“Muitas empresas portuguesas terão dificuldades quando pagarem 5% ou 6% de taxa de juro”

Bruno Moura Ferreira, responsável pela Investigação Macroeconómica da seguradora de crédito Coface apresentou as suas previsões económicas para o Mundo e alerta empresas e bancos em Portugal.

 

Bruno Moura Ferreira, Head of Marcoeconomic Research da Coface: “A desdolarização da economia mundial é uma tendência que não podemos subestimar, mas ainda falta muito para que seja maioritária”.

A economia mundial vai crescer 2,2% em 2024 prevê a Coface, seguradora de crédito que está presente em 162 países onde tem 50 mil clientes e 700 mil milhões de euros de exposição ao risco de não pagamento de faturas por parte de clientes dos seus clientes. Também presente em Portugal, onde emitiu prémios de mais de 11,6 milhões de euros no ano passado, a Coface realizou em Paris a sua conferência anual sobre o Risco País, com 1.500 pessoas presentes ou online.

A sua equipa de economistas-chefe abordou todas as regiões do mundo, as suas perspetivas geopolíticas e económicas e os seus reflexos nos negócios globais. Bernard Wa, falou sobre a situação da Ásia, Arani Chadhuri sobre África, Seltem Lyigun tratou o Médio Oriente e a brasileira Patrícia Krause deu perspetivas sobre América Latina incluindo a sobre a incógnita económica da Argentina. A equipa é chefiada por máximo responsável pela Investigação Macroeconómica da Coface, o francês Bruno Moura Fernandes, com família originária de Montalegre. Foi em português que, à margem da Conferência, concedeu uma entrevista exclusiva a ECOseguros.

Em relação a previsões para o crescimento da economia mundial em 2024 a Coface fala em 2,2%…

É um crescimento de 2,2% em 2024, depois de 2,6% em 2023, claramente um abrandamento. Não há recessão logo não está tão mal quando comparamos com as perspetivas com pandemia e guerra na Ucrânia. Podia estar pior, mas está claramente em crescimento lento e isso deve-se principalmente às economias avançadas. Por exemplo, pensamos que Estados Unidos vão abrandar porque em 2023 tiveram muito bom desempenho. Depois também é a China que no ano passado teve um crescimento de 5,2% e este ano vai ser 4,3%. Temos claramente um abrandamento nos dois maiores PIB do mundo. Na Europa é o investimento que vai ficar lento. Depois, os países emergentes podem acelerar ou continuar a apoiar a atividade, mas não o suficiente para realmente levar a uma aceleração do crescimento mundial.

O mapa risco país da Coface para 2024. Do verde, melhor, para o castanho, pior. Portugal é A3, o limite mínimo do positivo.

Ouvindo toda a equipa de economistas da Coface em todos os continentes, o comportamento económico e político da China estava sempre presente como condicionador das suas análises. A China tornou-se elemento crucial para todos os continentes?

É verdade e muitos países deram-se conta que era perigoso depender muito da China. Vimos isso na pandemia, tínhamos que importar todos produtos farmacêuticos, não tínhamos máscaras, mas o facto é que as empresas não conseguem realmente sair totalmente de China. Apenas podem diversificar e investir também noutros países para além da China que é a fábrica do mundo. As empresas que produzem lá, não podem sair por que não encontram infraestruturas como na China.

A Índia foi vista como promessa de ser uma alternativa à china. Está muito atrasada?

A Índia ainda não tem as infraestruturas para a indústria que tem a China em que tudo foi pensado para realmente ser a fábrica do mundo. Na Índia não é assim. É verdade que estão a investir muito em autoestradas e em ferrovia o que não aconteceu quase 70 anos depois da independência. Têm o problema da burocracia e na Índia não falam todos a mesma língua, como acontece na China, o que torna tudo mais difícil. Não é uma alternativa realmente total, mas tem muitas vantagens: Tem uma população enorme, um mercado enorme que investe muito e bem, e está a melhorar a estabilidade política e económica, com Modi a ser o grande favorito para ser reeleito novamente. No final, temos um panorama muito positivo para a Índia, mas claramente ainda há desafios. Não é uma alternativa sólida à China, pelo menos não para por todas as indústrias.

Quando fala em burocracia, é a burocracia “burra” ou corrupção? Como está o mundo nesse aspeto?

Não temos dados sobre isso. A Índia não está muito penalizada no Transparency Index, para nós é realmente é difícil falar de corrupção na Índia. Tem muita burocracia, tal como o Brasil. Por exemplo, para se ter uma licença, para fazer alguma coisa, são precisas várias pessoas, várias semanas. Há muito controlo e é por isso que falamos mais da burocracia.

Os Economistas chefes por regiões: Bernard Wa, Arani Chadhuri, Seltem Lyigun e Patrícia Krause, em debate moderado por Bruno Moura Ferreira.

A desdolarização de economias está a avançar? Os BRICS criarem uma moeda, parece ser uma teimosia só do Lula…

Para já está difícil. Nem todos estavam nessa posição. Muitos países querem um mundo mais multipolar, mas depois querem perceber o que fazer exatamente. Obviamente, a Índia não quer estar por debaixo agora da China. Não é uma moeda que convém bem a eles. Não têm como acordar em dólar para depois continuarem no yuan. Cada um tem os seus interesses e por isso é difícil realmente fazer uma moeda única alternativa ao dólar. Vemos acontecer em algumas regiões como na Ásia porque entre Vietname e China, porque pagar em dólar? Em África temos alguns países que, obviamente, como tem muito comércio com a China, também estão a aderir aos poucos. Nos países do Golfo também, a China já está a pagar uma parte das importações de energia em yuan. É uma tendência que não podemos subestimar, mas ainda falta muito para que seja maioritário. Não é para já.

E neste processo o que aconteceu ao euro?

Foi a segunda moeda durante muito tempo e ainda é em quase tudo, mas a verdade é que aquela ambição de ser líder, de fazer mais que o dólar, já não parece possível. Em quase todos os indicadores que eu que eu vi, o euro está em 20% ou 30% do total e a tendência foi de subir um pouco ao princípio, mas depois ficou por ali. Agora é mais dólar, o euro, e provavelmente serão mais duas moedas, o yuan e alguma das moedas emergentes.

Em Portugal o que é que se espera?

Este ano o crescimento foi muito bom. Em 2023, é verdade, ainda o último trimestre, tivemos uma aceleração da atividade e estamos a ver claramente aumento do consumo das famílias, a taxa de desemprego baixou mas é muito muito, provável que vá abrandar….

Está a pensar no turismo…

Sim, mais pelo ritmo. Isso não quer dizer que vai cair o turismo, mas o crescimento do turismo não vai continuar assim durante muito mais anos. Está a crescer porque até hoje houve oferta, mas agora a difícil continuar a crescer assim tão rápido. Sim, Portugal está na moda e é uma tendência que não se vai reverter. Pensarmos que o turismo em Portugal vai continuar muito alto, mas já não em crescimento acelerado.

E como será para as empresas portuguesas?

Vão ser impactadas por taxas de juros altas quando tiverem de se refinanciar novamente. Agora, em todos os países europeus, o investimento das empresas é o único que está a cair, porque os salários estão a subir um pouco mais rápido do que a inflação. Também estamos a ver o investimento cair porque o crédito está a diminuir. Por isso eu diria que temos esperar de um abrandamento na economia portuguesa, embora em crescimento positivo, enquanto houver turismo e os salários continuarem a crescer.

Chama a atenção para aumento do crédito malparado. Pode haver aí uma ameaça aos bancos portugueses?

Sim, as taxas de juros eram muito baixas. E sabemos que há em Portugal muitas empresas com créditos com taxa mista ou variável. Acho que é mais de 80% segundo um estudo do Banco de Portugal. Por isso é muito provável que as empresas, quando têm que financiar novamente ou quando termina o período de taxas fixas, terão momentos de dificuldade e as margens vão diminuir. É o provável por que tiveram ajudas durante a Covid e durante a crise energética. Agora algumas, as menos produtivas, terão dificuldades, quando tiverem de que pagar 5% ou 6% de taxa de juro para não caírem.

Uma das grandes conclusões da conferência é de que se tornou inútil fazer previsões a longo prazo?

O mundo geopolítico está a caminhar uma recomposição do mundo dos emergentes e por isso é muito difícil já ter previsões a um ano, dois, três, quando mais 20 anos. É muito difícil saber até quando falamos de países emergentes. Não sabemos onde a Índia vai chegar. Só temos Singapura como referência. É provável que essa seja uma potência no prelo, porque está a investir muito. Há muito tempo dizíamos que com os BRICS, a África do Sul ia ser um grande vencedor. E afinal não, não se tornou naquela grande economia. Veja o Brasil em 2011. O Brasil ia ser a nova China e isso vai ser incrível. Teve anos muito difíceis, uns cinco, seis anos muito difíceis… Por isso, as previsões a 20 anos acabaram.

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