“Queremos comprar um pequeno banco em Portugal”

Após adquirir um banco, uma corretora e muitas outras empresas no Cazaquistão e nos EUA, Timur Turlov, CEO da Freedom, pretende comprar um banco em Portugal para elevar o crescimento na Europa.

Timur Turlov nasceu na Rússia há 36 anos, mas é o Cazaquistão que identifica como sendo o seu país. Não é por acaso. Além de ter cidadania cazaque desde 2011 e discordar da política atual do Kremlin, foi neste país asiático que Timur fez crescer a sua Freedom Holding, que fundou em 2008 antes de terminar o curso universitário de Economia por via de uma audaciosa estratégia de aquisição de empresas de diferentes setores.

Hoje, a Freedom negoceia na bolsa tecnológica do Nasdaq, em Nova Iorque, com uma capitalização bolsista de quase 4 mil milhões de euros e está presente em mais de uma dezena de países. “Adquirimos muitas startups no nosso país por um preço muito, muito razoável e ajudámos a construir estas startups durante os últimos cinco anos e depois integrámo-las com sucesso, sem perturbar a sua atividade”, refere Timur ao ECO numa entrevista em Nova Iorque.

Portugal é um dos países europeus onde a Freedom marca presença através da sua corretora Freedom Finance Europe (registada no Chipre) e da plataforma de negociação de ativos financeiros para pequenos investidores, a Freedom24. No entanto, a reduzida exposição de Portugal no portefólio da empresa de Timour, que nos últimos cinco anos comprou várias companhias no Cazaquistão e nos EUA, pode mudar em breve com a intenção da Freedom adquirir um banco português no próximo ano.

“Já analisámos o mercado e outros elementos para perceber o que é necessário para obter uma nova licença ou adquirir um pequeno banco no país, para construirmos a mesma plataforma que fizemos no Cazaquistão“, refere o fundador e CEO da Freedom Holding, que até já conta com uma autorização de residência em Portugal.

Quais são os planos da Freedom para Portugal este ano?

O número de clientes [da Freedom24] está a crescer. Estamos a tornar o nosso marketing mais eficiente. Estamos a tornar a nossa plataforma mais robusta e melhor para os nossos clientes em português. Estamos felizes por poder fornecer um ótimo conteúdo para os nossos clientes e traders na nossa plataforma. Feeds de notícias, pesquisa, tudo disponível em língua portuguesa, por exemplo, o que também está a impulsionar o nosso crescimento. Estamos também a tentar melhorar os nossos modelos de inteligência artificial para traduzirem, em tempo real, notícias de ‘última hora’ para permitir aos nossos clientes em português aceder a notícias sobre empresas dos EUA em língua portuguesa.

Mas o crescimento da Freedom em Portugal será apenas em torno da Freedom24 ou vão fazer o mesmo que fizeram no Cazaquistão, onde cresceram através de uma estratégia muito audaciosa de aquisições de empresas em diferentes setores?

Temos um grau de maturidade diferente do nosso negócio em diferentes países. No Cazaquistão, o nível das nossas operações é mais maduro. Na Europa, é como se tivéssemos sob uma licença de corretagem, mas estamos a servir pessoas do retalho e queremos muito adquirir um banco.

Quer comprar um banco em Portugal?

Sim, talvez no próximo ano.

Tivemos algumas conversas preliminares com os reguladores sobre os requisitos que temos de apresentar para operar no mercado como um banco (…) mas ainda não começámos o processo de identificar especificamente qual a instituição que pretendemos adquirir.

Já tem algum banco português em vista?

Já analisámos o mercado e outros elementos para perceber o que é necessário para obter uma nova licença ou adquirir um pequeno banco no país, para construirmos a mesma plataforma que fizemos no Cazaquistão para que, além de sermos um corretor, podermos também gerir poupanças, fazer pagamentos, conceder crédito, tudo o que um banco pode fazer.

Já tiveram alguma conversa com banqueiros portugueses ou com pessoas ligadas a algum dos potenciais bancos que pretendem adquirir?

Não, ainda não. Fizemos algumas pesquisas sobre quem está à venda, como é que o balanço desses bancos parece. Tivemos algumas conversas preliminares com os reguladores sobre os requisitos que temos de apresentar para operar no mercado como um banco, como funciona este processo de obter aprovação em Portugal, mas ainda não começámos o processo de identificar especificamente qual a instituição que pretendemos adquirir.

Quando pretendem avançar com a compra de um banco português?

Provavelmente no próximo ano. Nessa altura estaremos mais preparados do que agora.

Os reguladores, tal como nós, também não estão muito felizes com todo este ruído em redor da Freedom que aconteceu após as alegações do relatório do Hindenburg Research.

Que dificuldades esperam encontrar neste processo que possam dificultar ou bloquear a concretização do negócio?

A maior dificuldade será obter a aprovação regulatória no período atual, porque mesmo que possamos avançar com negociações com diferentes players, esse não será o maior problema. O maior problema será obter aprovações regulatórias.

Como assim?

Os reguladores, tal como nós, também não estão muito felizes com todo este ruído em redor da Freedom que aconteceu após as alegações do relatório do Hindenburg Research. E, por isso, precisamos de algum tempo também para deixar a ‘poeira assentar’, mesmo que já tenhamos provado que somos inocentes neste caso.

Mas não são apenas as alegações de manipulação do mercado e atividades ilegais por parte da Hindenburg Research. A Freedom também está a ser investigada pelo Departamento de Justiça dos EUA e pela Comissão do mercado de capitais dos EUA (SEC) por questões de conformidade, movimentos de ações com informação privilegiada e uma filial offshore ligada a indivíduos sancionados.

É a mesma campanha, são as mesmas pessoas da Heisenberg que fizeram o pitch na CNBC durante esse período de tempo. E este artigo da CNBC apareceu um mês depois da publicação do relatório.

Acha que isto aconteceu por a Freedom ser uma empresa sediada no Cazaquistão?

É complexo, mas se fossemos uma empresa da Alemanha, do Reino Unido ou dos EUA era mais difícil que estas alegações acontecessem. E isto acontece porque ninguém espera que algo forte viesse da parte do mundo onde estamos, além de o mundo também não ter a melhor perceção sobre esta região. Mas é claro que ouço a crítica quando dizem que há muitas deficiências nas nossas divulgações e nos nossos relatórios.

E o que têm feito em relação a essa matéria?

Devemos tornar as nossas divulgações e relatórios ainda mais transparentes, para que se especule menos sobre estas questões. A nossa empresa tem muito a melhorar para que as opiniões sejam menos especulativas e para que qualquer especulação pareça menos visível agora. Aprendemos muitas lições com isso, o que nos levou a construir uma empresa mais forte, enfrentando esta alegação e corrigindo agora algumas divulgações, tentando explicar melhor como fazemos as nossas coisas.

Em que ponto está a investigação das autoridades norte-americanas às operações da Freedom?

Não sei porque nunca ouvi nada do Departamento de Justiça. A nossa empresa não ouviu nada sobre o assunto.

Os governos europeus não são tão abertos a deixar, por exemplo, os bancos acederem à maioria das bases de dados. Mas acredito que finalmente encontrámos o caminho certo para conseguir a confiança das autoridades europeias.

Nunca foram notificados pelo Departamento de Justiça dos EUA nem pela SEC?

Não, nunca. Até tentámos contactá-los, mas também não obtivemos feedback sobre o assunto. É tudo muito estranho nesta “investigação”, até mesmo sequer se ela existe mesmo. Parece que as autoridades apenas receberam alguma denúncia de um delator que, possivelmente, terá feito com que obtivessem o relatório da Hindenburg e as autoridades estejam a verificar se existe alguma violação da nossa parte.

Mas não são apenas estas acusações de práticas indevidas que podem dificultar a expansão da Freedom em Portugal e em outros mercados europeus. A Freedom é cada vez mais uma empresa de dados e não apenas uma empresa financeira, que tem crescido através da aquisição de empresas de diferentes setores e usando os dados dos clientes de cada uma para apoiar as outras. Não acha que vão ter grandes problemas em Portugal e noutros países europeus com esse modelo de negócio, numa altura em que Bruxelas está a dar passos mais largos sobre a proteção de dados pessoais?

Estou certo de que esta é a forma de sobreviver e competir neste mundo. É muito difícil sobreviver como uma empresa independente. Mas ao ter acesso a muitos dados pode-se diminuir o custo de aquisição de clientes, tornar o cliente mais fiel, chegar com as ofertas certas no momento certo. No Cazaquistão, na verdade, começamos a beneficiar disso. Temos um custo de aquisição de clientes mais baixo.

Espera ter a mesma porta aberta na Europa que teve no Casaquistão ou antecipa muitas dificuldades?

Os governos europeus não são tão abertos a deixar, por exemplo, os bancos acederem à maioria das bases de dados. Mas acredito que finalmente encontrámos o caminho certo para conseguir a confiança das autoridades europeias, também mostrando que tipo de resultados podemos alcançar tendo esse acesso e como realmente podemos gerir toda a cibersegurança.

De que forma espera convencer as autoridades europeias?

Por exemplo, no nosso processo de decisão de crédito, nenhuma pessoa revê as candidaturas dos clientes. É processado automaticamente pelos nossos algoritmos. Mesmo o nosso pessoal não tem acesso a esses dados. São apenas os algoritmos a analisar os dados e a tomar decisões e as pessoas não estão envolvidas, nem mesmo no acesso a esses dados como uma operação usual do banco faz.

A ideia é que o número de pessoas envolvidas no processo de crédito e outras operações se torne cada vez menor?

Sim. Estamos a manter e a processar muitos dados, mas estamos a tentar processar os resultados sem qualquer envolvimento de pessoas neste processo. Agora, no nosso banco, muito menos pessoas têm acesso real aos recursos de dados pessoais do que antes, porque não é preciso pessoas para processar dados. Isso mantém um nível ainda mais alto de confidencialidade. Talvez isso pudesse ser outro ângulo, que podemos discutir com os reguladores na Europa para discutir como toda a economia pode beneficiar do acesso, e como podemos gerir toda a cibersegurança necessária e proteção de dados para encontrar o equilíbrio certo.

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