“Não queremos ser uma empresa em que a grande maioria das pessoas trabalha remotamente”, diz administradora da Vodafone

Há 30 anos nascia a hoje conhecida como Vodafone Portugal. Luísa Pestana, administradora com o pelouro dos RH, fala sobre os atuais desafios da operadora onde trabalham 1.400 pessoas.

Há trinta anos duas torres ligaram-se para a primeira chamada de telecomunicações móveis da operadora conhecida hoje como Vodafone Portugal. Três décadas depois, com uma pandemia pelo meio, muito mudou na forma como a operadora trabalha e nos desafios que enfrenta. Há mais de um ano que para os 1.400 colaboradores vigora um modelo híbrido de trabalho e não há intenção de um regresso mandatório ao escritório.

“A virtude está no meio termo. Esta flexibilidade, que as pessoas nos disseram valorizar, faz sentido. A empresa não perde muito com isso, desde que se garanta que as equipas e as chefias asseguram a manutenção desta conexão entre as equipas”, diz Luísa Pestana, administradora da Vodafone Portugal com o pelouro dos recursos humanos, infraestruturas, operações de clientes e responsabilidade social.

A escassez de talento, a semana de quatro dias – “não tem havido essa solicitação” –, as mudanças e os desafios das lideranças perante os novos modelos de organização do trabalho são alguns dos temas abordados numa conversa com a líder de Pessoas da Vodafone Portugal que, admite, que a inflação – e o seu impacto nos rendimentos dos colaboradores – está sob a atenção da companhia no que toca a decisões para 2023.

Regressaram há mais de um ano ao escritório em modelo híbrido. Perante a crise energética, o Governo recomenda a adoção de teletrabalho. O que conta fazer a Vodafone?

O nosso modelo é muito leve, muito flexível e exige, nesta fase, um mínimo de presenças no escritório: dá uma indicação de, em média, oito ou dez dias por mês no escritório, em média, duas vezes por semana. A dinâmica de trabalho, de cada uma das equipas e cada chefia com a sua equipa, é que determina qual o modelo a cada momento. Estamos a aprender e o que temos visto é que as próprias equipas ao longo destes 12 meses não usam a mesma modalidade, têm vindo a experimentar coisas diferentes.

Esta recomendação de teletrabalho, se houver uma obrigação de fazer como na época da pandemia mesmo, claro que seguiremos, mas é muito saudável para as equipas uma parte do tempo ser presencial, porque são dias de discussão, das reuniões de equipa, em que há conversas da avaliação, de mentoring com as equipas, de alguma formação que seja necessário ser presencial.

Há muita flexibilidade e, de facto, a maior parte do tempo já é feito a trabalhar remotamente. Acreditamos que este é o modelo que é bom, e é bom para todos. Para a empresa e porque os colaboradores, de facto, passaram muito a valorizar a flexibilidade com a sua vida pessoal. Não acho que se vá fazer grandes modificações, a não ser que seja algo mais mandatório. Mesmo, as pessoas vêm muito valor em alguns dias estar no escritório.

Hoje tudo funciona lindamente porque havia laços muito fortes entre as pessoas na Vodafone que não quebraram por esta distância física, mas com o refresh da organização, com a entrada de pessoas novas, se não estabelecemos esses laços, as relações passam a ser mais transacionais. Se a rotação das pessoas for maior, se a ligação entre as pessoas, entre as equipas, se quebrar, pode ter a certeza que não vai ser a mesma coisa daqui a um ano ou dois.

Um estudo da Microsoft fala da paranoia da produtividade e revelava visões muito distintas entre talento e empresas: 87% dos dos colaboradores admitiam ser mais produtivos remotamente e 85% das lideranças tinham dificuldades na avaliação da produtividade nestes modelos híbridos. Face à vossa experiência, estamos a falar de quebras de produtividade ou mais da dificuldade das lideranças em gerir pessoas nestes novos modelos?

Percebo os dois lados. As pessoas, realmente, e nós sentimos isso, não foram menos produtivas na pandemia. Havia um foco grande na entrega, fizemos várias alterações no ciclo de estabelecimento de objetivos – antigamente eram estabelecidos de forma anual e passaram a ser trimestrais – para nos focar realmente a gerir pelo output e não pelo tempo em que as pessoas deixaram de estar no escritório, mas estavam ligadas online.

Temos de gerir com base na confiança, não preciso de estar a ver para acreditar que a pessoa está a trabalhar. De facto, a grande maioria dos trabalhadores diz isso, que trabalhou muito mais, muito focado. E, de facto, os objetivos do plano do ano foram superados, as pessoas realmente corresponderam.

Temos que distinguir duas coisas. Um é o curto prazo. No dia a dia, se não for interrompido, se não tiver deslocações para os escritórios, consigo fazer muito mais coisas. Mas como responsável das pessoas preocupo-me também com aquilo que a empresa vai ser a médio prazo. Hoje tudo funciona lindamente porque havia laços muito fortes entre as pessoas na Vodafone que não quebraram por esta distância física, mas com o refresh da organização, com a entrada de pessoas novas, se não estabelecemos esses laços, as relações passam a ser mais transacionais.

Se a rotação das pessoas for maior, se a ligação entre as pessoas, entre as equipas, se quebrar, pode ter a certeza que não vai ser a mesma coisa daqui a um ano ou dois. Temos que nos preocupar com o equilíbrio pessoal, profissional dos colaboradores, com a satisfação deles com a empresa, e parte disso é investir tempo nos relacionamentos. Cada um pode sentir que é menos produtivo nos dias que vai ao escritório, que é mais mais interrompido, mas no global, ganhamos.

As chefias pensam na dificuldade da avaliação, porque a grande maioria talvez ainda não tenha feito o salto completo. Em que tem de avaliar pelo output, pela produção das equipas e não tanto por as ver ou saber que estão do outro lado do ecrã. A gestão do dia a dia das equipas é mais complexa. E isso sente-se. As chefias também passaram por tempos muito complexos durante o trabalho remoto e agora é-lhes exigido que organizem o trabalho e as dinâmicas de equipa de forma diferente. Esse equilíbrio ainda não se encontrou.

No setor tech, o teletrabalho já não é um benefício, é uma commodity. As pessoas exigem isso.

Nalgumas áreas, por exemplo, em novos recrutamentos estão disponíveis para ir à empresa quando é preciso para alguma coisa, mas com aquela cadência (do passado) não. Ainda não enveredamos muito por esse caminho. Não queremos ser uma empresa em que a grande maioria das pessoas trabalha remotamente. Acreditamos que a interação pessoal, a dinâmica das equipas, o estarmos juntos faz a diferença. Acreditamos que o caminho é um caminho de flexibilidade e em que essa flexibilidade é debatida em equipa. Percebo o que diz, mas ainda não estamos preparados para esse caminho.

O mercado abriu e temos muitas pessoas a trabalhar para outras geografias, outras empresas que têm sede fora de Portugal. Estamos a concorrer com mais empresas do que antes quando o modelo de trabalho era diferente. Há, de facto, uma escassez de recursos. Não é só nas áreas de tecnologia, em várias áreas, porque os técnicos portugueses são ótimos profissionais e são procurados por múltiplas geografias. Isso sim traz dificuldades acrescidas no recrutamento.

Mas tendo conta o posicionamento que refere das gerações mais jovens, até que ponto esse refrescamento das equipas não se torna mais difícil?

Temos equipas de developers que tipicamente valorizam o trabalho remoto, estarem mais sossegados a produzir. Hoje, essas equipas veem muito valor, em dias específicos, estarem todos na empresa, onde podem trocar impressões com equipas de produto, com as áreas de marketing etc. Por isso, se em alguns perfis pensávamos que seria um um bicho-de-sete-cabeças, até agora não temos visto uma dificuldade acrescida.

Há uma dificuldade geral, maior no recrutamento que havia antes da pandemia, mas não será só por esse fator. A questão é que, de facto, o mercado abriu e temos muitas pessoas a trabalhar para outras geografias, outras empresas com sede fora de Portugal. Estamos a concorrer com mais empresas do que antes quando o modelo de trabalho era diferente. Há, de facto, uma escassez de recursos. Não é só nas áreas de tecnologia, em várias áreas, porque os técnicos portugueses são ótimos profissionais e são procurados por múltiplas geografias. Isso sim traz dificuldades acrescidas no recrutamento.

A Vodafone atraiu vários centros de excelência do grupo para Portugal…

E continuam por cá. Mas enfrentamos agora uma concorrência acrescida e o tempo dirá como é que as coisas se vão desenrolar. Mesmo em áreas não tradicionais, onde costuma haver mais recursos, como financeira, recursos humanos, hoje em dia há uma escassez de talento.

Voltando aos centros. Na altura do concurso 5G, a casa mãe da Vodafone alertou que os termos do concurso podiam levar a que não fosse feito um investimento no país, nomeadamente num centro de I&D de 5G. Essa situação alterou-se ou este novo contexto não ajuda a que Portugal consiga atrair novos…

Esta escassez é global. Continuamos a manter aqui alguns centros, na área de redes e de televisão, mas agora há mais dificuldade em atrair talento nessas áreas. Mas tem a ver com esta conjuntura em que a oferta passa a ser global. As pessoas agora começam a pensar duas vezes quando lhes aparece uma proposta de outra geografia, de outra empresa, se puderem trabalhar a partir da sua casa… Isso traz às nossas empresas dificuldades acrescidas na retenção do talento.

A Vodafone (é) vista como uma escola. As outras empresas estão dispostas a pagar um preço muito significativo por um bom recurso da Vodafone. São os recursos com muita qualidade e com muita experiência e, por isso, tem a possibilidade, se calhar, de desempenhar funções mais alargadas ou com maior responsabilidade.

E com salários também a aumentar. Grandes empresas dizem sentir dificuldades em acompanhar ofertas salariais vindas de outros mercados, como Reino Unido, Estados Unidos ou Alemanha. Também sentem isso?

Sentimos uma dificuldade acrescida na retenção de pessoas. Ou seja, se compararmos o número de pessoas que sai da empresa de forma voluntária hoje versus antes da pandemia, a situação é um pouco pior. A Vodafone é uma empresa com uma cultura muito forte, à qual os colaboradores estão muito ligados, valorizam o ambiente de trabalho, a aprendizagem constante, a aposta que fazemos nas pessoas. Pesa muito, mas nem sempre é o suficiente para contrabalançar com as vezes outra oferta.

Ainda temos uma grande fatia de pessoas que está cá há muitos, muitos anos, cresceu cá e sente-se bem a trabalhar aqui. Antigamente via mais as gerações mais novas, mais irrequietas, a procurar novos desafios, queriam fazer uma progressão e a mudança de empresa e o ganho de experiência era valorizado. Hoje em dia vejo algumas pessoas, com uma carreira de alguns anos, com vontade de mudar. É diferente de há cinco anos.

Efeito pandemia? A crise sanitária levou muitas pessoas a repensar o seu propósito.

Isso, mas também o facto de a Vodafone ser vista como uma escola. As outras empresas estão dispostas a pagar um preço muito significativo por um bom recurso da Vodafone. São recursos com muita qualidade e com muita experiência e, por isso, tem a possibilidade, se calhar, de desempenhar funções mais alargadas ou com maior responsabilidade.

Disse que a rotatividade de pessoas aumentou.

Não são valores preocupantes. Estamos a falar abaixo dos dois dígitos. Mas, tradicionalmente, na Vodafone era bastante abaixo.

No Reino Unido, a meio do piloto da semana de quatro dias, mais de metade das empresas diz que vai manter modelo. Em Portugal vai arrancar um piloto. É um modelo que para vocês faz sentido?

Na empresa já temos um modelo há vários anos e não é muito popular, no sentido em que as pessoas não aderiram. Tem várias modalidades, mas é a possibilidade de trabalhar menos horas, com uma repercussão salarial. De uma forma massiva devo dizer que não houve adesão. O número de colaboradores que temos face à complexidade do nosso negócio, e ao que temos que entregar, não é muito. Somos uma empresa muito eficiente em termos de recursos. Não tem havido essa solicitação.

A responsabilidade de chefia também é diferente, não é o controlador do trabalho, é o garante que o output é maximizado para aquilo que é o plano, os desafios. E tem que estar muito mais atento às pessoas, porque não as vê todos os dias, porque tem de perceber se estão bem; se a dinâmica de relacionamento entre a sua equipa e as outras equipas, de quem depende, está a ser endereçada. E esse papel, que já diferente do que era há cinco anos, vai ser ainda mais.

Temos assistido, sobretudo nos Estados Unidos, a grandes empresas, que tinham implementado teletrabalho, a fazer o regresso mandatório ao presencial.

A virtude está no meio termo. Esta flexibilidade, que as pessoas nos disseram valorizar, faz sentido. A empresa não perde muito com isso, desde que se garanta que as equipas e as chefias asseguram a manutenção desta conexão entre as equipas.

Uma coisa é a flexibilidade e a outra é a responsabilização. Posso fazer uma política que diz que todos os meses há um team building. Mas faz sentido isso ser por decreto? Não. Cada chefia é responsável, tem maturidade e tem que perceber com a equipa o que faz sentido fazer.

A responsabilidade de chefia também é diferente, não é o controlador do trabalho, é o garante que o output é maximizado para aquilo que é o plano, os desafios. E tem que estar muito mais atento às pessoas, porque não as vê todos os dias, porque tem de perceber se estão bem; se a dinâmica de relacionamento entre a sua equipa e as outras equipas, de quem depende, está a ser endereçada. E esse papel, que já é diferente do que era há cinco anos, vai ser ainda mais.

Claro que vamos ter um desafio, porque estamos a integrar pessoas novas, com competências diferentes. E daqui a cinco anos a percentagem desses novos é muito maior do que é hoje. Tenho que garantir que esta cultura de coesão não se perde. Agora não acredito que fosse conseguir isto, forçando toda a gente a voltar. Temos é, em termos de Vodafone, criar mais momentos presenciais do que tínhamos no passado.

Por exemplo, as reuniões com a liderança, com todos os colaboradores, terem contornos diferentes, os momentos de celebração. Por exemplo, a festa que fizemos (a 18 de outubro) dos 30 anos Vodafone, onde convidamos todos os colaboradores que estiveram na empresa há mais de cinco anos. No regresso em setembro, há um ano, a primeira semana em que regressaram, fizemos todos os dias um sunset party com música, bebidas, comida E, para muitos novos colaboradores, que nunca tínhamos visto presencialmente, foi a primeira vez. A felicidade que foi.

Estes momentos presenciais têm de ser requacionados, têm de ser diferentes. É com isso que temos que reequilibrar e não com o regresso mandatório. Se calhar, essas empresas em que estiveram remotamente tanto tempo, sentem que as relações humanas se tornaram mais transacionais.

Estes níveis de inflação são diferentes dos do passado. Vamos olhar para esse tema de forma muito séria e fazer essa comunicação aos colaboradores quando chegar o tempo. Mas são valores (de inflação) expressivos, não pode ser igual aos anos anteriores.

Para 2023, espera-se que a inflação se mantenha com níveis elevados. Como estão a preparar o próximo ano?

Está a ser feita a análise sobre isso. Na Vodafone os aumentos salariais têm em conta as competências das pessoas, o trabalho que fazem. Relativamente ao salário base e à compensação, é feita tendo em conta valores de mercado das funções e a carreira da pessoa. Agora, estes níveis de inflação são diferentes dos do passado. Vamos olhar para esse tema de forma muito séria e fazer essa comunicação aos colaboradores quando chegar o tempo. Mas são valores (de inflação) expressivos, não pode ser igual aos anos anteriores.

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