Salário na Siemens Portugal "não é ponto crítico" na gestão do talento. É um ponto que a empresa "vai gerindo", com a convicção de que não quer perder as pessoas que formou, relata Pedro Henriques.
Há quase 120 anos em Portugal, a Siemens paga um salário médio 78% acima do ordenado médio registado na globalidade do mercado de trabalho português. E um salário mínimo mais de 20% acima dos 820 euros definidos como limite mais baixo a nível nacional. Os ordenados não são um “ponto crítico” nesta multinacional. Antes, vão sendo geridos, com a convicção de que a Siemens quer ser competitiva e não perder o talento que está formar. O cenário é adiantado pelo responsável pelo departamento de recursos humanos.
Em entrevista ao ECO, Pedro Henriques não disfarça, contudo, a crítica ao enquadramento fiscal português, atirando que só um terço dos aumentos salariais chegam efetivamente à carteira dos trabalhadores.
Por outro lado, o responsável defende a importância de adotar novos modelos de trabalho, de valorizar os trabalhadores e de adaptar os processos e políticas às novas gerações. “A geração Z não quer muita burocracia. Tem pouca paciência para muitos níveis hierárquicos“, avisa.
De olhos no futuro, Pedro Henriques acredita que a Siemens continuará a recrutar 300 profissionais ao ano em Portugal e assegura que a abertura de dois novos hubs ainda está em cima da mesa, ainda que seja prematura avançar (para já) detalhes.
Esta terça-feira, dia 10 de setembro, a Siemens promoverá o Siemens Tech Day, em Carcavelos, um evento (aberto ao público) no qual se debaterá alguns dos temas que Pedro Henriques aborda nesta conversa com o ECO, nomeadamente a relação das gerações mais jovens com o trabalho, a atração de talento e a forma como a tecnologia está a mudar o mundo laboral.
A Siemens Portugal lucrou, no último ano, cerca de 32 milhões de euros, dos quais 16 milhões de euros acabaram por ser distribuídos pelos trabalhadores. Numa altura em que tanto se fala na dificuldade de reter talento, que peso têm estes prémios na fidelização dos profissionais?
Com certeza que tem peso do ponto de vista económico, mas tem também muito do ponto de vista da mensagem. Só conseguimos atingir os resultados que atingimos com os colaboradores. Pensamos que o colaborador tem de ter uma parte do resultado. Estamos todos a fazer um percurso conjunto. Não é a gestão, nem a administração que fazem esse percurso. Somos nós, os 4.000 colaboradores que trabalham na Siemens em Portugal.
Sente que estes prémios são valorizados, por exemplo, quando estão em recrutamento?
No recrutamento, é relevante, mas é mais para quem está a fazer o percurso. No recrutamento, quero perceber como é a empresa, quais são os seus valores, qual é o propósito, como é que trabalha a sustentabilidade e os temas da diversidade e da inclusão. A geração Z foca-se muito nestas questões.
Antes de irmos às gerações mais jovens, permita-me insistir na questão da retenção de talento. Nos últimos anos, têm sentido maior rotatividade entre os vossos trabalhadores?
A rotatividade é grande, mas temos conseguido gerir e reter aqueles que pretendemos reter, principalmente com uma cultura na qual as pessoas percebem que gerimos [o talento] ouvindo muito, com autonomia e com responsabilidade.
Claro que a partilha do bónus é relevante, mas há um conjunto de outras práticas. Temos que nos preocupar com as pessoas. Não é fazer parangonas. As pessoas percebem.
Portanto, de forma sucinta, quais têm sido as vossas principais estratégias para evitar a saída de trabalhadores e reter talento?
Tudo o que são temas ligados à sustentabilidade, diversidade, partilha, autonomia, e conciliação da vida pessoal e profissional são críticos. São absolutamente cruciais. Claro que a partilha do bónus é relevante, mas há um conjunto de outras práticas. Temos que nos preocupar com as pessoas. Não é fazer parangonas. As pessoas percebem.
Por exemplo, em relação à conciliação entre a vida pessoal e profissional, o que é que têm feito na Siemens? Que políticas concretas têm?
Por exemplo, temos um regime híbrido. Cada um tem seu modelo de negócio e a sua forma de atividade, mas vejo empresas ainda reticentes. Ter um regime de trabalho híbrido é uma grande mais-valia. A cultura da empresa faz-se sabendo equilibrar [o presencial e o remoto]. Quem não souber balancear as duas, julgo que está condicionado para o futuro da gestão.
Diz que vê empresas reticentes. Estão a ter uma visão obsoleta do que é o trabalho?
O trabalho está a evoluir muito rapidamente e algumas pessoas, ao nível da gestão, não estão a evoluir a essa velocidade. Há modelos de trabalho que funcionaram durante décadas, mas que, com a introdução do elemento digital nos últimos dez ou 15 anos, a mentalidade mudou. Ou entendemos o novo ou vamos ter dificuldades. Frequentemente, nas empresas, os níveis hierárquicos [mais perto do topo] têm um nível etário mais elevado, mas a maneira como é percecionada a geração Z é crucial, se queremos olhar para a empresa do futuro.
No caso da Siemens, que desafios trazem os profissionais da geração Z? O que está a mudar com esta geração?
Por exemplo, o que fazemos em termos de sustentabilidade e como ajudamos a que este planeta seja melhor são temas que, se calhar, há 20 anos eram relativamente pouco relevantes, mas hoje são cruciais. Como é que tratamos a diversidade, a equidade e a inclusão? Não são temas complementares, são nucleares. As pessoas querem trabalhar em empresas para as quais percebem o propósito, nas quais veem práticas abertas de diversidade e preocupações com a sustentabilidade e com a comunidade. É muito mais fácil recrutar com este enquadramento. Neste momento, 16% dos colaboradores da Siemens pertencem à geração Z. Mas vai crescer 10% ao ano. Significa que daqui a quatro ou cinco anos, 50% da empresa será da geração Z.
A geração Z não quer muita burocracia. Tem pouca paciência para muitos níveis hierárquicos. Tem pouca paciência para processos mastigados e controlados.
Em 2030, o que terá mudado na forma como trabalham por efeito desta nova geração?
A geração Z quer resultados mais imediatos, perceber bem o que é que faz, perceber o seu propósito e perceber como está a servir a comunidade. Não quer muita burocracia. Tem pouca paciência para muitos níveis hierárquicos. Tem pouca paciência para processos mastigados e controlados. Quer ver resultados à velocidade do digital.
É mais difícil, portanto, liderar estes profissionais?
É diferente. Não são miúdos, são tão colaboradores como nós e são eles que vão construir a empresa. Não têm experiência, vão adquiri-la. Ouvimos muito e não pensamos nunca que nós é que sabemos e eles não sabem. Eles sabem muitas coisas que nós não sabemos.
Agir de forma paternalista em relação a esta geração é ter visão curta face ao seu potencial?
É uma geração que quer autonomia, quer decidir por si.
Como é que, numa empresa com quatro mil trabalhadores, se consegue que haja essa autonomia individual?
Ponto central: temos de perceber todos qual é o destino, quais os objetivos. Se não houver prazos definidos e objetivos claros, vai haver dificuldade em dar autonomia. Se todos souberem por onde tem de ir, é mais fácil. Podemos combinar que nos vamos encontrar daqui a uma semana em Tóquio e não temos de ir todos no mesmo avião.
Já falamos de retenção. Olhemos agora para a atração. Como é que atrai novo talento para uma empresa que já tem quase 120 anos em Portugal?
Por exemplo, temos embaixadores nas universidades, que são pessoas que foram estudantes recentemente. Os alunos olham para os embaixadores e identificam-se. Não é com a empresa que tem 120 anos, é com o colaborador que tem três anos de empresa e até já a representa. Estivemos em 27 eventos no último ano, como feiras de emprego e conferências.
Portanto, a ligação direta à academia tem promovido o recrutamento de talento mais jovem. E o facto de serem uma empresa internacional, que tem oportunidades de mobilidade interna entre vários países, tem ajudado nessa atração?
Muito. A Siemens Portugal é a sexta região tecnológica do mundo Siemens. A Siemens está em 198 países, mas nós somos uma das seis regiões tecnológicas, porque temos um foco muito grande nos elementos digitais e na tecnologia. Temos muitas carreiras internacionais feitas em Lisboa. E temos um portal aberto, através do qual os trabalhadores podem concorrer para qualquer lado do mundo.
O nosso salário mínimo é mais de 20% acima do salário mínimo do país. Não é um ponto crítico. É um ponto que gerimos.
É frequente essa transferência entre equipas de vários países?
É. Em Lisboa, temos ganhado muito com os hubs. Dos tais 300 [novos trabalhadores] que crescemos ao ano, muitos são funções transnacionais.
Chegou a ser noticiado que seriam abertos mais dois hubs. Há novidades?
Estão em cima da mesa. O assunto não está fechado. Ainda é prematuro.
Quando teremos novidades?
Julgo que até ao final do ano, mas não quero firmar um compromisso, porque o assunto não está de facto comigo.
Voltemos, então, à atração de talento. É inevitável falar em salários. Que retrato é que faz dos ordenados que oferecem?
Não queremos pagar acima do mercado. Queremos pagar de acordo com o mercado, mas o mercado é o nosso, não são as médias nacionais. Pagamos aquilo que nos parece adequado para recrutar. Não nos podemos queixar, porque o nosso salário médio é 78% superior ao salário médio do país. Não chega a ser o dobro, mas é quase. O nosso salário mínimo é mais de 20% acima do salário mínimo do país. Não é um ponto crítico. É um ponto que gerimos.
Mas sentem o salário como uma vantagem no recrutamento?
Vamos ganhar vantagem [no recrutamento] quando as pessoas estiverem comprometidas, não é quando as pessoas tiverem vencimentos altos. Mas se não pagarmos os vencimentos, estamos mal. Queremos pagar adequadamente para a função, de forma competitiva. Não queremos formar pessoas e perdê-las a seguir.
Muitas empresas dizem que não conseguem pagar salários líquidos atrativos porque o IRS é muito pesado. Tem a mesma queixa?
Tenho. Se quisermos aumentar em dez euros um colaborador, no fim ele vai receber três euros. Portanto, o colaborador recebe um terço. Quase a dúvida que nos fica é: quanto é que temos de gastar para fazer um aumento que se veja no talão de vencimento, que é o que foi transferido para o banco no fim do mês de fevereiro.
Seria altura de ver um alívio robusto a este nível?
Há economistas mais habilitados, mas sei que é difícil ter competitividade internacional. Os quadros saem e um dos elementos que têm em conta é precisamente este.
Uma pessoa que pensa vir viver para Lisboa faz as contas à sua vida antes e a habitação pesa significativamente, como não pesava há dez anos.
Este quadro dificulta a atração de talento estrangeiro para o país?
Temos conseguido fazer o que queremos. Neste momento, temos 67 nacionalidades com contratos locais. Cerca de 20% dos nossos colaboradores são estrangeiros.
E a crise na habitação tem dificultado a vinda desse talento?
Dificulta, porque uma pessoa que pensa vir viver para Lisboa faz as contas à sua vida antes e a habitação pesa significativamente, como não pesava há dez anos. É um elemento importante, mas não tem sido um obstáculo definitivo.
Como é que têm contornado esse obstáculo?
Não é muito fácil. Tem muito que ver com as circunstâncias. Por exemplo, se a pessoa vem sozinha ou não.
Ajudam os vossos potenciais trabalhadores a encontrar casa?
Nalguns níveis de qualificação já afirmados, apoiamos na transferência para Lisboa. Há níveis de especialização realmente muito elevados. O nosso mercado, por vezes, tem limitações. Gostamos muito de admitir portugueses, mas gostamos do mesclado cultural.
Neste momento, tem quatro mil profissionais sob a sua alçada. Qual é o maior desafio de gerir tantas pessoas?
Percebê-las.
Como o faz?
Ouvindo muito. Inquéritos que fazemos. Desafiando a gestão a ouvir e a não ter premissas definidas à partida.
A equipa vai continuar a crescer? Qual é a perspetiva?
Queremos continuar a crescer. Pensamos que temos condições para manter este ritmo de 300 contratações ao ano.
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“Salário médio na Siemens é quase o dobro do ordenado médio em Portugal”
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