“Se sou eu a força de bloqueio frente ao Governo, eu saio. Nada me prende aqui”, diz Carlos Silva

Carlos Silva deu um murro na mesa e não se recandidatará à liderança da UGT, dizendo que se sente uma "força de bloqueio" frente ao Governo. Ao ECO, avança que o mal-estar começou logo em 2015.

Já chegou a defender as maiorias absolutas, mas hoje entende que, em democracia, é preferível que os partidos se sintam obrigados a encontrar parceiros e negociar. Em entrevista ao ECO, o secretário-geral da UGT identifica em António Costa exatamente essa qualidade — “é um negociador hábil” — mas alerta para uma “certa vontade” do primeiro-ministro e do PS de impor desígnios. “E isso é perigoso”, salienta Carlos Silva.

Sobre a sua relação com o Executivo, o sindicalista admite um mal-estar que se vem acentuando e cuja origem, revela, remonta a 2015, ainda nem tinha a Geringonça nascido. Foi esse reconhecimento de que é, atualmente, uma “força de bloqueio” frente ao Governo de António Costa que o levou a anunciar que não irá voltar a entrar na corrida à liderança da UGT, assegurando, ainda assim, que tem a certeza que o seu sucessor continuará a manter a autonomia da sua central sindical face às influências do PS.

Um vínculo partidário não é sinónimo de instrumentalização, garante e esclarece que, ao contrário do que muitos pensam — mesmo no seio do Partido Socialista — a UGT não é uma “correia de transmissão” do Governo.

Anunciou que, em 2021, deixará a liderança da UGT. Mas disse que não irá embora sem dar um murro na mesa. O que quer dizer mesmo com isso?

Tenho dado vários nos últimos dias. Já dei um murro na mesa e disse que não me recandidatava precisamente por entender que, sendo a UGT, uma central onde o PS tem uma forte implantação… o PS teve responsabilidades na sua criação em 1977 com Mário Soares e Salgado Zenha. No congresso do PS do ano passado, António Costa falou num dos momentos importante da história do PS, que foi o combate à unicidade sindical. Não explicou foi qual foi a consequência. O combate à unicidade sindical do PS teve duas consequências: a primeira, combater a hegemonia do PCP no movimento sindical; e a segunda, criar uma alternativa: foi a UGT com Salgado Zenha e Maldonado Gonelha. Mas [António Costa] não falou no assunto, talvez porque a UGT hoje seja incómoda. Muitos dos detratores nunca entenderam que a criação de uma alternativa permite mais democracia, mas esta ideia de pluralismo na democracia foi mal entendida por alguns no PS atual, que acham que sendo a maioria dos membros da UGT socialistas deveríamos ser uma correia de transmissão do Governo. Estão completamente equivocados aqueles que pensam isto.

Alguns [militantes] no PS atual acham que, sendo a maioria dos membros da UGT socialistas, deveríamos ser uma correia de transmissão do Governo. Estão equivocados.

E foi por isso que decidiu anunciar a sua saída da UGT?

Em face de tanto equívoco, não quero ser uma força de bloqueio da UGT. Portanto, dei um murro na mesa e disse que não me recandidato. Se a força de bloqueio sou eu, se sou eu que estou a criar dificuldades à central para se poder afirmar no panorama sindical português, para se espoletar um processo mais enriquecedor de negociação coletiva, de sindicalização, eu saio. Nada me prende aqui. Na política, os políticos gostam de estar porque têm salários, a maior parte deles, chorudos. Eu recebo do Novo Banco aquilo que receberia se lá estivesse a trabalhar, nos últimos 32 anos. Não recebo da UGT nem um tostão. Não tenho cargos públicos, não vou buscar dinheiro aos contribuintes, os portugueses não pagam o meu salário. Portanto, aqueles que pensam que éramos os fiéis mandatários no movimento sindical das instruções do PS ou do PSD estão completamente equivocados. Portanto, já disse que não estou de acordo com o Orçamento, sou contestatário ao logro que sentimos em relação à valorização dos salários. Sentimo-nos enganados, sentimo-nos desiludidos, porque o Governo na primeira reunião de Concertação Social, em novembro, fomos discutir um acordo sobre rendimentos; em dezembro, fomos discutir questões de competitividade. Percebemos imediatamente que havia aqui um volte face completo, de 180 graus.

Carlos Silva, secretário-geral da UGT, em entrevista ao ECO - 29JAN20

O facto de ter sido apoiante de António José Seguro condicionou a sua relação com o primeiro-ministro?

Nunca discuti com o primeiro-ministro atual e secretário-geral do PS estas matérias. Fiz o meu caminho, quando António José Seguro foi candidato. Perdeu, naquelas eleições. A partir daí, o secretário-geral foi quem foi sacralizado no Congresso…

Mas não ficou um mal-estar?

Um mal-estar pode sempre ficar, mas nunca me coloquei em bicos de pés, nem nunca disse ao secretário-geral do PS que não apoiaria o seu estatuto e função. Houve um acontecimento que poderá ter contribuído para este afastamento que foi o facto de, numa entrevista, em outubro ou novembro de 2015 — o PS tinha perdido as eleições, mas Jerónimo de Sousa disse que o PS só não governava se não quisesse — me terem questionado sobre qual seria a melhor solução para o PS. Disse que, na minha opinião, a melhor solução para o PS era António Costa procurar um entendimento com quem ganhou as eleições e fazer um entendimento com os partidos do arco da governação tradicionais. António Costa decidiu entender-se com o Bloco de Esquerda e com PCP. Ponto final. Claro que essas coisas são sempre mal entendidas, por uma determinada ala do PS. Não pensamos todos da mesma forma, somos um partido plural. Mas ficou algum incómodo e algum mal-estar, inclusivamente dentro da UGT, porque houve camaradas meus que não estiveram de acordo comigo.

É com este adiar de uma reunião formal e institucional com o primeiro-ministro, que se gerou um tremendo mal-estar. O primeiro-ministro, estou convencido, não tem nada contra a UGT.

E as questões dentro da UGT acabaram por ficar resolvidas?

Na altura, fiz um desafio interno. Se há coelhos na toca, façam o favor de vir cá para fora e o problema coloca-se já, convoca-se já um congresso antecipado e vamos a votos. Ninguém se apresentou. Foi um tiro de pólvora seca dentro da UGT. As coisas continuaram daí para a frente. Fui a congresso em 2017, fui candidato único a secretário-geral e ganhei o congresso. Mas estas questões com esta governação, sobretudo nos últimos meses, com a proposta de Orçamento, o virar as costas aos sindicatos, o não apostar no diálogo social, o fazer da Concertação Social um faz de conta e não querer resolver em diálogo, sobretudo na UGT, onde o Governo podia ter um conjunto de apoios, naturalmente que não pode merecer da nossa parte condescendência. E, portanto, o mal-estar acentuou-se e foi com essa acentuação que eu percebi, nos últimos meses, que havia também aqui mal-estar, sobretudo nas dificuldades de agendar uma reunião com o primeiro-ministro…

Sobre isso, o Expresso escrevia que desde novembro de 2015, que António Costa não se reúne com o líder da UGT. Confirma?

Confirmo.

E como é que foi vendo o adiamento sucessivo dessa marcação de reuniões?

Temos colegas meus que participam na comissão nacional do PS e na comissão política e alguns encontraram o secretário-geral várias vezes — o José Abraão, o Sérgio Monte — e abordaram estas questões. ‘Ah, vamos recebê-lo brevemente’. ‘Ah, um dia destes a gente marca uma reunião’. Até agora continuamos à espera. É com este adiar de uma reunião formal e institucional que se gerou um tremendo mal-estar. O primeiro-ministro, estou convencido, não tem nada contra a UGT. A UGT é um parceiro social…

Tenho notado uma certa vontade dentro do PS e no primeiro-ministro de alguma imposição. E isso é perigoso para a democracia.

Tem contra si, é isso?

É uma pergunta que tem de colocar a ele. Eu acho que sim, é a minha opinião, posso estar errado.

Se a UGT tivesse outro líder, as reuniões teriam sido marcadas e a central sindical teria ido mais longe?

Não sei. Com o dr. Pedro Passos Coelho fiz muitas reuniões sempre que foi necessário. É social-democrata, tive muitas divergências, até tive alguns episódios verbais que vieram nos jornais. Mas quando pedia uma reunião institucional, ele recebia a UGT. Claro que o primeiro-ministro recebe quem quiser, mas a verdade é que recebeu a CGTP na semana passada e acentuou ainda mais o mal-estar.

O timing foi intencional?

Claro que sim.

Foi uma “resposta” ao seu anúncio de que irá sair da UGT?

Quem não sente não é filho de boa gente e entendemos isso como uma resposta a este mal-estar que se tem acentuado. Portanto, iremos fazer pela vida e o Governo fará pela sua. Se o primeiro-ministro entende que não deve receber a UGT, ele é que tem de explicar. Não é por uma questão agenda.

Carlos Silva, secretário-geral da UGT, em entrevista ao ECO - 29JAN20

Disse que “não permite que o movimento sindical seja uma partidocracia”. Ao decidir sair do sindicato por estar amargurado com o PS, não está exatamente a deixar as relações partidárias dominarem a vida do sindicato?

Os membros da comissão executiva da CGTP comunista são todas do comité central. Não acha que há partidocracia em toda a Europa? O movimento sindical está intrinsecamente ligado — seja ele comunista, à esquerda, à direita — aos partidos políticos. A democracia não vive sem partidos, nem sindicatos. O que disse foi que não quero partidocracia na UGT para discutir aqui dentro as questões dos partidos. Imagine se o PS agora viesse, tipo marioneta, mexer os cordelinhos dentro da UGT. Isso nunca aconteceu nem com o João Proença, nem com o Torres Couto. Uma coisa é termos um vínculo partidário, outra coisa é respeitarmos a nossa autonomia, do ponto de vista sindical. As ligações partidárias não são, por si próprias, um vínculo manobrador ou instrumentalizador do movimento sindical. E agora, mais uma vez, a UGT prova que não depende do PS ou do PSD ou de qualquer partido para decidir a sua estratégia.

Mas caso se mantivesse na liderança da UGT, não manteria mais “influência” para poder conservar essa autonomia da UGT?

Mas eu não quero ser um obstáculo, nem para o PS — que sempre teve uma relação forte e estreita com a UGT — nem para os meus camaradas. De quem é o mal? É meu? Então vou embora.

Receia que a sua saída signifique uma redução da autonomia da UGT?

Não. Estou convencido que a UGT manterá a sua autonomia, a sua independência. Em relação ao futuro, qualquer camarada meu que me vier a suceder será sempre um líder de um grande sindicato da UGT. E os grandes sindicatos da UGT nunca fizeram fretes aos partidos.

Sobre a sua saída, que nome veria com bons olhos tomar o seu cargo atual?

Não vou revelar. Aqui não há lebres, isso é no atletismo.

Os grandes sindicatos da UGT nunca fizeram fretes aos partidos.

António Costa resiste na liderança do Executivo os quatro anos desta legislatura?

Acho que tem todas as condições, porque António Costa é um hábil negociador, não há dúvida. A verdade é que o poder, sem uma maioria absoluta, obriga o PS a negociar. Já defendi a maioria absoluta, mas realmente é preferível em democracia que os partidos políticos se possam entender e negociar e não haver imposições. Tenho notado uma certa vontade dentro do PS e no primeiro-ministro de alguma imposição. E isso é perigoso para a democracia. Portanto, nada melhor do que, em termos parlamentares, o PS e o Governo terem de se entender, seja à esquerda, seja à direita. Julgo que isso é enriquecedor. Agora há uma coisa que é complicada e que me preocupou: foi o facto de António Costa ter aproveitado a questão dos professores para dizer que se demitiria. Não esperava. Sei que isso foi um murro no estômago para milhares e milhares de trabalhadores neste país. Mas a verdade é que no dia 6 de outubro aqueles que levaram o murro no estômago deram uma quase maioria absoluta a António Costa e aqui há uma nítida falta de credibilidade de alternativa democrática.

A propósito, antevê que com a direita a ganhar força — agora que Rio saiu reforçado e que o CDS tem um novo líder — o Governo do PS será mais difícil?

Partidos fortes enriquecem o sistema democrático. Se os cidadãos devem, eventualmente, ficar preocupados é por causa da ausência de uma alternativa. Porque quando um Governo não está a governar bem poderá haver uma penalização que é a votação na alternativa. Houve um processo de convulsão do PSD e no CDS-PP, que não permitiu aos portugueses olhar para estes partidos com uma dose de confiança reforçada de termos alternativa.

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