Pedro Silveira está no setor imobiliário há mais de 30 anos. Fala na dificuldade em obter licenças, na elevada carga fiscal e aponta o dedo ao Estado quando o tema são as casas com rendas acessíveis.
Está a levantar um dos maiores projetos imobiliários da capital — num investimento de mais de 200 milhões de euros, mas que não está ao alcance da classe média. Pedro Silveira herdou do pai o “olho” para o mercado imobiliário e, sobre estes 30 anos de experiência, fala na dificuldade em obter licenças camarárias e na elevada carga fiscal para os promotores. Não se revê como especulador imobiliário e afirma mesmo que a falta de casas com rendas acessíveis é culpa do Estado, que podia fazer mais pela classe média e tornar a construção das habitações mais rentável para os promotores.
Como é que o mercado imobiliário vai evoluir?
O imobiliário sobe sempre e a história mostra isto. Não a história dos últimos 30 anos, mas dos últimos 300 anos. E o resultado inevitável — e sublinho mesmo inevitável — é que os preços sobem. Isto até pode vir a ter uma correção daqui a dois, três ou cinco anos, mas depois daqui a dez ou 15 anos já está outra vez em cima.
Já se começa a notar um arrefecimento?
Não sei se é assim tão líquido que se esteja a notar um arrefecimento. Penso que ainda é um bocado cedo. Mas também não prevejo que os preços continuem a subir nos próximos anos como subiram nos anos passados. Nos últimos três anos subiram muito e não prevejo, de todo, que nos próximos três continuem a subir da mesma maneira e podem até vir a estabilizar. Se se chama a isso um arrefecimento, então pronto. Agora, do ponto de vista do volume de negócio, no próximo e no ano a seguir, multiplicando isso pelos valores em causa, não sei se vai haver um arrefecimento.
Se efetivamente houver um arrefecimento de volume e de preço, daqui a dois ou três anos, quando for, não tenho dúvidas nenhumas que depois desse momento mais baixo do mercado, voltará a haver uma nova subida.
Porque foram precisos mais de 20 anos para arrancar com o Rivart, o projeto em Alcântara? É fácil conseguir licenças em Lisboa para projetos destas dimensões?
Isto foi, essencialmente, um problema de políticos. O Rivart é um projeto no qual começámos a investir em 1993: comprámos um terreno em hasta pública e o projeto dizia que podíamos construir, sujeito à aprovação do Plano de Alcântara. Plano esse que já estava em curso e que se esperava que ficasse aprovado dentro de um ano. Fomos os “totós” que olhámos para aquilo e pensámos que, no prazo de um ano, podíamos começar a construir. Na altura pagámos mais de 450 mil contos, mais de dois milhões de euros.
As pessoas em Portugal podem não cumprir os prazos legais e não lhes acontece nada. O que é completamente injusto para quem está do lado de cá.
O leilão foi em novembro de 1992 e a escritura em fevereiro de 1993. Ao fim de um ano não havia nenhum plano de Alcântara e, em 1994, começámos a questionar a Câmara de Lisboa sobre o plano, ao que nos disseram que tinham de acabar o Plano Diretor Municipal (PDM) até ao final desse ano. Foi então que a autarquia nos sugeriu que comprássemos mais terrenos para, então, poderem fazer um plano só para nós. Então fomos às compras e a nós juntou-se o LxFactory, a Catumbel, a Santa Casa da Misericórdia e a Stone Wise. Acabámos por ter ali 43.000 metros quadrados e, com isto, lá se justificou que a Câmara fizesse um Plano de Pormenor. Mas que também demorou a ser aprovado, essencialmente por um problema de políticos.
As pessoas em Portugal podem não cumprir os prazos legais e não lhes acontece nada. O que é completamente injusto para quem está do lado de cá. E depois há sempre aquela noção de que o imobiliário dá muito lucro e que os patos bravos do imobiliário e do betão só pensam em cimento e, portanto, é muito fácil deitar-nos abaixo.
Dada a falta de oferta de escritórios, o vosso projeto vai ajudar a colmatar esta falha?
Os escritórios vão ter muita procura. Tivemos de retomar contactos, porque o projeto esteve durante um certo período reservado em termos contratuais para o BNP Paribas, mas isso acabou. Eles não quiseram dar continuidade ao contrato. Tínhamos um prazo para aprovar as coisas e, infelizmente, não se conseguiu por causa dos problemas que já enumerei. E como não se conseguiu, eles tinham logo de pagar ou desistir. E preferiram não pagar, portanto, os contratos acabaram. Já estávamos sozinhos nisto, iríamos deixar de estar sozinhos se eles entrassem. Agora não posso dizer que temos interessados concretos para ocupar, mas estamos muito confiantes.
De onde vêm os 200 milhões que serão investidos no Rivart?
Vêm da banca. Recorremos a empréstimos para construir.
O Estado avançou com alguma espécie de incentivo?
Não, nunca pedi um euro ao Estado. O Estado já recebeu cerca de sete milhões de euros em taxas e compensações, mais dois milhões em Imposto Municipal sobre Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT) e agora vai receber mais uns quantos milhões em IVA da construção.
Qual o peso desses encargos, tendo em conta a dimensão do projeto?
A carga de impostos no imobiliário é enorme, gigante. O imobiliário tem uma característica que não dá para fugir. Podemos fugir com dinheiro, diamantes ou ouro, mas não com terrenos. Ainda por cima, estando registados na Conservatória. Portanto, em termos de taxar imobiliário, somos uma presa fácil. O imobiliário é altamente carregado em termos de impostos.
Relativamente a este projeto em Alcântara, quanto é que já foi pago ao Estado?
Só de IVA são 32 milhões de euros, de IMT são mais 2,145 milhões de euros e de IMI, destes 20 anos, foram cerca de sete milhões de euros. De taxas e compensações mais 7,2 milhões e de IRC são cerca de 20 milhões. Tudo somado, este projeto vai gerar cerca de 80 milhões de euros em impostos. E quando as pessoas comprarem as casas ainda vão pagar o IMT, que vai totalizar cerca de 100 milhões em impostos. Até agora já foram cerca de 16,5 milhões de euros em impostos pagos ao Estado. Em termos absolutos é muito dinheiro.
Tudo somado, o Rivart [projeto em Alcântara] vai gerar cerca de 80 milhões de euros em impostos para o Estado. E quando as pessoas comprarem as casas ainda vão pagar o IMT, que vai totalizar cerca de 100 milhões em impostos. Em termos absolutos é muito dinheiro.
Se é mais do que deve ser? Não queria pronunciar-me sobre isso, porque acredito que os impostos têm de ser vistos como um todo. Mas, pessoalmente, de uma forma geral, penso que o Estado português não é tão eficaz como outros Estados. E vejo que há ineficácias e essas têm de ser pagas com mais impostos.
Acredito que se poderia reduzir a carga fiscal de outra maneira. E não quero dizer para tirar dinheiro aos pensionistas ou à Saúde, antes pelo contrário. Mas acredito que os impostos podiam e deviam ser mais baixos em Portugal. E em áreas concretas como o imobiliário, creio que deveria haver benefícios fiscais para certos tipos de projetos que não fossem só as igrejas. Como por exemplo lares de idosos, escolas, casas de abrigo e habitação acessível.
Como olha para as medidas que estão a ser anunciadas pelo Estado para fomentar o acesso à habitação?
Não as conheço profundamente, mas, do pouco que sei, penso que vêm no bom sentido. Para mim só pecam por vir tardiamente, porque já podiam ter sido pensadas há 20 ou mais anos. E há muitas outras medidas que podiam ser anunciadas.
Como por exemplo?
Se o Estado tem imensos terrenos, está nas mãos do Estado baixar o preço das casas em 60%, porque podia dar os terrenos de graça, para construção acessível e não cobrar impostos. Porque é que o Estado em vez de dar os terrenos para se fazer isso, vende os terrenos em hasta pública pelo maior preço possível? Para mim, o Estado está a dar um sinal de que prefere encaixar dinheiro do que libertar terrenos para se poder construir casas baratas para quem tem pouco dinheiro para comprar casa. Há muitas políticas, e só não vê quem não quer, que não são feitas porque o Governo não está para aí virado.
Acredito que se não há casas baratas, é porque o Governo não tratou de fazer com que houvesse. É só por isso. Se as pessoas não põem dinheiro em casas acessíveis é porque não é um bom negócio. E não se pode pedir às pessoas para porem dinheiro onde não é um bom negócio. Pensar que isso vai acontecer é uma estupidez maior do que o universo. E pensar que o Estado tem dinheiro para pôr onde não é um bom negócio é outra estupidez colossal, porque o Estado também não tem dinheiro.
Se não há casas baratas, é porque o Governo não tratou de fazer com que houvesse. É só por isso. Se as pessoas não põem dinheiro em casas acessíveis é porque não é um bom negócio.
Então como é que se resolve o problema?
Mudando as regras do jogo para que aquilo passe a ser um bom negócio. E depois aparecem as casas. Mas aparecem na hora! Consigo canalizar mais de 500 milhões de investimento para casas de baixo rendimento, desde que isso seja um bom negócio. E isso pode ser um bom negócio se houver um conjunto de vantagens fiscais, ou melhor, se não houver uma carga fiscal tão grande num tipo de negócio que não a consegue suportar.
Não faz sentido nenhum pagar não sei quantos milhares de impostos para ter uma casa barata. Esse tipo de produto e de segmento não pode ter essa carga fiscal, porque se tiver deixa de ser rentável. E depois toda a gente se queixa dos especuladores imobiliários, mas não tem nada a ver com isso. Isto tem a ver com uma inépcia total do Governo de legislar de forma inteligente para resolver o problema.
Ou seja, se não houvesse tantos impostos, poderia haver mais promotores a fazerem casas com rendas acessíveis?
Não é poderia. É havia! De certeza absoluta. É óbvio que, no terreno, o Governo não tem capacidade para resolver esse problema. E se nesta legislatura o Executivo fizer 1.000 casas, que não servem para as necessidades que existem, abro uma garrafa de champanhe. Aposto o que quiser que o Governo não vai construir 1.000 casas em quatro anos. Isto é só “blá blá blá”. Portanto, o que o Governo tem de fazer é criar condições para que a iniciativa privada se interesse por isso e para que passe a ser atrativo. E aí as casas com rendas acessíveis vão aparecer como os cogumelos. Não é preciso ser um Einstein.
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