Portugal Ventures vai investir mais em menos startups. “Existimos para fazer unicórnios”, diz Rita Marques em entrevista

Na liderança da gestora de capital de risco público desde abril, a engenheira eletrotécnica quer voltar à base da Portugal Ventures: mais investimento mas, sobretudo, melhor.

Menos pulverização, mais acompanhamento e mais inteligência. À frente da gestora de capital de risco pública desde abril, tal como o ECO avançou, a engenheira eletrotécnica lidera uma equipa com uma carteira de 105 participadas.

Nomeada pelo Ministério da Economia para suceder a Celso Guedes de Carvalho na liderança da gestora de capital de risco – que conta com uma carteira de investimentos de 19 fundos no valor total de 240 milhões de euros – Rita Marques conta, na sua primeira entrevista, os primeiros meses de trabalho de perto com startups na qualidade de investidora.

Das reuniões com incubadoras e aceleradoras às novas calls estratégicas, o novo conselho de administração — que conta também com Rui Ferreira e Pedro de Mello Breyner — quer voltar a fazer da Portugal Ventures um parceiro preferencial de investimento, tanto para as startups e empreendedores como para outros fundos que queiram investir em Portugal.

Foi a escolha do Governo para liderar a gestora de capital de risco criada em 2012. Como recebeu este convite e com que expectativas?

O namoro já tinha sido longo e não o recebi com surpresa. Na altura, foi o construir de um relacionamento. Este tipo de convites não deve cair de paraquedas. Tem de haver um discurso, uma negociação e uma troca de ideias para perceber se faz sentido ou não o valor acrescentado do Conselho de Administração além da equipa da casa, se as nossas ideias faziam sentido. Houve ali um conjunto de contactos que depois culminaram no convite formal. E eu própria fui-me preparando, e fazendo um trabalho de casa daí que, quando o convite apareceu, não foi tomado de surpresa e foi um culminar de um exercício que estava a ser feito por mim e pelos meus colegas.

Quais os desafios que detetou na Portugal Ventures logo à partida?

Quando esta oportunidade começou a desenhar-se — e já lá vão uns meses — eu já tinha a minha perceção enquanto potencial cliente da Portugal Ventures (PV). Tinha a minha opinião sobre a organização, sobre o trabalho que estava a ser desenvolvido. O que aconteceu foi que o processo foi-se desenvolvendo e comecei a estar atenta a alguns sinais, é natural que assim seja. Vamos falando, ainda que o nosso interlocutor não saiba o que nos espera, e colocando questões.

Logo à partida, diria que os grandes desafios são três: a perceção de que a Portugal Ventures já não era tão ativa no mercado porque, durante anos e anos e ainda hoje, a PV é o operador mais ativo a nível de capital de risco mas ser o mais ativo não quer dizer que a perceção por parte do ecossistema continue a ser esta. Uma coisa é, se há uma desaceleração da atividade, podemos continuar a ser os mais ativos mas…

Estamos a falar de investimento?

Para o mercado sim mas, todas elas, principalmente as de desinvestimento, são de facto as mais relevantes para uma sociedade de capital de risco. O sucesso mede-se pelos exits que se fazem. Mas o mercado pouco ou nada se importa com o desinvestimento. Por isso comecei por dizer que eram três desafios, e comecei pelo investimento. Enquanto outsider, as pessoas têm a perceção de que um operador ativo é o que investe mais e em muitas startups de diferentes áreas.

A segunda perceção tem a ver com o acompanhamento das participadas. Tenho vários contactos — amigos e conhecidos –, cujas empresas tinham sido apoiadas pela PV quando eram ainda startups. E o acompanhamento que a PV fazia era, em algumas circunstâncias, visto como podendo ser melhorado. O acompanhamento era um desafio que ainda existe e que tem a ver com o valor acrescentado que aportamos às nossas participadas — muito, pouco –, com a forma como podemos otimizar esse valor acrescentado e podemos contribuir quando temos assento no Conselho de Administração da participada. Estou a falar de um acompanhamento da carteira ativa, do nosso portefólio.

"Uma sociedade de capital de risco existe porquê? Aí podemos ter várias respostas mas o denominador comum é fazer dinheiro, recriar unicórnios e vender bem.”

Rita Marques

CEO da Portugal Ventures

Depois, um terceiro desafio, que eu achava que não seria tão interessante, que tem a ver com a questão do desinvestimento. Uma sociedade de capital de risco existe porquê? Aí podemos ter várias respostas, mas o denominador comum é fazer dinheiro, recriar unicórnios e vender bem. É isto. Claro que temos este duplo chapéu do público versus privado. Mas se perguntamos a todas as sociedades de capital de risco, de facto o que interessa é o desinvestimento, o exit. O terceiro grande desafio era saber afinal que exits fizeram até ao momento e com que sucesso. Porque, se tivéssemos na nossa carteira duas ou três empresas com potencial de exit muito relevante — e acredito que temos –, mas se isso fosse visível para o mercado, a confiança do mercado perante a PV seria completamente diferente. E colocava os holofotes naquilo que é realmente importante: o exit interessante, quer para os acionistas, quer para os fundadores.

Quantas startups participadas tem, neste momento, a Portugal Ventures?

São 105 empresas ativas, algumas da private equity, cerca de uma dezena. O grosso é de facto startups. São muitas.

E quantas pessoas estão a acompanhá-las?

Menos do que as que queríamos. Temos uma estrutura de 39 colaboradores e cerca de um terço está a acompanhar ativamente as nossas participadas. Não pode ser uma pessoa qualquer, tem a ver com o tipo de acompanhamento que se faz com a participada. E, por isso é que, durante muitos anos — e por isso é que estamos a tentar re-energizar essa política — para além de um membro do conselho de administração da PV convidávamos um segundo membro, que era o independent board member: pessoas que podem abrir os canais, nomeadamente de vendas.

São pessoas do setor?

Normalmente são pessoas que já estiveram ou que estão no setor. Temos pessoas que já estão reformadas. Há aqui uma coisa importante: na maioria dos casos, temos participadas que têm as tecnologias e os produtos altamente inovadores e já testados e validados pelo mercado. O grande desafio das nossas startups — e agora falo no portefólio PV como da grande maioria das capitais de risco –, tem a ver com as vendas. A tração a grande escala — vendas, vendas, vendas — é alavanca para o crescimento. E, para isso, a PV tem de se socorrer de quem sabe. O conhecimento do mercado por quem já lá esteve e por quem ainda está é bastante relevante. Daí a importância de introduzirmos o independent board member. Temos menos pessoas do que queríamos: as boas práticas dizem que cada técnico deveria acompanhar cerca de quatro, cinco participadas e estamos ligeiramente acima desse rácio. Mas tentamos mitigar esta fragilidade por via destas pessoas externas, que aportam valor à empresa e que, normalmente, são extremamente bem recebidas pelas participadas.

Nos últimos anos, a Portugal Ventures tem vindo a diminuir o valor do investimento. Vão aumentar o crescimento este ano?

Gostaria de lhe dizer que sim e estamos empenhados em que isso aconteça mas não vai ser crescimento a toda a prova. Há três notas de que queria dar-lhe conta. A pulverização de investimento, ou seja small tickets, não é de todo compatível com a estrutura e com o grau de maturidade atual do nosso ecossistema. Já foi, mas já não é. Se, de facto, queremos apostar em empresas inovadoras, disruptivas se passíveis de proteção via propriedade intelectual (patentes), que tenham eventual potencial de tração em mercados internacionais e outros, temos de ter consciência de que numa primeira ronda podemos, de facto, investir x. Mas as boas práticas aconselham a que tenhamos recursos para apoiar rondas subsequentes, devíamos três ou quatro x reservados para continuar a dar fôlego àquela empresa. Senão caímos neste erro de pulverizar e só vamos pegar nos nossos esforços e semear por várias participadas mas depois, quando chega a hora de apostar numa segunda ronda, não temos meios para acompanhar.

Investimento em novas participadas entre 2013 e 2017.Ana Raquel Moreira

A primeira questão é investir mais sim, mas não pulverizar investimento. Investir sim mas deal flow qualificado, em ideias de escala.

Aparecem de facto, com esta questão da bolha do empreendedorismo, muitos projetos que não são interessantes do ponto de vista de uma capital de risco. Podem ser interessantes do ponto de vista de negócio, ou seja, amanhã eu sei que aquela empresa vai faturar 500 mil ou um milhão de euros. Mas é capaz de ficar a faturar esse valor durante largos anos. E essa não é a perspetiva de uma sociedade de capital de risco.

E depois, investir mais, sim, mas fazendo uma ponte muito fechada e profícua com o ecossistema: investir mais sim, mas numa lógica supletiva. Temos de privilegiar a sindicação do investimento. E o que é que quero dizer com isso? Temos um conjunto de business angels, cada vez mais as pessoas têm recursos e juntam-se grupos de amigos, e não podemos substituir-nos à oferta que já existe.

A PV não pode retirar negócio a outros, não é esse o objetivo.

Rita Marques

CEO da Portugal Ventures

A PV não pode retirar negócio a outros, não é esse o objetivo. O objetivo é juntar-se aos vários players — investir mais, sim — mas sempre nesta perspetiva supletiva e chamando para o negócio. Coinvestimento inteligente.

O nosso objetivo é investir mais, temos de dar esse sinal ao mercado. Mas há desafios. Isto parece fácil, mas o que acontece muitas vezes é que é preciso capacitar essas pessoas, informar essas entidades de que estamos disponíveis.

Atualmente está a ser feito um grande esforço por parte deste atual conselho de administração em reenergizar essa rede, os ignition business partners, que conta com cerca de 50 parceiros entre universidades, incubadoras e outros agentes. Estamos a tentar passar essa mensagem aos parceiros de que queremos investir, para que nos ajudem a fazer uma pré-triagem porque, de outra forma, ficamos sobrecarregados com as ideias que nos chegam. E, desejavelmente, investir quando as empresas já passaram por programas de aceleração e já têm o negócio mais ou menos maturado.

A nova call for MVP, que pode ir até a um investimento de um milhão, é exemplo disso? Porquê o regresso às calls temáticas?

Sim, esta call é um pouco essa senda: continuamos no negócio pre-seed, seed, prove of concept mas, para tickets pequenos, queremos afastar-nos um bocadinho. Porque esses 50 mil ou 100 mil euros, já fizemos alguns no passado recente da PV, mas investirmos em 15 ou 20 participadas não é de facto o nosso foco. Aí o mercado tem resposta.

O polinizar investimento tem a ver com small tickets e várias linhas de atividade, várias áreas, o que exige da nossa parte recursos que não queremos ter. Estarmos com um bolo e montante disponível é um desfoque. As calls temáticas — e temos de ter as preocupações de escutar o mercado mediante as necessidades — surgem de feedback. Tem a ver com o foco. E, como temos recursos limitados, é o foco interno das equipas. Se fizermos uma análise comparativa, obriga a um foco, quer do promotor como da equipa e dos peritos convidados a ajuizar. E, se formos suficientemente ágeis para abrirmos novas calls, acho que conseguimos atacar as prioridades. Honestamente, para o grau de maturidade do mercado, as calls temáticas funcionam melhor que simplesmente haver uma call genérica e que incite ao ruído.

Agora, “com o chapéu público”, temos de pensar por que existe a Portugal Ventures e que, como qualquer sociedade de capital de risco, existe para fazer unicórnios, para gerar receita, para dar um retorno interessante aos nossos acionistas e aos participantes dos fundos que gerimos e que confiaram em nós. Essa é a primeira derivada da análise.

A segunda, e não nos podemos esquecer, em termos de DNA, somos um operador público e temos de entrar numa lógica supletiva de mercado. E não vamos, com a nossa posição de incumbente, sem chamar os parceiros. Temos de envolvê-los.

Esses parceiros serão uma espécie de scouts na primeira triagem de novos investimentos?

Certo.

E isso não estava a ser feito?

Se calhar estava a ser feito de uma forma casuística e ad hoc. Estamos a construir de baixo para cima. Neste momento, todos os nossos parceiros de rede foram contactados e estão a ser visitados, estamos a reunir-nos, os três membros do conselho de administração, para conhecer o plano de atividades nessas entidades, dar a conhecer o nosso, e identificar os pontos sinérgicos que possam contribuir para os objetivos sobre os quais falei. Há situações em que, de facto, estamos a encontrar parceiros disponíveis para nos ajudar e outras em que os planos não são coincidentes. Diria que essa forma de trabalhar que a nós só nos é benéfica, estabelece um diálogo interessante e apazigua, de alguma forma, esta frustração que alguns agentes tinham do mercado em relação à PV, que viam uma entidade talvez muito concentrada no seu portefólio.

Como tem sido o feedback dessa aproximação?

Temos sido recebidos sempre com muita simpatia. Estamos em lua-de-mel. É aproveitar sempre com um sentido de bom senso e capacidade de trabalho, e de ter as ideias bem estruturadas. Tive a sorte com o Rui Ferreira e o Pedro Mello Breyner (os outros dois membros do conselho de administração, nomeados pela Aicep e pelo Turismo de Portugal, respetivamente), de estarmos de facto num conselho de administração (CA) muito alinhado. A nossa experiência é muito diversa, vimos de várias áreas, não nos conhecíamos num registo profissional e da forma que se impunha. Tivemos os astros todos alinhados e hoje temos uma dinâmica que é extraordinária. Cada um vai aportando valor e há sempre a perspetiva de construir em conjunto. Tivemos a sabedoria, contactámos todos os anteriores CA da Portugal Ventures porque, quando entrámos, houve algumas decisões que foram tomadas no passado e que não entendíamos. E tínhamos três opções: não entendemos, vamos passar à frente; não entendemos e criticamos; ou vamos tentar entender porque foram tomadas. E essa foi a principal preocupação.

Que decisões foram estas?

Algumas decisões de recursos humanos e outras não necessariamente de natureza estratégica. O que me parece interessante relevar foi esse esforço de reunir com três presidentes do conselho de administração da casa, colocarmos as questões, termos uma conversa completamente aberta com os três — o José (Epifânio da Franca), o Marco (Fernandes) e o Celso (Guedes de Carvalho) — e, em relação ao último CA, estendemos esta conversa aos outros dois membros. Com essas conversas, que ainda se mantêm, conseguimos criar uma história. Não sou pessoa de olhar muito para trás. Há três tipos de pessoas: as que fazem acontecer — e acho que me incluo nesse –, as a quem as coisas acontecem e as terceiras, que perguntam o que aconteceu. Eu gosto de perguntar o que aconteceu, mas acima de tudo quero fazer acontecer. Estamos a construir, para a frente é o caminho.

Rita Marques, CEO da Portugal Ventures desde abril de 2018, no escritório da gestora de capital de risco público, no Porto.Bruno Barbosa/ECO

Há uma mudança de postura da organização de dentro para fora?

A equipa estava cá. Não tem a ver com postura, mas com dar a conhecer às participadas que estas pessoas são as mesmas de sempre, sempre fizeram isto só que, se calhar, nunca foi dito de uma forma tão explícita. Agora fazemos questão que as pessoas ouçam. A Portugal Ventures sempre teve estes recursos: o que acontece é que temos estado nestas reuniões sempre os três mais o diretor de investimento e um técnico, e o que tentamos passar é uma imagem muito clara — eu também sou assim, faz parte da minha personalidade — de honestidade.

Queremos criar aqui um canal transparente, muito aberto e fluido, como se fossemos um qualquer acionista. Não podemos ser prima-donas, se estamos interessados no sucesso da participada, temos recursos limitados mas disponíveis para ajudar. E, se a participada entender esta mensagem, não tem outra alternativa senão aceitar, não faz sentido que não aceite. É este valor acrescentado que a Portugal Ventures pode introduzir, e que tem sido bem recebido: construir para cima e para a frente. Estou convencida de que, com esta atitude que, no geral, pode não ser muito diferente da do passado — porque não estamos a inventar nada, é o bom senso, o normal –, vamos ser bem-sucedidos. Estou plenamente confiante de que vamos conseguir fazer aquilo que se impõe.

Esta linha de pensamento contradiz, de alguma forma, a última campanha feita, que defendia uma Seeding Ambition baseada em mais e pequenos investimentos, em fases iniciais do negócio?

É uma evolução, não sou pessoa de cortes. Quando a PV apareceu, em 2012, e resultou da fusão das três entidades, o claim era Growing Global. Porque a grande aposta eram empresas com escala e com tração no mercado internacional, altamente inovadoras, disruptivas q.b.. Depois, também fruto das políticas, spray and pray, houve aqui um shift e foi essa a razão pela qual aparece o seeding ambition.

Acredito que, nesta altura, e como a nossa preocupação é ser complementares ao mercado, era manifestamente inadequado a PV continuar a contribuir para tickets pequenos de uma forma sistemática. Não quer dizer que não possamos fazê-lo de forma casuística. Mas há aqui uma preocupação: a razão pela qual a nossa call abre é para tickets de 300 mil a um milhão de euros. Isto não implica um corte com o passado, mas para manter e gerir uma entidade que é suficientemente ágil, e espero eu inteligente, temos de tentar ter aqui uma posição supletiva ao mercado. Todas as quintas feiras temos CA e não nos têm aparecido felizmente investimentos com valores de 100 mil euros. Estamos a aportar valor se investirmos esses montantes? É isso que vai fazer das empresas, amanhã, potenciais unicórnios?

"Nesta altura, e como a nossa preocupação é ser complementares ao mercado, era manifestamente inadequado a PV continuar a contribuir para tickets pequenos de uma forma sistemática.”

Rita Marques

CEO da Portugal Ventures

Isto também tem a ver com uma necessidade de impacto?

Não, tem a ver com esta preocupação de querermos mexer, acrescentar valor. E que, tendo em conta que há uma parte do mercado já coberta com tickets mais baixos, não faz sentido a não ser que sejamos chamados para entrar num investimento. E também tem a ver com o que se espera de uma capital de risco. E, retiro “o meu chapéu público”, o retorno financeiro é, de facto, aquilo que nos deve mover. Não só, porque temos o “chapéu público”, mas também.

Temos 19 fundos sob a nossa gestão, ativos líquidos na ordem dos 240 milhões de euros – 40 milhões da sociedade e 204 milhões dos fundos. E, quando gerimos alguns fundos e precisamos de novos, temos de dar sinais de que estamos preocupados justamente com a rentabilidade da nossa carteira, que é uma carteira pesada.

Das 105 empresas, temos três grandes grupos: as nossas estrelinhas douradas, que acho que vão chegar lá e que são potencialmente interessantes para rounds A, B, C, e com algum retorno interessante para nós e para os fundadores. Depois, um conjunto de empresas que se sustentam a elas próprias, que têm proveitos positivos mas que faturam há dois, três, cinco anos o mesmo, o que as torna interessantes da perspetiva de negócio mas não para uma sociedade de capital de risco. E depois, num terceiro caso, empresas que estão à tona da água, às vezes debaixo e às vezes em cima, com carência de investimento e nas quais temos de fazer um trabalho de casa muito bem feito para encontrarem um caminho. Porque, se não houver um caminho, temos de ser corajosos o suficiente para desligar.

Isto demora tempo, é um trabalho que está a ser feito. Portanto, o nosso portefólio, apesar de ser extenso — já chegámos às 154 — já foi reduzido. Temos também aqui necessidade de uma ginástica que, muitas vezes, não é fácil, mas temos de dar conta do recado.

Equipa da Portugal Ventures, liderada por Rita Marques, gere uma carteira de 105 participadas. Já foram 154, no início da gestora de capital de risco, depois de 2012.Bruno Barbosa/ECO

Entre os três grupos, quais são a maioria?

Diria que, felizmente, da última categoria temos poucas. Naturalmente temos algumas mas poucas.

Há outras que ainda estão na categoria intermédia, que podem parecer estrelas mas ainda não sabemos como. O produto é excelente, a tecnologia é excelente mas a questão é: o mercado sabe realmente apreciar isto?

Por isso é que eu falava dos independent board members que, para estas empresas de terceira categoria em que podemos ter de reformular o modelo de negócio não servem, mas para as outras duas, as estrelas e as com potencial, para as quais é muito importante a questão da tração ao mercado, escalar, vender, são. Estas precisam de crescimentos na ordem de dois dígitos percentuais ano, não podem ser só 2 ou 3%. E provavelmente, também têm de passar por uma diversificação de mercados: não pode ser só Península Ibérica, Inglaterra, Estados Unidos. Até também por uma questão de mitigação de risco.

Escalar a partir de Portugal é possível mas é preciso engenho, sabedoria e muito empenho. E quando os negócio já são per si rentáveis, a questão é termos uma pessoa suficientemente ambiciosa para levar a empresa para outro patamar. E aqui, é necessária a capacitação daqueles empreendedores que já estão a dirigir uma empresa de dois ou três milhões e que precisam de muito rasgo para a levar para outro nível. Mais uma vez, scale up, scale out. É diferente. O discurso do seeding fez sentido e talvez continue a fazer em determinados contextos. Neste momento, no contexto particular da PV, tendo em conta o ecossistema, que floresce, acho que temos de realinhar.

O caso da Chic by Choice inclui-se no terceiro grupo. Como está o processo da startup de aluguer de vestidos que teve de alterar o modelo de negócio?

Estamos a resolver o caso da Chic by Choice como o de outras empresas que estão a passar ou que passaram pelo mesmo. Há três saídas para as nossas empresas do portefólio: exit interessante — em que vendemos a nossa participação — liquidação ou insolvência. Quer o exit, quer a liquidação ou a insolvência, são casos que demoram. Na altura acompanhei como outsider o caso mas, quando entrei, verifiquei que temos outras empresas na mesma situação e estamos a tentar resolver. Há questões jurídicas, fiscais, financeiras. Temos tido um discurso muito construtivo por parte das founders e isto é muito importante nas outras participadas. Porque quando as coisas correm mal e, mais uma vez, por isso é que se chama capital de risco, temos de resolver a situação da melhor forma possível. E é muito bom termos até ao final um discurso profícuo com os founders. Porque, para eles, não deve haver dor maior do que não passar pelo exit e ir para a liquidação ou insolvência.

O caso da Chic by Choice está a ser tratado fiscalmente, financeiramente e juridicamente, para encerrar a empresa. É esse o desfecho, que para nós é normal, por isso é que é uma capital de risco. A infelicidade deste caso foi a questão mediática. Até é injusto porque elas, tendo sido identificadas como empreendedoras de referência, essa distinção continua a ser válida. Elas continuam a sê-lo. Não é pelo facto de ter havido este desfecho que deixam de ser. Continuam a ser altamente válidas e acredito que estas pessoas que passaram por aqui, que foram nossas participadas, que vieram trazer ideias interessantes e que nos convenceram a investir nelas, continuam a merecer estes prémios.

Que características têm estes empreendedores?

Somos privilegiados, porque não atuamos em todo o ecossistema. Podemos contribuir para as políticas — por exemplo, para estas que foram apresentadas na segunda-feira — mas o nosso campeonato não é esse. Por isso estamos a jusante. Uma sociedade de capital de risco não investe em ideias com esse grau de maturidade, estamos a falar de um campeonato mais sério. Destacaria uma característica: o otimismo. Durante muitos anos o mais fácil era trabalhar por conta de outrem. Hoje as pessoas já são suficientemente otimistas e acreditam que há solução para além disso. E procuram constituir a sua própria ideia ou empresa.

"Às vezes o que é difícil nestes casos é dizer que as ideias não têm viabilidade. Há otimismo mas as pessoas precisam de algum espelho.”

Rita Marques

CEO da Portugal Ventures

O nosso principal problema é que, às vezes, temos excesso de otimismo: aparecem-nos ideias que não têm ponta por onde se pegue e os fundadores ficam muito aborrecidos porque a PV diz que não. Temos outro problema que é o alinhamento de expectativas: hoje em dia ninguém tem vergonha de dizer que é empreendedor e que criou uma empresa, porque podem não estar a ganhar dinheiro hoje mas acreditam que daqui a seis meses podem estar. Isso vê-se nos pitch que ouvimos. Às vezes o que é difícil nestes casos é dizer que as ideias não têm viabilidade. Há otimismo, mas as pessoas precisam de algum espelho. E as pessoas têm de interpretar a mensagem, da PV e de outros, como sendo construtiva. E isso falta um pouco ao ADN português. Saibamos nós explorar esse otimismo e transformá-lo em negócio. O otimismo é um bom indutor para chegarmos lá.

Há menos de um ano, a Portugal Ventures disse estar interessada em captar coinvestimentos com fundos estrangeiros. Continua a ser uma prioridade?

É uma prioridade de todas as sociedades de capital de risco. Esse objetivo continua no nosso radar. Agora, é difícil.

Essa dificuldade pode estar relacionada com uma questão de credibilidade de Portugal enquanto mercado de investimento?

Exemplos como a Farfetch ou a Outsystems, um caso de sucesso em que a PV esteve, não contam só por si uma história, precisamos de mais casos de sucesso… Por isso, estava a falar das estrelinhas douradas. Continuo a acreditar que a estratégia que se vai desenvolver da PV passa pelos participantes internacionais, mas temos outras áreas igualmente importantes que fazem parte da estratégia.

Neste momento, com 105 empresas no portefólio, temos de ter uma preocupação grande em acompanhar estas empresas e garantir exit interessantes. Em paralelo, temos o objetivo de rejuvenescer os nossos fundos. A PV necessita de ser capitalizada, estamos a trabalhar com 19 fundos e, a maior parte deles são fundos velhos, maduros, que exigem que, a muito curto prazo (entre oito e dez anos) tenhamos de sair das participadas que estão penduradas nesses fundos. E estamos nessa altura, e a questão do desinvestimento é manifestamente importante porque faz parte do negócio.

Se as soluções passam por ter participantes nacionais e/ou internacionais, diria que estamos a trabalhar nas duas frentes. A probabilidade de termos participantes nacionais nos nossos fundos é muito mais elevada nesta altura. Não quer dizer que a nossa energia não esteja nos participantes internacionais. Agora, para termos participantes internacionais, temos de ter mais alguns casos de sucesso para contar.

De que novas participadas andam à procura?

Neste momento, estamos a fazer esta onda de extroversão a todas as participadas. Temos de conhecer porque estar a ajuizar sobre um parecer e sobre novas necessidades é difícil com um relatório. E, por muito bem que venha preparado pelos técnicos, o papel é opaco. Estamos a conhecer todos os founders e a construir. Mas volto mais uma vez à gestão de expectativas: temos de ser suficientemente transparentes com as nossas participadas e, se não tivermos nós, PV, recursos para acompanhar, ou se não for nossa prioridade, temos de contribuir para a solução.

Os recursos limitados obrigam-nos a ser mais focados. Em matéria de investimento, quando é uma equipa mista, de vários perfis, apreciamos, além de tudo, a nível individual, a dinâmica entre todos. A verdade é que algumas vezes o insucesso das empresas tem a ver com desentendimentos. Não temos psicólogos mas isso nota-se muito, também se fareja. Tentamos apreciar tudo isso mas há coisas que não se podem escrever nos pareceres. E é o que mais me custa. Muitas vezes ligo às pessoas para explicar o que não foi explicado por escrito. Acho que isto é humanizar o negócio: esta questão de ligar, de estarmos aqui para construir juntos, falar e dizer algumas coisas, essa informalidade é muito positiva.

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