“Pandemia e clima mudaram o padrão da sinistralidade em Portugal”

José Coutinho, Chief Underwriting Officer da Zurich em Portugal, conta como está a adaptar a análise de riscos a uma nova realidade de alterações bruscas de hábitos, comportamentos e meteorologia.

Os sinistros por causas naturais naturais estão a ocorrer em zonas onde historicamente não seria tão expectável acontecerem e onde existe uma maior densidade populacional. Esta é uma das novas verdades com que vive o responsável máximo de subscrição de seguros na Zurich em Portugal, país em que a seguradora está desde 1918 e conta com 500 colaboradores, 19 escritórios e uma rede de 2.500 Agentes de Seguros que servem mais de 620 mil clientes.

José Coutinho é licenciado em Ciências Actuariais pela Universidade Nova de Lisboa e Pós-Graduado em Ciências Actuariais pelo ISEG, ocupa o cargo de Chief Underwriting Officer na Zurich Portugal desde 2012 e antes tinha ocupado o cargo de Chief Pricing Actuary. Quer pela sua experiência quer pela da empresa em Portugal é profundo conhecedor dos riscos e das suas alterações. Foi entrevistado por ECOseguros.

Na sua análise, que riscos estão a mudar, agravando ou melhorando?

A pandemia alterou padrões que eram tipicamente mais previsíveis nos seguros de massa tais como o ramo automóvel, acidentes de trabalho e multirriscos habitação. Novos hábitos de vida, alguma migração geográfica e novas formas de trabalho, como o teletrabalho, vieram provocar mudanças nos riscos. Atualmente, com mais pessoas a trabalhar a partir de casa, vemos um aumento de sinistralidade nos seguros de lar e assistimos a novas tendências ao nível da frequência no ramo automóvel e acidentes de trabalho, impactados por novas formas de mobilidade. Por outro lado, verifica-se um aumento de frequência nos riscos climáticos das mais diversas formas: para além dos já habituais incêndios florestais, vemos cada vez mais cheias e inundações, assim como períodos de seca mais alargados com consequências mais gravosas para as populações.

No caso das alterações climáticas, quais são as consequências para as avaliações de risco?

Os modelos existentes e mais tradicionais, com determinadas probabilidades de retorno, tendem a não dar a resposta necessária para a avaliação dos riscos no curto prazo e o aumento da frequência dos acontecimentos ainda não proporciona séries suficientemente robustas para uma previsão mais sofisticada. O impacto dessas alterações também tem sido mais relevante, abrangendo zonas onde historicamente não seria tão expectável a ocorrência de sinistros e onde existe uma maior densidade populacional. Deve existir um maior foco na prevenção para lidarmos com estes riscos e mitigar o seu impacto: por um lado, mais limpeza e manutenção para evitar riscos florestais e riscos de inundações e, por outro, mais antecipação e planeamento com planos de contingência adequados. E garantir também a contratação de seguros apropriados para que exista maior proteção na compensação destes eventos extremos. Temos trabalhado muito a nível global, no sentido de contribuir para que as empresas percecionem melhor esses riscos. Através da nossa área de negócio Zurich Resilience Solutions, trabalhamos com os clientes para ajudar a quantificar o risco das alterações climáticas, fornecendo insights sobre riscos atuais e potenciais riscos futuros, identificando ações de mitigação e adaptação que possam ser implementados.

Põe a possibilidade de recusar ou penalizar fortemente na aceitação de riscos, a setores como todos os ligados às energias fósseis, ou outros? Quais?

Elegemos 5 grandes grupos de atividades muito representativas e com grande abrangência a nível nacional: serviços, turismo, produtos de uso pessoal, produtos alimentares, metalurgia e veículos. Pretendemos alavancar o conhecimento que adquirimos nestes setores ao longo dos anos

A subscrição de riscos tem de contribuir para um ambiente mais sustentável, convergindo para um objetivo de neutralidade carbónica, pelo que é importante as seguradoras trabalharem com empresas que partilhem dos mesmos propósitos, ajudando-as a reduzir o impacto no planeta. Temos um apetite de risco bem definido em relação a um conjunto de atividades que devem merecer especial atenção pelos efeitos causados no ambiente. Também queremos ajudar os clientes que pretendem fazer uma transição e adaptação a práticas mais sustentáveis, através dos nossos serviços especializados de Engenharia de Risco.

Quais as indústrias mais interessantes?

Este ano, a Zurich em Portugal elegeu várias atividades preferenciais onde pretende alavancar o seu conhecimento e ajudar os clientes a terem uma maior proteção aos riscos. Elegemos 5 grandes grupos de atividades muito representativas e com grande abrangência a nível nacional: serviços, turismo, produtos de uso pessoal, produtos alimentares, metalurgia e veículos. Pretendemos alavancar o conhecimento que adquirimos nestes setores ao longo dos anos, mostrando caminhos de adaptação a cada uma das empresas e disponibilizando soluções que possam ir de encontro às necessidades e expectativas dos clientes empresariais, melhorando a conveniência e competitividade.

Existe uma noção apurada de risco em Portugal?

Nota-se que os seguros obrigatórios ou quase são os mais subscritos. A literacia financeira e o sentido de proteção não estão tão desenvolvidos em Portugal quando nos comparamos com outros países. Serão vários os fatores que explicam tal situação, mas destacaria como um dos mais relevante o fator económico que condiciona pessoas, famílias e empresas a contratarem somente produtos obrigatórios ou coberturas mais reduzidas. Há espaço para trabalhar mais a comunicação e literacia financeira junto da população, facultando soluções mais flexíveis, sensibilizando e alertando para as soluções e coberturas críticas para a proteção das famílias e empresas.

No caso das PME existe um trabalho de sensibilização a ser feito, a cobertura de riscos seguráveis continua muito baixa?

As empresas em Portugal, maioritariamente compostas por microempresas e PME’s, passam por dificuldades financeiras e o seguro tende a ser visto como um custo, daí a grande concentração estar nos seguros de acidentes de trabalho e no ramo automóvel. Verificam-se lacunas de proteção ao nível dos multirriscos e da responsabilidade civil quando estes seguros não são obrigatórios, aumentando o risco de paralisação ou extinção das empresas, por não acautelarem devidamente as responsabilidades decorrentes das suas atividades e nem se protegerem de eventos climáticos extremos apesar da maior ou menor probabilidade de acontecerem.

As pessoas estão bem cientes da regra proporcional nos seguros habitação? Há trabalho a fazer aquando da subscrição?

A adequabilidade dos capitais seguros é um tema relevante e ainda existe alguma incerteza na hora de determiná-los. Verifica-se alguma confusão entre valor de compra, valor matricial e valor de reconstrução daí a importância de, na hora de efetuar um seguro, contar com o suporte de um profissional que ajude a determinar o valor correto e evitar a aplicação da regra proporcional em caso de sinistro. Mais e melhor informação na hora da subscrição evita problemas desnecessários na hora do sinistro. A grande maioria dos contratos individuais já considera uma indexação automática que tende a mitigar a situação do infra seguro. Numa altura de forte inflação, como a que temos vivido nos últimos meses, os capitais necessitam de uma constante atualização e este mecanismo garante proteção para fazer face aos elevados custos de reconstrução. No que diz respeito ao seguro com empresas, a situação tenderá a ser mais desafiante por não existirem tantos mecanismos de atualização automática e haver a necessidade de os empresários avaliarem correta e constantemente os valores seguros, seja ao nível dos imóveis, conteúdos, equipamentos ou lucros esperados.

Considero os riscos relacionados com alterações climáticas os mais difíceis de avaliar. Naturalmente que outros riscos tais como os cibernéticos, políticos ou envelhecimento da população também nos devem preocupar, mas a abrangência que os riscos climáticos assumem no nosso planeta merece um foco especial

Como considera a cooperação do seu trabalho com corretores? E com agentes?

Os mediadores de seguro têm tido um papel fundamental no desenvolvimento dos seguros em Portugal, fruto do trabalho conjunto efetuado com as seguradoras ao longo de décadas. E este trabalho é reconhecido pelos clientes: se olharmos para o peso do negócio oriundo do canal direto, verificamos que os portugueses continuam a preferir o aconselhamento dos profissionais da mediação. Temos uma vasta rede de agentes profissionalizados e muito fidelizada, que cobre o território continental e ilhas. Não existindo uma relação de exclusividade, existe uma relação de proximidade e de parceria muito forte com o propósito de estarmos sempre presentes, quando e onde for necessário, para proteger os nossos clientes. Também existe uma parceria muito positiva com o mercado de corretores nacionais e internacionais, onde historicamente temos abordado o segmento empresas em conjunto, aliando capacidade técnica, robustez financeira e relacionamento com clientes para encontrar as melhores soluções de proteção. Vamos continuar a reforçar estas relações com agentes e corretores através de mais interação e presença no terreno, ao mesmo tempo que trabalhamos para termos cada vez mais agilidade e simplicidade na forma como abordamos o negócio, suportado em dados e tecnologia.

Quais os riscos que considera mais difícil de avaliar dada a sua alteração de forma?

Dada a rápida mudança, imprevisibilidade e impacto, considero os riscos relacionados com alterações climáticas os mais difíceis de avaliar. Naturalmente que outros riscos tais como os cibernéticos, políticos ou envelhecimento da população, só para citar alguns, também nos devem preocupar, mas a abrangência que os riscos climáticos assumem no nosso planeta merece um foco especial. Olhando para Portugal, temos assistido a um aumento notório do número de inundações e tempestades, quedas de granizo, ao mesmo tempo que temos períodos de seca extrema e ondas de calor originando fogos florestais e levando à desertificação de lugares e a impactos nas culturas. Além do mais, Portugal tem como risco latente os fenómenos sísmicos atendendo à sua localização geográfica e para o qual a cobertura é claramente insuficiente. Segundo um recente estudo da APS, apenas 16% das habitações têm cobertura de sismos nas respetivas apólices, o que deixará uma parte muito significativa da população desprotegida aquando de um terramoto em solo nacional. Entendemos que é fulcral a criação de um fundo sísmico que dê resposta a esse risco e que garanta uma maior proteção para a população em geral, em linha com o que já existe noutros países.

Como a elevada inflação e taxas de juro estão a influenciar o seu trabalho?

A escalada inflacionista dos últimos 12 meses impactou tudo e todos e os seguros não foram exceção. Mão de obra, peças, serviços relacionados com saúde ou transportes viram os seus custos aumentar exponencialmente e houve necessidade de repercutir parte desse aumento nos prémios dos seguros, numa altura em que os consumidores e empresas também sentem aumentos paralelos com o preço dos alimentos, da energia ou das matérias-primas. Adicionalmente, as taxas de juro dispararam e reduziram o poder de compra e de investimento. Temos uma preocupação constante em ajustar os prémios de forma equilibrada e de encontrar soluções que ajudem os clientes a lidarem com estes tempos mais desafiantes, através da criação de soluções mais flexíveis. Exemplo disso, disponibilizámos recentemente packs de coberturas de danos próprios em automóvel para fazer face a riscos catastróficos da natureza, furto ou roubo, e greves, tumultos e alterações da ordem pública a preços mais reduzidos e numa abordagem modular. Também temos incentivado o pagamento fracionado dos prémios sem qualquer encargo e disponibilizando descontos para clientes que não apresentam sinistralidade.

Como é possível no caso dos seguros de vida habitação existirem tão grandes diferenças nos valores de prémios?

Considerando que grande parte das companhias de seguro tenderá a trabalhar com tábuas de mortalidade semelhantes, cada uma ajusta a probabilidade de morte em função da sua carteira, experiência de sinistralidade e custos, nomeadamente custos com resseguro. Daí os prémios serem diferentes e poderem apresentar alguma amplitude entre eles. Estes serão os principais fatores que determinam os prémios técnicos para os seguros de vida, definindo-se posteriormente o nível de rentabilidade considerado adequado, conduzindo ao prémio final a apresentar aos clientes.

Que conselhos poderá dar a profissionais e segurados?

Num contexto particularmente difícil para as empresas e famílias, marcado por uma forte inflação e subida de taxas de juro, onde existe muita pressão e incerteza sobre o poder de compra e situação financeira de cada um, torna-se cada vez mais importante estar bem protegido contra situações adversas e inesperadas. Recorrendo à ajuda de agentes e corretores de seguro recomendamos uma avaliação exaustiva do nível de proteção: identificando quais as coberturas necessárias e fundamentais, atualizando capitais seguros, ajustando franquias e encontrando soluções flexíveis à medida das necessidades de cada cliente.

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