“Novo programa de formação visa capacitar dirigentes da Administração Pública para aproveitarem Inteligência Artificial”

Novo programa de formação junta INA à Microsoft e seis instituições de ensino superior e visa fazer com dirigentes públicos entendam como usar Inteligência Artificial para melhor servir cidadãos.

A atração e retenção de talento não é um desafio apenas para os empregadores do privado. E não é apenas nesse setor que a formação pode dar um contributo importante para conseguir os melhores trabalhadores. Também no Estado a oferta formativa pode motivar a retenção, considera Miguel Agrochão, vogal do Instituto Nacional de Administração (INA) – organismo responsável por dar formação aos funcionários públicos – e presidente do consórcio responsável pelo novo programa executivo de formação em Inteligência Artificial para a Administração Pública.

Em entrevista ao ECO, o responsável começa por explicar como esse novo programa, que se destina aos dirigentes públicos, resulta de uma parceria entre o INA, a Microsoft e seis das mais prestigiadas instituições de ensino superior portuguesas: o Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade de Lisboa (ISEG), a Porto Business School, o Instituto Superior Técnico, a Information Management School da Universidade Nova de Lisboa, o Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE) e a Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.

É um elo “inédito“, nas palavras de Miguel Agrochão, que permite juntar o que se faz de melhor na academia, com o que melhor se faz no terreno.

Em concreto, o novo programa – que arrancou esta segunda-feira, dia 6 de novembro, e prolonga-se por três meses – pretende fazer com que os dirigentes públicos percebam “de que forma é que a Inteligência Artificial pode ser utilizada para aquilo que é a sua missão fundamental, que é servir melhor os cidadãos“.

E desengane-se quem acha que a idade média avançada dos quadros do Estado pode prejudicar a adoção destas tecnologias, garante o responsável. A experiência pode ser até um trunfo, atira.

A Inteligência Artificial tem gerado debate, especialmente no último ano. Que impacto pode ter essa tecnologia na Administração Pública, tanto a nível de benefícios como de desvantagens?

A transição digital é um dos elementos transformacionais em curso em Portugal, e na Europa. As vantagens têm que ver com o potencial de explorar dados e informação e de acelerar um conjunto de atividades tipicamente morosas. Isto é verdade também na Administração Pública. Creio que o principal desafio é preparar a Administração Pública para conseguir assumir o seu papel neste processo de transformação.

Isso pressupõe capacitar os seus dirigentes e os seus técnicos aos diferentes níveis de intervenção. Interessa que a Administração Pública compreenda de que forma é que a Inteligência Artificial pode ser utilizada para aquilo que é a sua missão fundamental, que é servir melhor os cidadãos. Já temos alguns casos de aplicação na Administração Pública, como a interação no âmbito da chave móvel digital.

Entende que a Administração Pública pode, então, dar o exemplo em termos de aproveitamento dos benefícios dessa tecnologia, e não perder o comboio?

Sim, creio que o Estado tem capacidade instalada e tem massa humana e crítica para liderar um processo. Não digo isto de uma forma não concorrencial. Não se trata de o Estado conseguir fazer melhor do que o privado. O Estado não pode é ficar para trás. Creio que tem capacidade para o fazer, e estamos a criar as condições para que essa capacidade seja orientada e aproveitada.

Em vez de estarmos quase que em concorrência com as instituições de ensino superior, desafiamos as entidades que tinham também o protocolo com a Microsoft a virem a jogo connosco e a construirmos uma oferta, aproveitando a experiência que eles já têm, mas orientada para a realidade da Administração Pública.

Miguel Agrochão

Vogal do INA

Diz que o Estado não pode ficar para trás. Está a arrancar agora um novo programa executivo de formação em Inteligência Artificial para a Administração Pública. Como surgiu a ideia de fazer este programa formativo?

Em 2020, foi feito um protocolo entre a Microsoft e o Governo de Portugal para acelerar o processo de transição digital. Um dos elementos de maior destaque desse entendimento foi a capacitação da sociedade civil e da Administração Pública nas áreas do digital. Houve um programa base, que foi desenhado pela Microsoft com o INSEAD. O que a Microsoft já vinha fazendo era ceder os conteúdos a várias instituições de ensino superior.

O INA, não sendo uma instituição de ensino superior, é uma instituição de capacitação. Portanto, assinou um protocolo semelhante. Mas no processo de operacionalização, em vez de estarmos quase que em concorrência com as instituições de ensino superior, desafiamos as entidades que tinham também este protocolo a virem a jogo connosco e a construirmos uma oferta, aproveitando a experiência que eles já têm, mas orientada para a realidade da Administração Pública.

É, portanto, um programa executivo que junta o INA a seis instituições de ensino superior. Como vai decorrer? Quais são os tópicos a abordar?

Vai decorrer online, até para garantir uma resposta geograficamente dispersa. Desafiamos cada uma das seis instituições a posicionarem-se na área onde estavam mais confortáveis, onde sentiam que a sua expertise podia ser mais bem aproveitada. Esta oferta é para decisores, para a área de gestão. Não é uma formação eminentemente técnica.

É uma formação sobretudo desenhada para compreender como é que desenhamos uma estratégia de Inteligência Artificial nas nossas organizações, como é que se constrói uma cultura orientada para aproveitar a Inteligência Artificial, e como é que cuidamos do tema da responsabilidade e da ética digital.

O objetivo é, sobretudo, capacitar os líderes da Administração Pública para compreenderem de que forma é que, no seu quotidiano, no quadro das suas missões e atribuições, podem aproveitar esta oportunidade.

Miguel Agrochão, Vogal do INA e Presidente do Consórcio IP-AP, em entrevista ao ECO - 03NOV23
Miguel Agrochão, Vogal do INA e Presidente do Consórcio IP-AP, em entrevista ao ECO Hugo Amaral/ECO

Não é um programa aberto a todos, mas, antes, destinado em particular aos dirigentes. Quantos se candidataram? E quantos vão participar?

A primeira edição destina-se a 40 formandos. Nos primeiros três dias, tínhamos o curso preenchido e estamos, neste momento, a calendarizar as próximas três edições. Tivemos uma adesão muito significativa a este programa, sendo que mais de metade dos candidatos são dirigentes superiores e intermédios da Administração Pública. Creio que mostra bem a relevância do tema e a oportunidade do momento. É o reconhecimento dos próprios dirigentes da Administração Pública da importância de se prepararem para esta transformação.

Há uma outra dimensão que é inegável: conseguimos federar as instituições de referência quer na área das escolas de negócio, quer na área da tecnologia. É inédito. A experiência destas instituições não era focada no setor público. Estamos muito orgulhosos do caminho que fizemos para que o programa seja adaptado à realidade da Administração Pública. Acreditamos muito no potencial transformador desta oferta para alavancar a Administração Pública em matéria digital.

Fala-se muito do envelhecimento dos quadros da Administração Pública. De que modo é que esse cenário pode, de alguma forma, influenciar e afetar a abertura para este tipo de formação e tecnologia?

Eu e o INA não somos as instituições melhor habilitadas para nos pronunciar sobre isso. Em todo o caso, diria que há um valor na experiência e na irreverência em todos os processos. Temos uma Administração Pública com uma idade média que espelha a idade média da sociedade portuguesa. Inibe na Administração Pública, como inibirá no resto do país. A minha convicção é que não tem necessariamente de inibir.

Se conseguirmos a combinação entre a irreverência que vem do processo natural de rejuvenescimento do contingente da Administração Pública e a experiência de quem conhece muito bem os processos, isso só pode acrescentar valor a este processo de transformação. Se conseguirmos criar esta sinergia, é um fator crítico de sucesso.

O INA tem como visão mobilizar a Administração para o conhecimento e mobilizar o conhecimento para a Administração. Esse processo obriga-nos necessariamente a reconhecer que sozinhos não somos capazes.

Miguel Agrochão

Vogal do INA

Disse que já estão a pensar nas próximas três edições deste programa de formação. A ideia é que aconteçam todas em 2024?

A ideia é que aconteçam em 2024, numa lógica trimestral. Não olhamos para estes processos de uma forma dogmática. Olhamos de uma forma dialética. Procuraremos garantir que à procura corresponde a resposta. O desafio do INA é garantir que, tempestivamente, consegue construir a oferta que a Administração Pública perceciona como necessária a cada momento.

O INA fez, então, parcerias com a Microsoft e com seis instituições de ensino superior. Qual é a importância destas colaborações com as várias esferas da sociedade para dar a melhor formação possível aos funcionários públicos?

O INA tem como visão mobilizar a Administração para o conhecimento e mobilizar o conhecimento para a Administração. Esse processo obriga-nos necessariamente a reconhecer que sozinhos não somos capazes. Acreditamos que a nossa proposta de valor distintiva face àquilo que já existe é o posicionamento único que nos facilita, por exemplo, desafiar as instituições de ensino superior a trazer o conhecimento da academia para a Administração.

Esta fusão entre o saber saber e o saber fazer leva a que aquilo que entregamos seja ancorado no melhor que a academia tem para trazer, mas muito ligado à prática quotidiana da Administração.

Miguel Agrochão, Vogal do INA e Presidente do Consórcio IP-AP, em entrevista ao ECO - 03NOV23
Miguel Agrochão, Vogal do INA e Presidente do Consórcio IP-AP, em entrevista ao ECO Hugo Amaral/ECO

No privado, já há o reconhecimento de que dar formação pode ser vantajoso na atração de talento. No público, passa-se o mesmo?

Não tenho dúvida que sim. Há um desafio global de employer branding da Administração Pública. Contra muitos preconceitos que vão existindo, a verdade é que temos um recrutamento descentralizado aberto e a procura tem sido muito significativa. Há desafios de retenção de talento e a formação pode ser mais um elemento que motiva essa retenção. É um entre muitos.

A formação e a capacitação do contingente da Administração não é puramente instrumental para a retenção de talento. É absolutamente fundamental para termos uma Administração capaz, confiável e preparada para servir.

Este programa de formação em torno da Inteligência Artificial tem um custo para o trabalhador?

O programa tem um sistema de bolsa. Tem um custo para o trabalhador ou para a entidade. Na maior parte dos casos, as entidades fazem este investimento, mas têm uma bolsa do PRR [Plano de Recuperação e Resiliência], que financia 50% do custo da oferta.

Que retrato global faz das competências e da capacitação dos funcionários públicos?

Rebato o preconceito que existe. Há hoje na Administração Pública o reconhecimento generalizado da importância da capacitação dos trabalhadores. Não sinto dificuldade, na interação com os meus colegas, em explicar a importância de ter um programa de formação em cada entidade, e que a formação é um investimento e não como um custo.

Temos uma Administração muito investida em preparar-se sucessivamente para servir. Isso permite-me ser muito otimista em relação ao futuro.

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