Apesar dos ganhos em 2023 e 2024, José Vidrago, gestor da chamada "almofada" das pensões, considera que o FEFSS está longe do seu potencial por causa das "amarras" legais a que está preso.
O Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social (FEFSS) alcançou uma rendibilidade nominal líquida de transferências de quase 6% e um crescimento total de cerca de 20% em 2024. O fundo, conhecido também como a “almofada” das pensões, encerrou o ano passado com aproximadamente 35,9 mil milhões de euros em ativos, o equivalente a quase 13% do PIB, e a quase dois anos dos gastos com pensões.
Em entrevista exclusiva ao ECO, José Vidrago, presidente do Instituto de Gestão do Fundo Capitalização da Segurança Social (IGFCSS) e gestor do FEFSS, detalha o que correu bem e mal em 2024, alerta para o custo da obrigação legal de o fundo ter de comprar ativamente títulos de dívida portuguesa no mercado e revela também a mudança radical da estratégia da carteira de ações colocada em prática no ano passado que contribuiu para alcançar ganhos de 19% — carregue em cada um dos links anteriores para ler de imediato essas partes da entrevista.
Apesar do desempenho positivo registado nos últimos dois anos, José Vidrago mantém uma visão crítica sobre o FEFSS, que no ano passado celebrou 35 anos desde que foi criado em 1989 como salvo-conduto do sistema previdencial da Segurança social para quando este for deficitário. O gestor considera que o fundo apresenta “um grau de aversão ao risco excessivo” tendo em conta os seus objetivos de longo prazo, limitando com isso todo o seu potencial.
Neste contexto, José Vidrago defende uma reflexão profunda sobre a estratégia e o propósito do FEFSS, tal como sugerem também as recomendações do Tribunal de Contas em vários pareceres sobre a Conta Geral do Estado, a análise do Conselho das Finanças Públicas e as orientações do Livro Verde sobre a Sustentabilidade do Sistema Previdencial. O gestor argumenta que há margem para uma maior diversificação da carteira e para uma potencial melhoria do perfil risco-retorno do fundo, mas que isso depende da vontade dos portugueses e, sobretudo, da vontade política.
A carteira tipo do fundo anda em cerca e 75% de fixed income (títulos de rendimento fixo) e não mais de 25% em ativos de rendimento variável. Face a isto, a rentabilidade a médio e longo prazo de equilíbrio [do FEFSS] face aos atuais níveis de taxa de juro não ultrapassará significativamente os 4%.
O FEFSS encerrou 2023 com um retorno histórico de 9,1% e com quase 30 mil milhões de euros em ativos sob gestão. Em setembro, o fundo tinha 35,2 mil milhões de euros, mais 18% que 2023. Qual era a dimensão do FEFSS no final de 2024 e qual foi a rendibilidade alcançada?
No fecho de 2024, o fundo tinha 35,9 mil milhões de euros, aproximadamente, que se traduziu num crescimento total de cerca de 20% por conta de uma rendibilidade nominal de quase 6% líquida de transferências e como resultado também de um total de transferências de pouco mais de 4,1 mil milhões de euros. Significa que quase 2 mil milhões de euros foram de valor acrescentado. E a muito breve prazo, em função do recente anúncio da ministra de uma transferência de cerca de 4 mil milhões de euros para o início de fevereiro, estaremos muito próximos ou mesmo de ultrapassar os 40 mil milhões de euros.
Considerando que no primeiro semestre o desempenho do FEFSS ficou-se pelos 1,5%, os quase 6% registados no ano passado foi sobretudo alcançado após junho. Quais foram os ativos que mais contribuíram para o desempenho do fundo no ano passado?
2024 foi um ano marcado por uma rentabilidade essencialmente derivada do mercado de ações. O retorno do mercado acionista em termos globais, em média, rondou os 20% em euros, com diferenças regionais significativas, mas em torno desses valores. Já a rentabilidade dos ativos de rendimento fixo foi claramente mais baixa. Estamos a falar de rentabilidades de dívida soberana e dívida investment grade corporativa, que também temos em carteira, que se situam entre 0% e 4% em termos nominais no máximo.
Qual foi o desempenho desses ativos na carteira do FEFSS?
A carteira de ações no FEFSS teve uma rentabilidade de 22% no que diz respeito à componente de ações de empresas com elevada capitalização bolsista (large caps equities). Além disso, desde há três anos que à semelhança da introdução na carteira de dívida corporativa investment grade, acrescentámos também a classe de ações small caps que em 2024 teve uma rentabilidade mais baixa, situando-se na casa dos 9%. Assim, quando juntamos estes dois grupos de ações estamos a falar de uma rentabilidade do subgrupo de ações de cerca de 19%.
E a carteira de obrigações, que é largamente a “fatia de leão” do fundo?
No caso da dívida, excluindo a dívida portuguesa, foi marginalmente positiva, e a rentabilidade da carteira de dívida pública foi ligeiramente superior a 3%.
Significa que, mais uma vez, as ações voltaram a ser o ativo que mais contribuiu para os ganhos do fundo e os títulos de dívida pública aqueles que mais penalizarem o FEFSS. Parece-lhe sensato que, face a esta realidade que perdura há vários anos, continuar a alocar cerca de 75% da carteira do FEFSS a obrigações e menos de 25% em ações?
Temos de começar por observar qual é a razão de ser do fundo. O fundo funciona como o pilar de capitalização da estabilização do sistema previdencial da Segurança Social e as suas responsabilidades são basicamente de cobrir eventuais défices que possam existir no âmbito desse sistema.
De acordo com as projeções que têm sido divulgadas em anexo aos sucessivos Orçamentos do Estado, temos verificado que se determinarmos a duração média dessas responsabilidades, desses défices projetados, temos valores extremamente elevados, tipicamente superior a 30 anos, e isto ignorando o que está para além do final do período de projeção.
Por exemplo, na análise em anexo ao Orçamento para 2025, a projeção termina em 2070. Se ignoramos o que acontece para lá de 2070, porque obviamente o mundo não acaba em 2070, estamos a falar de uma duração média superior a 30 anos. Por isso, se incorporamos o que vai além de 2070 temos uma duração média muito mais significativa. É no contexto dessas responsabilidades que deve ser analisada a composição dos ativos do FEFSS.
Quer isso dizer que a carteira do FEFSS tem uma composição demasiado conservadora para o seu perfil?
Como a senhora ministra tem referido, o FEFSS tem um caráter ou deve ter, um caráter de utilização de urgência — o que remete para uma lógica estrutural, de longo prazo, não para uma utilização conjuntural, mas de uso estrutural. Se considerarmos isto, o FEFSS é naturalmente um investidor de longo prazo que tem capacidade para absorver variabilidades de curto prazo que outros investidores de curto prazo não têm.
Em contrapartida, pode captar prémios de risco que lhe permitem, se tiver uma adequada composição e um adequado quadro perfil de risco-retorno, capturar rentabilidades um pouco mais elevadas. Portanto, a atual composição da carteira do FEFSS, que é um reflexo natural do atual regulamento de gestão em vigor, traduz-se num grau de aversão ao risco excessivo, se tivermos em consideração as responsabilidades, ou seja, o objetivo para que serve o fundo.
O grau de aversão ao risco do FEFSS é excessivo por comparação com o que são as responsabilidades e o objetivo de longo prazo do fundo. Mas a acomodação de mais risco no FEFSS deve ser conciliada com a capacidade dos stakeholders do fundo aceitarem mais risco.
O regulamento de gestão em vigor aponta para, entre outras, uma exposição mínima de 50% em títulos de dívida pública nacional, máximo de 40% em títulos representativos de dívida privada excluindo depósitos e um máximo de 25% em ações.
Exatamente. O que significa que, na prática, a carteira tipo do fundo anda em cerca e 75% de fixed income (títulos de rendimento fixo) e não mais de 25% em ativos de rendimento variável. Face a isto, estimamos que, com esta composição de carteira, a rentabilidade a médio e longo prazo de equilíbrio face aos atuais níveis de taxa de juro não ultrapassará significativamente os 4%. O que significa que a rentabilidade que tivemos em 2024 ficou acima desse número.
Apesar do bom desempenho em 2024, os dados históricos do FEFSS revelam um desempenho longe destes números. Nos últimos 5 anos terminados em 2023 apresentou uma rendibilidade anualizada abaixo de 2%, a 10 anos de 3,6% e a 25 anos abaixo dos 4% que, em termos reais, se traduz em apenas 1,6% por ano.
Por incorporação dos números de 2024 as rentabilidades do fundo são um pouco melhores. O retorno nominal médio desde o início do fundo [em 1989] andará agora próximo dos 4%. Mas estamos a falar de uma capacidade de retorno que, como em qualquer fundo, é uma função da alocação estratégica das grandes classes de ativos que de uma forma estrutural podemos alocar a carteira.
Há margem para melhorar estes números?
Parece-me haver potencial para acomodar um pouco mais de investimento de ativos de crescimento.
E como é que isso pode ser feito se a estrutura legal da gestão do FEFSS coloca fortes barreiras à adição de mais “risco” à carteira?
Como já referi, parece-me que o grau de aversão ao risco do FEFSS é excessivo por comparação com o que são as responsabilidades e o objetivo de longo prazo do fundo. Mas a acomodação de mais risco no FEFSS deve ser conciliada com a capacidade dos stakeholders do fundo aceitarem mais risco. É preciso que a sociedade portuguesa, os cidadãos, que em última análise são os donos do FEFSS, estejam confortáveis com uma maior tomada de risco por parte do fundo.
Tem de haver um consenso em torno do objetivo do fundo, que tem de ser de longo prazo, para que não mude todos os anos, e de forma a manter a confiança na gestão de um património desta importância. O FEFSS, no fecho de 2024 valia quase 13% do PIB português. É um património muito significativo. E esta eventual mudança a ser equacionada tem benefícios, mas também introduz obviamente uma maior volatilidade no curto prazo.
Para lá da perceção dos cidadãos, que será sempre uma opinião subjetiva, que alterações deveriam ser feitas na gestão do FEFSS?
De acordo com as recomendações de organismos internacionais, de acordo com aquilo que são as melhores práticas internacionais, de acordo com aquilo que são também princípios de boa gestão de carteiras no longo prazo, parece haver espaço para promover uma maior diversificação da carteira do FEFSS. Nesse sentido, promover uma melhoria do perfil risco-retorno do fundo permite-lhe responder às suas responsabilidades de longo prazo de uma forma um pouco mais adequada, gerando assim mais valor acrescentado. Por exemplo, se a rentabilidade estrutural do FEFSS de 4% fosse melhorada em 1 em ponto percentual, isso traduzia-se em mais de 10 mil milhões de euros em 10 anos. O impacto é significativo. É evidente que o trade-off é o de retorno e risco.
O maior obstáculo do FEFSS é político e regulatório
Na segunda parte da entrevista, José Vidrago aborda os desafios da gestão da carteira de dívida pública portuguesa no FEFSS, que obrigam a sua equipa a navegar ativamente num mercado de baixa liquidez, enquanto procura oferecer valor acrescentado à carteira do fundo e cumprir rigorosos requisitos regulatórios que limitam em muito as suas ações.
“Nos termos da regulamentação do FEFSS, 50% de todas as entradas têm de ser investidas em dívida pública portuguesa“, afirma Vidrago, destacando a dificuldade em operacionalizar estas aquisições devido à baixa liquidez do mercado.
Apesar destes constrangimentos, o gestor sublinha o sucesso do fundo em superar o benchmark dos títulos de dívida nacional. “Em 2024, esse índice de mercado teve uma rentabilidade de 2,92% e a carteira de dívida pública portuguesa que nós gerimos teve uma rentabilidade de 3,26%, mais 33 pontos base que o benchmark.”
A 22 de julho de 2021, pouco tempo depois de assumir a gestão do Instituto de Gestão do Fundo Capitalização da Segurança Social (IGFCSS) e do FEFFS, submeteu à tutela para apreciação e discussão uma proposta de reflexão sobre a estratégia de investimento a longo prazo do FEFSS, refere o Tribunal de Contas no parecer relativo à Conta Geral do Estado de 2021. Essas observações iam ao encontro da reflexão da estratégia do fundo que já vincou e mantêm-se atuais?
Sim. No exercício do nosso papel de aconselhamento da tutela temos vindo a apontar a possibilidade de se proceder a alterações no sentido de otimizar a composição da carteira. Essa proposta foi um primeiro passo que foi sendo aprofundado ao longo do tempo.
Quando fala em otimizar significa rever os limites de investimento por ativos?
Sim, rever os limites impostos pelo regulamento atual. E nós temos feitos essas sugestões no sentido de provocar o debate. De resto não parece, no sentido técnico, que isto seja nada de extraordinário. Vejam-se as conclusões do Livro Verde da Segurança Social. Vai ao encontro das recomendações das instituições internacionais, práticas de outros fundos pares do FEFSS e vai ao encontro do que todos nós aprendemos a gerir fundos e em particular fundos como o FEFSS que tem um horizonte temporal de muito longo prazo. Por isso sim, genericamente, aquilo que temos vindo a sugerir desde 2021 mantém-se atual e pertinente.
Um elemento importante na gestão do FEFSS são as dotações que todos os anos são transferidas do Estado para o fundo. A ministra da Segurança Social anunciou na quarta-feira que em fevereiro o FEFSS irá receber mais 4 mil milhões de euros por via da maior transferência do saldo do sistema previdencial alguma vez feita. Este valor acumula às dotações globais de mais de 4,1 mil milhões em 2024 e aos 4,6 mil milhões em 2023 (a maior de sempre). Considera essencial continuar a haver transferências do Estado nesta ordem de grandeza?
Nós no FEFSS somos agnósticos a que diz respeito às transferências para o fundo. Essa é uma decisão que tem de ser feita por quem de direito. A nós cabe-nos gerir da melhor forma possível o capital que é transferido para o fundo. Mas evidentemente que as dotações de capital têm tido um impacto muito significativo.
O FEFSS tinha, no final de 2018, pouco mais de 17 mil milhões de euros e neste momento tem mais do dobro. E uma parte muito significativa do crescimento do FEFSS desde então são entradas (transferências do Estado). Só nos últimos três anos – 2024, 2023 e 2022 –, estamos a falar de quase 12 mil milhões de euros. Com mais os 4 mil milhões que a senhora ministra anunciou na quarta-feira (15 de janeiro), estamos a falar que num período de pouco mais de três anos foram transferidos quase 16 mil milhões de euros, o que é obviamente um volume significativo.
Que impacto têm estas transferências na sua gestão do fundo?
A aplicação destes montantes não coloca qualquer tipo de problema. A carteira do fundo está investida em classes de ativos extremamente líquidas nos mercados mais líquidos do mundo, não nos levantando qualquer tipo de dificuldade. Mas, nos termos da regulamentação do FEFSS, 50% de todas as entradas têm de ser investidas em dívida pública portuguesa. E, como é natural, dada a exiguidade da dimensão do mercado de dívida pública portuguesa, nomeadamente no mercado secundário, levar a cabo programas de aquisição com este grau de agressividade levanta desafios, nomeadamente do ponto de vista operacional.
Em 2024, por exemplo, adquirimos só em obrigações do Tesouro em termos líquidos 4,2 mil milhões de euros. Isso significa adquirir em termos líquidos, em média, por dia e por transação, quase 20 milhões de euros. Representa aproximadamente 35% do que é o mercado de plataformas e quase 5% do mercado total de plataformas mais OTC (over-the-counter, ou mercado secundário).
2024 foi mais um ano em que foi difícil operacionalizar os 50% das novas entradas de capital no fundo na aquisição de dívida pública e garantir o mínimo legal de 50% de exposição da carteira do fundo a títulos de dívida pública nacional.
No relatório e contas de 2023 do FEFSS, é justamente referido o desafio da gestão da dívida pública na carteira do fundo por conta da sua baixa liquidez, que tem “obrigado a gestão a manter elevados montantes de liquidez em CEDIC, cuja rentabilidade é muito reduzida, conduzindo a custos de oportunidade expressivos, com impacto relevante na rentabilidade da carteira total.”
É isso mesmo. Por exemplo, quando ocorre uma transferência significativa como os 4 mil milhões de euros que está prevista para o início de fevereiro, em que, por princípio regulamentar, temos de investir 50% desse montante em dívida pública portuguesa, não vamos a correr a comprar 2 mil milhões de euros de obrigações do Tesouro porque não existe capacidade de absorção no mercado. O que fazemos é parquear esse dinheiro enquanto não somos capazes e operacionalizar a compra dos 2 mil milhões em instrumentos como CEDIC (Certificados Especiais de Dívida Pública de Curto Prazo), Bilhetes do Tesouro. Naturalmente que a médio e longo prazo isso traduz-se num custo de oportunidade.
E essa situação foi particularmente difícil em 2023 porque em função da forte procura de Certificados de Aforro pelas famílias o Estado reviu em forte baixa as suas emissões de obrigações, numa altura em que transferiu para o FEFFS o valor recorde de quase 4,6 mil milhões de euros. Como correu 2024 nesta matéria?
Foi outro ano em que tivemos de comprar um valor muito significativo de títulos de dívida portuguesa. Só em obrigações do Tesouro foram 4,2 mil milhões de euros em termos líquidos, que incluindo outros instrumentos ascendeu a cerca de 5,5 mil milhões de euros. 2024 foi mais um ano em que foi difícil operacionalizar os 50% das novas entradas de capital no fundo na aquisição de dívida pública e garantir o mínimo legal de 50% de exposição da carteira do fundo a títulos de dívida pública nacional.
E apesar disso têm conseguido bater o índice de referência.
No caso da carteira de dívida pública portuguesa, o nosso objetivo não é apenas de garantir um investimento mínimo de 50% do FEFSS em títulos de dívida portuguesa, mas ao mesmo tempo bater o índice de mercado para oferecermos valor acrescentado. O índice de mercado é um índice de dívida pública portuguesa com uma maturidade remanescente de pelo menos um ano. Em 2024, esse índice de mercado teve uma rentabilidade de 2,92% e a carteira de dívida pública portuguesa que nós gerimos teve uma rentabilidade de 3,26%, mais 33 pontos base que o benchmark. O que não parecendo, representa 60 milhões de euros de valor acrescentando em relação ao benchmark.
Apesar de todas as condicionantes relacionadas com a dívida pública nacional, desde 2020 que o FEFSS tem aumentado a sua exposição a estes títulos. Em 2020, 50,5% da carteira era composta de títulos de dívida nacional, ficando próximo do limite mínimo exigido por lei dos 50%. Mas no final de 2022 já era de 54% e em 2023 encerrou com uma exposição de 54,6%. Continuando o fundo a receber dotações do Estado, significa que esta percentagem tenderá a aumentar ou não?
Não. Deixe-me antes precisar uma questão. Não houve um reforço em dívida pública. Todos os anos a sub-carteira de dívida pública portuguesa é objeto de uma gestão específica contra um benchmark e todos os anos, no mês de dezembro, o nosso departamento de Investimento apresenta uma proposta de gestão dessa carteira para o ano subsequente que, invariavelmente, tem como objetivo terminar o ano seguinte nos 50,5% de alocação a dívida pública portuguesa.
É esse o objetivo que tem sido seguido nos últimos anos no Instituto em relação à gestão da componente da dívida pública portuguesa. As oscilações que refere resultam de dois grandes fatores: um deles são as oscilações de mercado e o segundo fato, mais significativo, é a possibilidade de existirem transferências de montantes significativos no final do ano. E foi isso que sucedeu nos anos que referiu, nomeadamente no ano de 2023 em que houve uma quantidade muito significativa de transferências na segunda quinzena de dezembro, que por norma é um período marcado por muito baixa liquidez não nos permitindo investir em ativos de médio e longo prazo.
E, por isso, essas entradas são parqueadas em CEDIC para passar o ano e depois investir no início do ano subsequente. Portanto, a evolução dessas percentagens não é uma consequência de uma opção deliberada de gestão de reforçar em investimento de dívida pública portuguesa, mas tão somente uma consequência destes dois fatores.
Mas em 2023 o FEFSS comprou quase 5 mil milhões de euros em títulos de dívida pública, que se traduziu num aumento da exposição líquida do FEFSS em dívida pública em cerca de 3,8 mil milhões de euros, contribuindo também para o aumento da exposição da carteira do FEFSS a estes ativos em 2023. Houve alguma interferência política na gestão do FEFSS por forma a que “ajudasse” o Governo a fechar o ano com um rácio de dívida abaixo dos 100%, como era pretendido?
A gestão do FEFSS é feita observando o enquadramento legal existente. Assim, não houve, para lá dos dois casos que mencionei — um montante significativo de transferências para o fundo na segunda quinzena de 2023 e oscilação do valor de mercado — qualquer outro reforço do investimento em dívida pública no final de 2023, tal como não existiu no final de 2024. O que sucede é que no dia 17 de dezembro de 2023 a percentagem do FEFSS em dívida pública portuguesa era de 50,47%.
É claro que o enquadramento de governação, quer do FEFSS quer do Instituto, pode, à luz do que são as melhores práticas internacionais e à luz do o que é feito em fundos semelhantes ao FEFSS, ser amplamente melhorado. Não há dúvidas disso.
No entanto fecha o ano com uma posição em dívida pública portuguesa de 54,6%.
Exatamente. Por conta das transferências que ocorreram na segunda quinzena de dezembro de 2023, montante esee que foi totalmente aplicado em CEDIC porque, nesse período, não há possibilidade de investir esse valor no mercado dada a ausência de condições de liquidez.
É costume haver transferências tão avultadas para o FEFSS no final do ano?
Tipicamente essas transferências são feitas no fim do ano ou no início do ano subsequente, como irá suceder este ano. Em 2023 foram feitas no final do ano, em 2022 houve algumas transferências no final do ano e depois logo no ano de 2023. É relativamente habitual, mas esse timing não depende de nós.
Claro que não. Mas isso não invalidou um conjunto de críticas à forma como o FEFSS e outras entidades públicas ajudaram particularmente a baixar o rácio da dívida face ao PIB para níveis abaixo dos 100% no final de 2023. Face a tudo isso, considera que o modelo de governança do FEFSS é adequado para garantir a sua independência e foco do fundo no longo prazo?
Há um estudo ocasional do Conselho de Finanças Públicas sobre a governance do Instituto e do FEFSS e é claro que o enquadramento de governação, quer do FEFSS quer do Instituto, pode, à luz do que são as melhores práticas internacionais e à luz do que é feito em fundos semelhantes ao FEFSS, ser amplamente melhorado. Não há dúvidas disso. De resto, temos feito sugestões no sentido de nos aproximarmos a esse nível de melhores práticas de governação. Veremos como as coisas evoluem porque há espaço para melhorias.
Dê-me uma ideia de uma alteração que poderia ser feita em termos de governança.
Por exemplo, do ponto de vista da comunicação e da transparência, uma questão relativamente simples e banal é a publicitação do relatório de contas do FEFSS, que segue os trâmites do que é colocado a qualquer instituição pública. Ou seja, fechamos as contas até 31 de março de um ano, que é o que a lei nos impõe, entregamos as contas ao Tribunal de Contas e submetemo-lo à tutela, ficando a aguardar a aprovação da tutela para depois publicarmos esse instrumento de gestão. Parece-me que, dada a importância do fundo, deve-se equacionar outras formas de divulgação e discussão dos resultados do FEFSS a cada ano.
Isso para que também as contas do FEFSS possam ser conhecidas mais cedo. O relatório de 2023, por exemplo, foi apenas publicado em meados de setembro do ano passado. Deduzo que esta demora não foi vossa responsabilidade.
Não. O encerramento de contas do fundo é sempre feito até ao dia 31 de março do ano subsequente. É depositado junto do Tribunal de Contas e entregue à tutela.
A metamorfose da carteira de ações do fundo da Segurança Social
Em 2024, o Fundo de Estabilização da Segurança Social (FEFSS) executou uma reviravolta na sua estratégia de investimento da carteira de ações, que passou pela venda total das posições diretas que o fundo detinha no final de 2023 em mais de 150 empresas. “Neste momento só temos investimentos através de fundos passivos e posições de réplica através de derivados não alavancado”, revela José Vidrago.
O gestor do FEFSS explica que esta decisão faz parte de “uma estratégia deliberada” para garantir a “redução de tracking error e baixar os custos”, e principalmente para capturar prémios de risco de forma mais eficiente.
Nesta terceira e última parte da entrevista, José Vidrago desvenda os pormenores desta transformação e aborda ainda as expectativas para “almofada” das pensões, não apenas para 2025 mas principalmente para as próximas décadas.
Em 2023, a carteira de ações do FEFSS fechou o ano com investimentos diretos em mais de 150 empresas, com exposições tão díspares como 4,2 milhões de euros no HSBC a 38 mil euros (o equivalente a 0,0001% da carteira de ações) na mineradora mexicana Fresnillo. Como é que a equipa do FEFSS acompanha as operações destas empresas e como é feita a seleção das ações?
No final de 2024 não tínhamos nenhuma posição direta em nenhuma ação.
Venderam todas as empresas que tinham em carteira?
Sim. Neste momento só temos investimentos através de ETF ou fundos passivos, e posições de réplica através de derivados não alavancado.
Por que decidiram vender tudo?
Decidimos vender na sequência da estratégia que temos vindo a seguir para a carteira do fundo como um todo. E a estratégia é de exposição a grandes fatores de risco. O que nós pretendemos com a exposição ao mercado de ações é capturar dois grandes prémios de risco: prémio de risco de ações em geral e o prémio de risco de small caps. E para isso constituímos duas sub-carteiras: dentro da carteira benchmark a componente de ações de elevada capitalização bolsista, e na carteira que chamamos de carteira complementar a componente de ações de small caps.
A primeira abordagem que estamos a adotar é uma abordagem estrutural, estratégica de longo prazo, que consiste em replicar os índices de mercado. E para replicar índices de mercado fazemo-lo da forma mais barata que existe que é de forma passiva utilizando instrumentos passivos como ETF e réplica através de derivados não alavancado. Essa é uma estratégia que inclusivamente temos vindo a aplicar nas diferentes sub-carteiras. Atualmente, retemos internamente o investimento direto quase exclusivamente em dívida soberana. Todas as restantes componentes de carteira fazemo-la indiretamente através de veículos que referi porque é a maneira mais cost efective de o fazer.
Essa é por sinal também a estratégia que têm seguido na carteira do Fundo de Certificados de Reforma com na exposição à carteira de ações, que desde há alguma tempo é apenas feito recorrendo a fundos cotados (ETF).
Exatamente. É uma estratégia deliberada para garantirmos redução de tracking error (diferença face ao índice de referência) e baixos custos. Em cima da monitorização passiva dos índices de mercado, fazemos alguma alocação tática, como sucede com a gestão da carteira de dívida pública portuguesa em que fazemos desvios pontuais em relação aos benchmarks de mercado, nomeadamente em termos de duração, exposição cambial, exposição geográfica, classes de ativos, por forma a acrescentarmos valor a esses benchmarks.
Em 2024, por exemplo, acrescentámos cerca de 33 pontos base à carteira de dívida pública portuguesa que representa cerca de 60 milhões de euros. Na carteira de benchmark, em que basicamente fazemos trekking de dívida soberana e ações de alta capitalização de países da OCDE, o excesso return em 2024 face aos índices de mercado foi de cerca de 13 pontos base, o equivalente a 20 milhões de euros.
Neste momento, de acordo com o atual regulamento de gestão, não há espaço para outra classe de ativos. Seria preciso que existisse uma alteração ao regulamento para se equacionar outras classes de ativos.
Mas qual era o objetivo do fundo de ter tantas ações na carteira com posições tão díspares?
O investimento direto que tínhamos em ações era também ele destinado a replicar índices. Não era uma aposta específica numa ação “A”, “B” ou “C”, mas destinava-se a replicar índices de mercado.
Era assente numa estratégia de seleção de empresas “top down”.
Exatamente. De réplica de índices de mercado.
No final de 2023, na carteira de ações, o FEFSS contava com 14 fundos cotados (ETF) que replicavam os principais índices dos EUA, Japão e Europa num investimento agregado de quase 5 mil milhões de euros, cerca de 78% da carteira de ações do FEFSS. Com a venda de toda as posições diretas em ações, esse dinheiro foi aplicado no reforço destes ETF ou teve outro destino?
Houve algumas alterações dos ETF, tendo-se inclusive adicionado novos fundos à carteira porque temos restrições quanto aos montantes que podemos alocar a cada fundo e por isso esta exposição é diversificada. O que temos feito particularmente é estabelecido um relacionamento próximo com fornecedores de fundos passivos com baixíssimos custos. Em alguns ETF que temos em carteira pagamos comissões muito baixas.
A venda da totalidade das ações em carteira teve impacto na alocação geográfica da carteira das ações ou, tal como em 2023, a carteira de ações permanece maioritariamente exposta ao mercado dos EUA?
Não. A posição em termos geográficos da carteira em 2024 permanece de forma semelhante ao que sucedia no final de 2023 e reflete, grosso modo, o que são as capitalizações bolsistas relativas do mercado acionista em termos das áreas em que podemos ter exposição, que são basicamente os mercados desenvolvidos.
Em 2023, o FEFSS fechou o ano com 21,4% da carteira exposta em ações, ainda longe dos 25% permitidos por lei. O objetivo da equipa de gestão é aumentar essa alocação?
Em 2024 a alocação em ações era de quase 23%. Para todos os efeitos estamos atualmente no máximo, porque temos de acomodar alguma folga em relação ao limite regulamentar dos 25%, sob pena de estarmos a violar o limite superior. Podemos ir um pouco mais acima e fá-lo-emos sem dificuldade se for preciso, mas não há muita margem de manobra.
Neste momento temos a estrutura de carteira que provavelmente poderemos manter a médio e longo prazo, de acordo com o atual regulamento de gestão. Temos uma exposição de pouco mais de 50% à carteira de dívida pública portuguesa, depois cerca de quase 40% daquilo a que chamamos de carteira benchmark, que é basicamente dívida soberana e ações de elevada capitalização de países da OCDE, e depois temos 10% da carteira complementar onde atualmente temos a small caps e dívida de investment grade. Não antecipamos, do ponto de vista estratégico, grandes alterações.
Enquanto gestor do FEFSS não está no seu horizonte adicionar à carteira do fundo outros ativos como criptoativos ou private equity?
Neste momento, de acordo com o atual regulamento de gestão, não há espaço para outra classe de ativos. Seria preciso que existisse uma alteração ao regulamento para se equacionar outras classes de ativos. E essa eventual alteração pode surgir.
Olhando para 2025, qual é a sua expectativa em termos de desempenho do FEFSS?
É difícil estimar a rentabilidade para um ano específico devido às múltiplas variáveis envolvidas. No entanto, a rentabilidade normal para um fundo com a composição do FEFSS situa-se em torno dos 4%. Na análise de sustentabilidade da Segurança Social, anexa ao Orçamento do Estado para 2025, estimamos uma rentabilidade a longo prazo de 4,12%. Este valor representa a rentabilidade estrutural do fundo, considerando a composição atual da carteira e as circunstâncias de mercado vigentes.
É importante notar que existe um intervalo de confiança em torno deste valor, especialmente quando se trata de um ano em particular. A volatilidade típica para um fundo como o FEFSS é de cerca de 5% – embora este ano deva ficar abaixo desse valor. Isto significa que podemos esperar variações em torno dos 4%, mas consistentemente espero este nível de rentabilidade.
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“O fundo de capitalização da Segurança Social tem um grau de aversão ao risco excessivo”
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