Por que não melhora a relação digital entre mediadores e seguradores em Portugal

O consultor João Veiga quer ajudar os mediadores a estarem mais dedicados aos clientes e menos agarrados aos computadores. Defende a uniformização tecnológica para melhorar o negócio. Explica como.

João Veiga: “Parece que se continua a ver tudo isto como um custo e não como um investimento no futuro do setor, e este talvez seja neste momento também um dos grandes obstáculos para o avanço rápido deste processo em Portugal”

Imagine um corretor ou mediador a precisar de fazer uma apólice de seguro para um cliente. Terá de colocar os dados relevantes em cada uma das plataformas da seguradora que pretende consultar, ver as melhores opções e tentar comparar propostas. Agora imagine um standard em que coloca os dados, explica o que quer, e de imediato várias seguradoras respondem, com informação comparável e poupando um tempo que se pode dedicar a melhorar o negócio de mediação de seguros.

Este standard de troca de informação já existe, por exemplo, em Espanha e, recentemente, a ADECOSE, uma das principais associações da mediação do país, divulgou que 82% dos seus membros já utilizam e aproveitam o EIAC – Estándar de Intercambio de Información entre Entidades Aseguradoras y Corredurias para o seu trabalho corrente. O EIAC envolve a ADECOSE, a UNESPA, associação das seguradoras, e as principais empresas provedoras de software para a mediação.

Como está, ou não está, este processo de estandardização em Portugal foi motivo para perguntar a João Veiga, um entusiasta desta uniformização no relacionamento digital entre operadores dos seguros. Hoje, o entrevistado é CEO da Elysian Consulting depois de 22 anos na empresa de software MPM em Portugal, sendo um profundo conhecedor de tecnologia e dos mediadores e corretores nacionais.

Antes de olharmos para Portugal, pode explicar o que é o standard espanhol EIAC?

O EIAC (Estándar de Intercambio de Información entre Entidades Aseguradoras y Corredurias) é um protocolo normalizado e aberto, desenvolvido no mercado espanhol, para partilha de dados entre todos os atores do mercado segurador espanhol, sendo utilizado pela seguradoras e pelos mediadores num vasto número de processos, elementos e ramos. O EIAC partiu de uma iniciativa das associações de mediadores e de seguradoras do mercado espanhol, às quais se juntou a colaboração das principais empresas tecnológicas especializadas no mercado segurador.

Qual a adesão do mercado?

Em Espanha, mais de 70 seguradoras já emitem os seus ficheiros no modelo EIAC, estando este modelo de integração já implementado em todos os softwares de gestão de mediadores que ali são comercializados. Os elementos base suportados pelo modelo EIAC são as Apólices, os Recibos, os Sinistros e as Liquidações, abrangendo todos os Ramos. No EIAC incluem-se todos os processos de gestão das Apólices, onde o emissor da informação é a seguradora, todos os processos bilaterais entre a seguradora e o mediador para recibos e sinistros, bem como as comunicações derivadas dos processos de liquidação.

Quais são as vantagens do EIAC?

A primeira grande vantagem do EIAC é a utilização de um formato único de partilha de informação entre as Seguradoras e a Mediação de Seguros. Um formato normalizado dos dados evita erros recorrentes, e, ao diminuir as interações para correção de erros entre as seguradoras e os mediadores, aumenta a produtividade e rentabilidade do setor.

Existem cerca de 10 seguradoras a operar simultaneamente em Portugal e em Espanha, das quais mais de metade têm o sistema informático sediado em Espanha. Estas deveriam ser as primeiras a apoiar esta iniciativa, pois conhecem na prática os benefícios de uma normalização dos formatos de integração de dados

O que está a conseguir fazer pelos mediadores e seguradores em Espanha?

Para a mediação em especial, permite aplicar regras de negócio comuns para validar a informação recebida de qualquer seguradora, normalizando os processos de trabalho com cada seguradora e aumentando a qualidade dos dados disponíveis para a gestão e tomada de decisão, bem como aumenta a capacidade de serviço, devido a um trabalho simplificado. Para as seguradoras, existe uma enorme simplificação de toda a sua gestão de outputs, pois assim cada seguradora só tem de ter um formato de saída, independentemente do destinatário (Agente, Corretor, Banco, Retailer, Affinity, …). Adicionalmente, como o EIAC está desenvolvido em formato de ficheiros XML, permite a cada seguradora adicionar campos específicos seus ou necessários para um dos seus parceiros, sem ter de criar um ficheiro novo. Esta vantagem traz enormes benefícios para as seguradoras também.

Como está essa situação em Portugal? A vida dos profissionais e seguradoras é mais difícil?

O facto de cada seguradora ter o seu formato próprio de partilha de dados de apólices, cobranças e sinistros faz com que as informações que são enviadas a cada mediador sejam muito diversas. Tanto em qualidade quanto em quantidade: em muitas ocasiões, nem toda a informação essencial para dar seguimento a um serviço é enviada. A consequência desta situação é que os softwares de gestão do mediador têm de ser capazes de adaptar esses ficheiros para que possam ser descarregados pelo mediador de forma que seja possível existir uma “integração” entre o sistema que o mediador usa e os sistemas de cada seguradora. Mas, apesar dessa “integração”, as informações são díspares e em grande quantidade, obrigando a um investimento muito alto de tempo e recursos para os mediadores manterem processos de gestão adaptados a toda essa variedade de formatos.

Assim, o tempo que se utiliza para trabalhar com essas informações aumenta e, consequentemente, aumentam os custos, pois cada mediador tem de conhecer perfeitamente as características dessa variedade de sistemas. Só desta forma, a informação armazenada no seu software será adequada e completa. Esta variedade de formatos e metodologias tem sido um problema difícil de resolver. Dado que a esmagadora maioria da mediação funciona com várias seguradoras em simultâneo, quando cada uma destas utiliza o seu próprio procedimento, face ao mediador, não é apenas um ónus em termos de funcionalidade, mas também um fator determinante na baixa qualidade do serviço prestado.

Como qualquer outro projeto, este também não funcionará se não houver um seguimento profissional e constante da evolução do mesmo, o que requer obviamente investimento por parte dos principais atores (APROSE e/ou APS)

Está a existir alguma evolução no sentido de uniformizar os relacionamentos?

Não. Nos últimos 10 anos houve um par de tentativas de criar grupos de trabalho do setor segurador sobre este tema, mas infelizmente nenhum produziu efeitos práticos. Todavia, eu pessoalmente estou muito empenhado em dinamizar este processo e continuo a insistir neste tema em diversos fóruns, pois considero este tema fundamental para a evolução do mercado segurador em Portugal.

Qual devia ser o caminho a seguir? Quais os próximos a dar nesse sentido?

Tal como aconteceu no mercado espanhol, as entidades associativas do mercado deveriam passar da teoria à prática e assumir a liderança deste processo. O mercado de seguros em Portugal, se quiser, pode olhar para outros mercados com experiências semelhantes já implementadas, testadas e com forte adesão por parte de todos os atores, como o EIAC é o principal exemplo, e se unir em torno desta missão de simplificação e melhoria da relação digital entre os diversos intervenientes da atividade seguradora.

Existem exemplos de boas práticas para suportar esse caminho?

Existem cerca de 10 seguradoras a operar simultaneamente em Portugal e em Espanha, das quais mais de metade têm o sistema informático sediado em Espanha. Estas deveriam ser as primeiras a apoiar esta iniciativa, pois conhecem na prática os benefícios de uma normalização dos formatos de integração de dados.

Quais os obstáculos a ultrapassar?

O primeiro obstáculo talvez seja o facto de que este é um tema talvez mais político do que tecnológico. Apesar da definição e execução de formatos normalizados não ser complexa (o EIAC é um exemplo disso!), é difícil obter a disponibilidade e vontade dos principais atores para avançarem com ações concretas neste sentido. Olhando para a experiência das seguradoras em Espanha, verificou-se que a migração dos seus formatos próprios para o formato EIAC (formato XML), desde o mapeamento até à entrada em produção, foi em média entre as 5 e 6 semanas, o que demonstra que a migração para um formato único em XML não é uma tarefa longa, pesada e que requeira demasiados recursos por parte das seguradoras.

Como pode avançar este processo?

Este processo de normalização de formatos exige a coordenação de todos os atores sobre o modelo e o calendário de execução. Como qualquer outro projeto, este também não funcionará se não houver um seguimento profissional e constante da evolução do mesmo, o que requer obviamente investimento por parte dos principais atores (APROSE e/ou APS) em recursos com o conhecimento e experiência necessária para a gestão e coordenação de todo este processo. Mas, parece que se continua a ver tudo isto como um custo e não como um investimento no futuro do setor, e este talvez seja neste momento também um dos grandes obstáculos para o avanço rápido deste processo em Portugal.

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