“Seria muito negativo se não se preservasse o equilíbrio das contas públicas”

Vasco de Mello, presidente da Associação Business Roundtable Portugal, espera que "o taticismo político não se sobreponha aos interesses do país".

Vasco de Mello foi o escolhido para liderar a Associação Business Roundtable Portugal, que reúne 42 grandes empresas, durante os primeiros três anos. O mandato chega agora ao fim, com a eleição esta segunda-feira de uma nova direção. Para o futuro, recomenda que o país não se desvie da consolidação orçamental – “Seria muito negativo se não se preservasse o equilíbrio das contas públicas” – e defende mesmo a existência de excedentes que permitam liberdade de atuação em momentos de crise.

O também presidente do conselho de administração do Grupo José de Mello, vê vários temas em que “há uma grande sintonia de posições” entre o PS e o PSD e que “não é positivo querer-se encontrar diferenças onde essa sintonia existe”. Deixa, por isso, o desejo de que “o taticismo político não se sobreponha aos interesses do país”.

A Associação Business Roundtable Portugal (BRP) foi criada com o propósito de acelerar o crescimento das empresas e da economia. Vasco de Mello diz que “o país habituou-se a não crescer”. “Perdemos ambição coletiva e alterar essa cultura é muito difícil”, afirma, ainda que sinta hoje “maior exigência”.

O Estado tem claramente um peso demasiado grande na economia“, considera. “Temos que ser mais ambiciosos, ir mais longe e passar a ter um Estado mais eficiente, um Estado que é mais amigo do contribuinte”, afirma.

Defende a privatização da TAP, mas não a da Caixa Geral de Depósitos. “Num mercado relativamente concentrado, como temos na banca portuguesa, haver um operador do Estado considero que não é um fator de menor competitividade”.

A Associação BRP nasceu há três anos com objetivo de trazer uma nova ambição de crescimento para Portugal. Vê essa ambição a crescer no país?

Vejo. Pelo menos a começar a falar-se mais frequentemente sobre o tema da ambição. As empresas que constituem o BRP sentiram que, depois de duas décadas em que o país cresceu muitíssimo pouco, não nos podíamos conformar e teríamos que ter um papel mais ativo. O propósito da associação era gerar maior ambição coletiva, que permitisse que o país crescesse muito mais.

Sente maior exigência da parte dos portugueses.

Sinto maior exigência, apesar de considerar que continuamos muito acomodados. O país, no fundo, habituou-se a não crescer. Com isso, passou a realizar que talvez fosse essa a situação normal. Perdemos ambição coletiva e alterar essa cultura é muito difícil. Eu penso que um aspeto absolutamente fundamental é que tenhamos, como sociedade, como país, um propósito comum e que esse propósito seja o crescimento.

Um dos aspetos que é muito relevante tem a ver exatamente com este tema da falta de ambição e de criar riqueza em Portugal ser mal visto. Isso tem que ser alterado.

O crescimento permite resolver uma série de problemas do país.

Resolve muitos problemas e permite que o país seja mais sustentável, mais justo e muito mais competitivo. Nós temos um tema de fuga de talento, que em grande parte é justificado exatamente por essa falta de crescimento. Porque um país que não cresce e uma empresa que não cresce não dá oportunidades aos seus colaboradores para poderem desenvolver uma carreira e ambicionar ter melhores salários, ter um equilíbrio entre o trabalho e a vida pessoal adequado. Essa fuga de pessoas dá-se quando, ainda por cima, temos a geração mais qualificada que alguma vez tivemos.

Quais continuam a ser os principais constrangimentos ao crescimento da economia e, logo, à criação de oportunidades para reter esse talento jovem?

Um dos aspetos que é muito relevante tem a ver exatamente com este tema da falta de ambição e de criar riqueza em Portugal ser mal visto. Isso tem que ser alterado. Nós temos hoje pessoas muito qualificadas, que quando vão lá para fora, na maior parte dos casos têm carreiras de sucesso. Nós temos excelentes empresas, que, perante o desafio da falta de crescimento, conseguiram reformular os seus negócios e hoje as exportações já representam 50%.

Vasco de Mello, presidente da Associação Business Roundtable Portugal, em entrevista ao ECO - 30ABR24

Temos também condições favoráveis.

Muito favoráveis. Temos recursos para esta nova fase da revolução tecnológica que estamos a viver e onde o tema da descarbonização é um aspeto muito relevante. Temos uma energia produzida a partir de fontes renováveis que permite ter condições de venda de energia muito atrativas.

O custo da energia já é um fator de competitividade?

É um fator de competitividade, sem dúvida. Neste trimestre que passou, Portugal teve o preço de energia mais baixo da Europa. Isto é uma alteração muito significativa em relação ao que existia no passado. Em termos de outros recursos, temos também reservas de lítio numa dimensão muito considerável, talvez a principal reserva na Europa.

Em Portugal há sempre uma desconfiança enorme das pessoas e portanto, considera-se que o Estado tem que se substituir às pessoas para controlar tudo.

Estes projetos, e o lítio é um bom exemplo, parece que demoram demasiado tempo a arrancar. Já falamos há muitos anos na exploração de lítio. É o tempo próprio destes projetos ou Portugal devia de facto tentar acelerar a sua implementação para tirar partido da oportunidade?

São projetos inovadores, têm o seu tempo de maturação. Isso é natural. No entanto, Portugal tem um problema de burocracia, de licenciamentos. Foram dados passos positivos, houve nova legislação, mas é preciso assegurar que somos capazes de implementar aquilo que foi legislado. E há um aspeto que me parece fundamental: em Portugal há sempre uma desconfiança enorme das pessoas e portanto, considera-se que o Estado tem que se substituir às pessoas para controlar tudo. E eu penso que temos que alterar essa forma de ser.

Considera que o Estado tem um peso ainda demasiado grande na economia?

O Estado tem claramente um peso demasiado grande na economia. O Estado tem a sua função de regulação, que é importante. Há um aspeto de governança não só no Estado, mas também nas empresas. E aí o BRP desenvolveu um programa em conjunto com o IPCG, o Metamorphose, preocupado com o tema da governança das empresas, que é absolutamente fundamental para que as empresas possam crescer de forma sustentável.

Há aqui uma oportunidade que não deve ser desperdiçada relativamente à reforma do Estado.

Que adesão teve esse programa?

É um programa que está a dar os seus primeiros passos. Tivemos, no fundo, a treinar um conjunto de colaboradores dos nossos associados e agora vai entrar numa fase de implementação, onde identificámos também um parceiro muito importante, a Nova SBE, com um programa dirigido às médias empresas e onde o programa Metamorfose se junta.

Gostava de voltar à governança do Estado. Há décadas que se fala na necessidade de uma reforma do Estado. É porque o Estado em Portugal é irreformável?

Nada é irreformável se houver vontade. O grande problema é a convicção, os incentivos. É da maior relevância avaliar de forma rigorosa todas as medidas que são tomadas. Qual é o impacto para o crescimento do país? Qual é o impacto no nível de serviço que prestamos à nossa população? Havendo vontade, é possível fazer. Hoje, ainda por cima, temos acesso a fundos do PRR. São muito significativos. Infelizmente, na sua distribuição, 70% foi atribuído ao Estado e só 30% às empresas, quando são as empresas que geram crescimento e criam riqueza. Há aqui uma oportunidade que não deve ser desperdiçada relativamente à reforma do Estado.

Com estas verbas do PRR, no fim teremos um Estado mais moderno, reformado?

Se isso não acontecer, perdemos uma enorme oportunidade.

Quando o Estado está tão presente quanto o Estado português na economia, é óbvio que há a tendência das empresas estarem dependentes desse mesmo Estado.

Sabemos que há atrasos na execução do PRR. Ainda assim, considera que o novo Governo deveria tentar junto da Comissão Europeia fazer algumas alterações, no sentido de canalizar mais verbas para as empresas?

Acho que já não estamos nesse estádio. Agora o principal é executar, mas ter a certeza de que a execução vai ao encontro deste desiderato de que falei. Que contribua para o crescimento, que contribua para um melhor serviço à população.

Falámos há pouco do peso do Estado na economia, mas as empresas em Portugal também estão ainda muito dependentes do Estado?

Quando o Estado está tão presente quanto o Estado português na economia, é óbvio que há a tendência das empresas estarem dependentes desse mesmo Estado. Agora, eu penso que as empresas portuguesas têm tido um desempenho absolutamente extraordinário. Têm conseguido, mesmo durante crises, reagir e atuar. Num período muito curto, conseguiu-se passar as exportações portuguesas de cerca de 30% para mais de 50%.

Vasco de Mello, presidente da Associação Business Roundtable Portugal, em entrevista ao ECO - 30ABR24

“Contas equilibradas é ter um superavit”

O anterior ministro das Finanças diz que a redução da dívida pública foi uma grande reforma feita pelo Governo. Pode-se-lhe chamar isso?

Ter contas equilibradas é um elemento muito relevante e haver consenso no país sobre isso é da maior importância. Não só no Estado, mas também nos particulares. Quando se tem níveis de dívida muito significativos, não se tem verdadeiramente o controlo estratégico das decisões nem graus de liberdade para poder fazer aquilo que é necessário. Acho que esse consenso nacional teve a maior relevância. Temos que ser mais ambiciosos, ir mais longe e passar a ter um Estado mais eficiente, um Estado que é mais amigo do contribuinte. Até porque temos um nível de fiscalidade que é extraordinariamente elevado, com vários pecados capitais: é um sistema muito caro, extraordinariamente complexo, que desincentiva os melhores e a escala.

Teme que esta retórica que de que com a redução da dívida Portugal tem uma espécie de cofres cheios possa levar a excessos e trazer de volta o desequilíbrio orçamental? Nesta conjuntura de alguma instabilidade política pode haver a tentação de aproveitar esta consolidação orçamental para cometer alguns excessos?

O nível de dívida em Portugal continua a ser muito elevado. Está bastante melhor e, portanto, há mais algum grau de liberdade. Mas eu penso que seria muito negativo se não se preservasse o equilíbrio das contas públicas.

Isso significa manter um excedente ou, pelo menos, um saldo zero ou um défice pequeno?

Os políticos terão que encontrar a fórmula, o equilíbrio adequado. Contas equilibradas é ter um superavit, para havendo alguma surpresa poder, mesmo assim, ficar nos números pretos [e não nos vermelhos].

As últimas eleições foram marcadas pela ascensão do Chega, que veio quebrar a hegemonia dos dois principais partidos, criando um contexto parlamentar mais fragmentado e que propicia uma maior instabilidade. Preocupa-o que esta fragmentação possa criar mais incerteza para as empresas e penalizar o crescimento?

A estabilidade é um fator positivo em si. É óbvio que o resultado das eleições levou a que seja necessário que o Governo encontre equilíbrios para poder aprovar algumas medidas que tenham que ser suportadas pela Assembleia da República. Mas há muitas medidas que o Governo pode e deve tomar e que não passam necessariamente pelo Parlamento.

Sendo um bom governo, acho que tem condições para poder durar a legislatura.

Neste contexto mais fragmentado, considera que seria positivo haver à partida entendimentos, por exemplo, entre o PS e a Aliança Democrática em relação a várias matérias?

Penso que há alguns temas onde há uma grande sintonia de posições. Não é positivo querer-se encontrar diferenças onde essa sintonia existe. Agora, são partidos diferentes, têm a sua própria estratégia. Não podemos pensar que se consegue decidir da mesma forma que se decide em maioria.

Acha que tem havido demasiado taticismo político?

Acho que há sempre taticismo político.

Sobrepondo-se aos interesses do país?

Espero que não se sobreponha aos interesses do país.

Gostava que este Governo, e os governos em geral, durassem a legislatura inteira.

Um governo é eleito para uma legislatura e, portanto, em normalidade era essa a expectativa. Aí o essencial é que seja um bom governo. Sendo um bom governo, acho que tem condições para poder durar a legislatura.

Vasco de Mello, presidente da Associação Business Roundtable Portugal, em entrevista ao ECO - 30ABR24

Há pouco falámos no peso do Estado. Considera, por exemplo, que a TAP deve ser privatizada?

No âmbito do BRP não discutimos esse tema. A minha opinião pessoal é que o Estado deve exercer essencialmente uma função de regulação e a prestação deve ser privada. Deve ser feita por quem tem maiores possibilidades de gerir da melhor forma as empresas.

E a Caixa Geral de Depósitos? Deve manter-se pública ou deve ser privatizada?

A Caixa Geral de Depósitos tem uma situação particular. Estando hoje sob a supervisão do Banco Central Europeu tem um conjunto de regras e de incentivos que leva a que a detenção acionista não seja tão relevante. Num mercado relativamente concentrado, como temos na banca portuguesa, haver um operador do Estado considero que não é um fator de menor competitividade.

E preocupa-o peso que a banca espanhola tem no mercado bancário português?

Foi um processo natural. A economia espanhola é uma economia muito maior do que a portuguesa. Com uma maior integração europeia era um fenómeno que dificilmente se poderia evitar.

  • Diogo Simões
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