caso do petróleo e do gás em 2006. Na altura, não estava a sinalizar uma recessão. Agora estamos na mesma situação e a acompanhar a evolução porque é um indicador importante para identificar o ponto de viragem no ciclo, que acreditamos estar prestes a acontecer.
Quando esperam uma recessão?
É muito difícil de dizer… No nosso cenário base, não vemos uma recessão a acontecer proximamente. Há riscos que se vão acumulando e, naturalmente, vemos uma desaceleração económica global em 2020. Se os (muitos) riscos se concretizarem, poderão levar a uma desaceleração mais acentuada. Para nós, é impossível dizer o momento em que vai acontecer a próxima recessão.
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Moody’s: “Capacidade dos consumidores, empresas e governos suportarem a desaceleração é muito reduzida”
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