Filipa Loureiro, sócia da Proença de Carvalho, em entrevista à Advocatus, fala sobre IA nas empresas, transparência salarial, agenda do trabalho digno e dos trabalhadores de plataformas digitais.
Filipa Loureiro iniciou a sua atividade profissional em 2007 na Proença de Carvalho. Em 2010 ingressou na Uría Menéndez – Proença de Carvalho, na qual exerceu funções no departamento de contencioso até 2017. Em 2017 criou o seu próprio escritório (que operava sob a marca FL Advogados), onde centrou a sua atividade na área de resolução de litígios, nas áreas de direito civil, laboral, comercial e societário e família e sucessões. Agora, é sócia da Proença de Carvalho Advogados, onde assessora clientes nacionais e internacionais na expansão do seu negócio e tem experiência no acompanhamento de operações de reestruturação empresarial. Participa também ativamente em matérias inseridas no âmbito do Direito Comercial e Societário, com relação com direito sucessório e respetivo planeamento. Em entrevista à Advocatus /ECO, fala sobre teletrabalho, IA nas empresas, transparência salarial, agenda do trabalho digno, direito a desligar e sobre o estatuto dos trabalhadores de plataformas digitais.
A nossa legislação laboral compatibiliza-se com um país de salários altos e de pleno emprego e emprego estável?
Na minha opinião não, porque temos uma legislação laboral pouco flexível que não incentiva a produtividade, e naturalmente, o aumento dos salários.
Embora o Salário Mínimo Nacional (SMN) – que influencia fortemente os salários em Portugal – tenha vindo a aumentar de forma consistente nos últimos anos, a verdade é que a negociação coletiva, que poderia ser um instrumento para promover salários mais altos, tem perdido relevância, em virtude da diminuição do número de convenções coletivas celebradas. A agravar, assistimos a economia dominada por setores de baixa produtividade, que limita a capacidade de muitas empresas de oferecer salários elevados.
Por outro lado, Portugal tem uma legislação laboral consideravelmente rígida em termos de proteção do emprego, especialmente no que diz respeito a despedimentos. Esta rigidez, pese embora proteja a estabilidade no emprego, acaba por desincentivar a contratação, especialmente em setores mais vulneráveis ou em períodos de incerteza económica, e a dar preferência à contratação a termo.
Que condições precisam de existir para que tal seja uma realidade?
Estas questões relacionadas com a estabilidade e com o pleno emprego não podem ser vistas de forma isolada, pois, para que a legislação laboral seja compatível com um modelo de salários altos, é necessário que o quadro normativo seja acompanhado por políticas económicas e sociais que promovam o aumento da produtividade, a qualificação da força de trabalho e os incentivos à inovação e investimento.
Ora, só poderemos falar em salários altos num ambiente económico que favoreça setores de maior valor acrescentado, pois aqueles só são sustentáveis se forem acompanhados por ganhos em produtividade. Além disso, a política fiscal também não pode ser esquecida na promoção de melhores salários.
Quer isto dizer que a legislação laboral, por si só, não é suficiente para garantir salários altos, pleno emprego e emprego estável. É necessário um esforço coordenado entre políticas laborais, económicas e sociais para alcançar esses objetivos.
Portugal tem uma legislação laboral consideravelmente rígida em termos de proteção do emprego, especialmente no que diz respeito a despedimentos. Esta rigidez, pese embora proteja a estabilidade no emprego, acaba por desincentivar a contratação, especialmente em setores mais vulneráveis ou em períodos de incerteza económica, e a dar preferência à contratação a termo”
E o que precisa de mudar?
Tal como já referi, o pleno emprego depende de fatores macroeconómicos e estruturais, como a flexibilidade do mercado de trabalho e políticas ativas de emprego. Esta aposta tem que ser também feira em regiões mais desfavorecidas, pois a centralização do emprego nos centros urbanos tem efeitos nefastos na empregabilidade.
Fala-se de falta de simplificação no acesso à justiça. É uma realidade nos tribunais de trabalho?
Julgo que a falta de simplificação no acesso à justiça é um problema transversal em todos os tribunais, não só nos tribunais de trabalho.
A lei portuguesa regulamenta adequadamente o estatuto dos trabalhadores de plataformas digitais?
A regulamentação do estatuto dos trabalhadores de plataformas digitais em Portugal é um tema de grande relevância e atualidade, especialmente face ao crescimento da economia digital e ao impacto das plataformas no mercado de trabalho. Com o rápido e exponencial aparecimento das plataformas da Uber, Glovo, etc, foi necessário enquadrar legalmente esta nova realidade.
Com a entrada em vigor das alterações ao Código do Trabalho em 2023, introduzidas ao abrigo da Agenda do Trabalho Digno, surgiu a nova “presunção de contrato de trabalho no âmbito de plataforma digital”, tendo sido criada uma presunção de existência de contrato de trabalho para os trabalhadores de plataformas digitais, sempre que existam indícios de subordinação económica e jurídica, entre os quais a se consideram (i) a fixação de remuneração pela plataforma; (ii) o controlo da atividade do trabalhador através de algoritmos ou sistemas digitais; (iii) a imposição de regras de conduta e (iv) a avaliação do desempenho do trabalhador pelas referidas plataformas.
Sucede, no entanto, que o histórico da nossa jurisprudência mais recente tem revelado grandes disparidades na aplicação da lei.
Assim, e apesar dos avanços introduzidos na legislação laboral, subsistem desafios significativos na regulamentação do estatuto dos trabalhadores de plataformas digitais, designadamente pelo facto de se continuar a assistir a uma distinta aplicação da presunção de contrato de trabalho; de persistir uma coexistência de trabalhadores subordinados e independentes no mesmo setor, o que leva necessariamente a perpetuar desigualdades, com alguns trabalhadores a beneficiarem de direitos laborais e outros a permanecerem em situações de maior precariedade; e pelo facto de existirem manifestas dificuldades na fiscalização, pois a eficácia da nova legislação depende de uma fiscalização rigorosa por parte da Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT), que enfrenta limitações de recursos e capacidade.
Para responder a estes desafios, foi aprovada e publicada a Diretiva (UE) 2024/2831 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de outubro de 2024, que entrou em vigor a 2 de dezembro de 2024 e cujo prazo para transposição pelos Estados-Membros expirará a 2 de dezembro de 2026.
Quais as novas condições para considerar um despedimento por extinção do posto de trabalho válido? Usa-se e abusa-se deste mecanismo nas empresas portuguesas?
As condições para que um despedimento por extinção do posto de trabalho seja considerado válido em Portugal foram recentemente alteradas pela Lei n.º 13/2023, de 3 de abril, que introduziu alterações ao Código do Trabalho. As principais novidades introduzidas assentam essencialmente num reforço da fundamentação, passando os motivos para a extinção do posto de trabalho a ser mais detalhados e objetivos. Por outro lado, também se passou a estabelecer que durante 12 meses, o posto de trabalho não pode ser preenchido, salvo justificação excecional, assim como os critérios de seleção e a fundamentação do despedimento estão sujeitos a maior escrutínio.
Embora a extinção do posto de trabalho possa ser a justificação mais fácil para uma entidade empregadora despedir um trabalhador, a verdade é que o iter procedimental para efetivar o referido despedimento inibe as empresas de adotar este mecanismo, as quais preferem recorrer a mecanismos mais céleres e com menos custos, como por exemplo os acordos revogatórios, evitando, assim, o procedimento legal associado à extinção do posto de trabalho.
O direito a desligar no teletrabalho é um direito efetivo? Há sanções por incumprimento, na prática?
Sim, é. Ou pelo menos deveria ser. Este direito de “desligar” está consagrado no artigo 199.º-A do Código do Trabalho, introduzido pela Lei n.º 83/2021 e aplica-se a todos os trabalhadores. No entanto, este direito assume particular relevância no regime de teletrabalho, onde a separação entre o tempo de trabalho e o tempo pessoal pode ser mais difícil de garantir. Segundo esta norma, “o empregador tem o dever de se abster de contactar o trabalhador no período de descanso, ressalvadas as situações de força maior”.
No entanto, e embora o “direito a desligar” esteja formalmente consagrado na lei, a sua efetividade prática depende de vários fatores, desde logo da cultura organizacional das empresas, pois em muitas empresas, especialmente em setores onde o teletrabalho é predominante, continua a assistir-se a uma cultura de disponibilidade permanente, bem como a pressão para responder a contactos fora do horário de trabalho, que pode dificultar a aplicação do direito a desligar. Por outro lado, a fiscalização do cumprimento deste direito também é de difícil execução, pois, por um lado, depende frequentemente de queixas apresentadas pelos trabalhadores à Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) e, por outro lado, ainda que exista uma queixa, existe uma grande dificuldade de prova, pois demonstrar o incumprimento do direito a desligar pode ser difícil, especialmente em casos onde os contactos fora do horário de trabalho são normalmente informais.
No que respeita às sanções, o incumprimento do dever de abstenção de contacto constitui uma contraordenação grave, nos termos do Código do Trabalho, e é penalizado com a aplicação de coima. Para além da aplicação de coimas, o trabalhador pode, em certos casos, reclamar uma indemnização por danos causados pelo desrespeito por este direito, como danos morais ou psicológicos.
Embora o “direito a desligar” esteja formalmente consagrado na lei, a sua efetividade prática depende de vários fatores, desde logo da cultura organizacional das empresas, pois em muitas empresas, especialmente em setores onde o teletrabalho é predominante, continua a assistir-se a uma cultura de disponibilidade permanente, bem como a pressão para responder a contactos fora do horário de trabalho, que pode dificultar a aplicação do direito a desligar”
Fala-se numa tendência de recuo no teletrabalho. É real ou apenas mais uma perceção?
Na minha opinião é uma falsa perceção, pois da minha experiência continuo a assistir à adoção de contratos de trabalho híbridos, que conjugam o trabalho presencial, com o teletrabalho.
Portugal é um país de despedimento por justa causa, despedimento coletivo ou de extinção do posto de trabalho?
Considero que não se pode generalizar. No entanto, invertendo a questão, diria que Portugal não é um país de despedimento coletivo. Embora o despedimento coletivo seja uma ferramenta prevista na legislação portuguesa, a sua utilização não é excessivamente comum, sendo mais frequente em períodos de crise ou em setores específicos.
As demais ferramentas – despedimento por justa causa e despedimento por extinção do posto de trabalho – são mais comummente utilizadas pelas empresas.
No entanto, e como já referi, uma vez que o recurso a esta modalidade é condicionado pela necessidade de cumprir procedimentos legais rigorosos, isso leva muitas empresas a explorar alternativas menos onerosas e mais flexíveis, como por exemplo a revogação dos contratos de trabalho por mútuo acordo.
As indemnizações devidas em caso de despedimento sem justa causa são justas e adequadas, em Portugal?
O artigo 391.º do Código do Trabalho estabelece que, em caso de despedimento ilícito, o trabalhador tem direito a uma indemnização que varia entre 15 a 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade.
Se virmos historicamente, as indemnizações têm vindo a sofrer alterações legislativas ao longo dos tempos, numa tentativa de equilibrar a proteção dos trabalhadores com a necessidade de garantir a competitividade das empresas.
A verdade é que existem sempre duas perspetivas que têm de ser ponderadas: por um lado, a perspetiva dos trabalhadores que naturalmente consideram que as indemnizações podem ser insuficientes para compensar os danos causados pelo despedimento, especialmente em caso de trabalhadores com longas carreiras na empresa ou em situações de difícil reintegração no mercado de trabalho; e, por outro lado, a perspetiva das entidades empregadoras, para as quais estas indemnizações são elevados encargos, especialmente para pequenas e médias empresas (PMEs).
Ponderando os interesses em jogo, considero que as indemnizações devidas em caso de despedimento sem justa causa em Portugal são, em geral, adequadas, em comparação com o contexto europeu.
Transparência salarial: a que empresas impacta mais?
A transparência salarial tem marcado a agenda legislativa laboral, em face da crescente preocupação com a igualdade de género, a equidade salarial e a responsabilidade social das empresas.
Embora em Portugal a lei n.º 60/2018, de 21 de agosto, e o Código do Trabalho já estabelecem as obrigações das empresas em matéria de igualdade e transparência salarial, a Diretiva (UE) 2023/970, aprovada em 2023 veio reforçar a premência de respeitar estes princípios.
No entanto, embora esta Diretiva esteja publicada e em vigor há quase dois anos, parece ainda não ter merecido a devida atenção por parte de muitas empresas em Portugal. O facto de o prazo para a sua transposição apenas terminar em junho de 2026 poderá estar a contribuir para que estas não tenham até agora sentido urgência em antecipar as implicações que dela decorrem.
A implementação de medidas de transparência salarial pode ter um impacto diferenciado consoante o tipo de empresa, a sua dimensão, o setor de atividade e a cultura organizacional. Assim, estas medidas terão um maior impacto para as grandes empresas, que, devido à sua dimensão e complexidade organizacional, têm maior probabilidade de enfrentar disparidades salariais entre trabalhadores com funções semelhantes. Além do mais estas empresas estão frequentemente sujeitas a maior escrutínio público e regulatório, especialmente se forem cotadas em bolsa ou operarem em setores com forte visibilidade;
Também as multinacionais, por operarem em diferentes países, cada um com legislações e práticas laborais distintas, podem ter dificuldades de implementação devido às diferenças culturais e legais.
Por fim, as PMEs, que, embora tenham estruturas menos complexas, podem ser impactadas pela transparência salarial devido à falta de recursos para implementar sistemas de gestão salarial sofisticados.
Quais os desafios de desenho e de implementação?
A transparência salarial pode trazer benefícios significativos, mas também apresenta alguns desafios relacionados com os custos de implementação, designadamente na realização de auditorias salariais, criação de sistemas de gestão e divulgação de relatórios, bem como com a resistência interna, pois a divulgação de disparidades salariais pode gerar conflitos internos e afetar moralmente os trabalhadores, e ainda, com a complexidade regulatória, em especial nas empresas multinacionais, que enfrentam o desafio de cumprir diferentes legislações em cada país.
Apreciação da lei: ficou no sítio certo?
A legislação sobre transparência salarial em Portugal e na União Europeia representa um passo importante para combater a desigualdade salarial e promover a equidade no mercado de trabalho. No entanto, há desafios e limitações que indicam que a legislação, embora esteja “no sítio certo” em termos de objetivos, pode ver-se confrontada com problemas de ordem prática, como por exemplo os custos administrativos e burocráticos, pois a implementação de medidas de transparência salarial, como auditorias e relatórios, pode ser onerosa, especialmente para empresas de menor dimensão; a falta de mecanismos de fiscalização eficazes, na medida em que em Portugal, a fiscalização do cumprimento das normas de transparência salarial é da responsabilidade da Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT), sendo que enfrenta graves limitações de recursos e capacidade de resposta, o que pode comprometer a eficácia da fiscalização e a aplicação de sanções.
Também importa referir que a transparência salarial, por si só, não resolve as causas estruturais da disparidade salarial, como por exemplo a segregação ocupacional, em que vemos as mulheres concentradas em setores ou funções menos remuneradas; a falta de progressão na carreira para mulheres e a desigualdade no acesso a formação e oportunidades.
Assim, sem medidas complementares, como incentivos à formação e promoção de mulheres em setores de alta remuneração, a transparência salarial pode ser um falso indicador de igualdade.
Que medidas concretas devem as empresas adotar para garantir transparência salarial: Relatórios anuais de remunerações (para empresas com +100 trabalhadores) e uma avaliação de categorias sob critérios objetivos, por exemplo?
Sim, as empresas deverão ser forçadas a justificar os salários, através de relatórios anuais, e planos de carreira. Embora não veja estas medidas como a solução definitiva para o problema, representa um avanço no sentido de alcançar o princípio do trabalho igual, salário igual.
A transparência salarial, por si só, não resolve as causas estruturais da disparidade salarial, como por exemplo a segregação ocupacional, em que vemos as mulheres concentradas em setores ou funções menos remuneradas; a falta de progressão na carreira para mulheres e a desigualdade no acesso a formação e oportunidades”
As sanções para empresas que não cumpram as regras de transparência são suficientes e proporcionais?
A questão da suficiência e proporcionalidade das sanções aplicáveis às empresas que não cumpram as regras de transparência salarial em Portugal e na União Europeia é central para avaliar a eficácia da legislação.
Em Portugal a lei n.º 60/2018, de 21 de agosto, e o Código do Trabalho estabelecem as obrigações das empresas em matéria de igualdade e transparência salarial. O incumprimento destas obrigações pode levar à aplicação de contraordenações laborais, classificadas como graves ou muito graves, dependendo da infração.
Por sua vez a Diretiva (UE) 2023/970, sobre transparência salarial, exige que os Estados-Membros prevejam sanções eficazes, proporcionais e dissuasoras para empresas que não cumpram as suas obrigações.
Entre as medidas recomendadas estão coimas administrativas proporcionais à gravidade da infração; indemnizações para os trabalhadores prejudicados e a suspensão de benefícios públicos para empresas reincidentes. Os Estados-Membros têm até 2026 para transpor esta diretiva para as respetivas legislações nacionais, o que poderá levar a alterações no regime sancionatório em Portugal.
Ainda que seja precoce avaliar se as sanções adotadas por Portugal serão suficientes ou proporcionais – precisamente pelo facto de a Diretiva ainda não ter sido transposta – a verdade é que a dissuasão de comportamentos discriminatórios só será possível através da aplicação de coimas expressivas e aplicação de sanções complementares robustas.
2025 será marcado por mudanças impulsionadas por novas legislações e tendências no mercado de trabalho. As principais novidades incluem a regulação do trabalho em plataformas digitais, a promoção da igualdade e do trabalho digno, e a adaptação às novas realidades tecnológicas e demográficas”
Como pode um trabalhador contestar uma diferença salarial discriminatória?
A igualdade salarial é um direito fundamental consagrado na Constituição da República Portuguesa (artigo 59.º) e no Código do Trabalho, que proíbe qualquer discriminação em função do género, idade, nacionalidade, religião, entre outros fatores.
O trabalhador em Portugal dispõe de vários mecanismos para contestar uma diferença salarial discriminatória, desde a comunicação interna com a empresa (incluindo os canais de denúncia internos) até à apresentação de queixas formais (à ACT e à CITE) e ações judiciais. A legislação portuguesa, em conformidade com as normas europeias, oferece mecanismos de proteção contra a discriminação salarial, incluindo a inversão do ónus da prova e a proteção contra represálias.
No entanto, o sucesso do processo dependerá da capacidade do trabalhador reunir provas relativas a essa discriminação e da eficácia das entidades competentes pela sua fiscalização.
Quais os maiores obstáculos à implementação efetiva da transparência salarial em Portugal?
Na minha opinião, existem desde logo obstáculos estruturais e culturais associados a uma cultura de sigilo salarial, pois em muitas empresas portuguesas, a remuneração é tratada como um assunto confidencial, tanto por parte dos empregadores como dos trabalhadores. Esta cultura de sigilo dificulta a partilha de informações salariais e perpetua desigualdades. Por outro lado, existe ainda uma grande resistência à mudança. Algumas empresas, especialmente as de menor dimensão, podem resistir à implementação de medidas de transparência salarial, considerando-as uma intrusão na gestão interna ou um aumento da burocracia.
Existirão também obstáculos relacionados com a aplicação prática das medidas impostas, por parte das PME´s, que apresentam uma falta evidente de recursos especializados, e capacidade económica para fazer face aos custos que a burocratização e que a recolha e análise de dados exige.
Por fim, assistir-se-á também a dificuldades relacionadas com a fiscalização e monitorização, uma vez que a Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT), responsável pela fiscalização do cumprimento das normas laborais, a qua enfrenta limitações de recursos, que dificulta a monitorização eficaz das práticas salariais das empresas. Esta realidade leva a que a fiscalização tenda a ser reativa (com base em queixas) em vez de proativa, o que reduz a deteção de práticas discriminatórias.
Outro problema visível é a falta de transparência nos relatórios, pois, embora as empresas sejam obrigadas a elaborar relatórios sobre igualdade salarial, a qualidade e a profundidade das informações apresentadas podem variar significativamente. A ausência de um modelo padronizado para os relatórios dificulta a comparação e a análise por parte das autoridades competentes.
Existem desde logo obstáculos estruturais e culturais associados a uma cultura de sigilo salarial, pois em muitas empresas portuguesas, a remuneração é tratada como um assunto confidencial, tanto por parte dos empregadores como dos trabalhadores. Esta cultura de sigilo dificulta a partilha de informações salariais e perpetua desigualdades. Por outro lado, existe ainda uma grande resistência à mudança. Algumas empresas, especialmente as de menor dimensão, podem resistir à implementação de medidas de transparência salarial, considerando-as uma intrusão na gestão interna ou um aumento da burocracia”
Já começámos a sentir ímpeto de reestruturação das empresas por substituição do trabalho por IA?
Sim, já se começa a sentir um ímpeto de reestruturação nas empresas em Portugal e no mundo devido à crescente adoção de inteligência artificial (IA). Este fenómeno está a transformar profundamente o mercado de trabalho, com impactos significativos em vários setores e funções.
Embora ainda estejamos numa fase inicial desta transição, os sinais de mudança são evidentes, e as empresas estão a ajustar as suas estratégias para integrar a IA nos seus processos. A adoção da IA é mais visível (i) na indústria e manufatura, designadamente na automação de linhas de produção com robótica, estando a IA a substituir trabalhadores em funções manuais e repetitivas; (ii) nos serviços financeiros, designadamente em processamento de transações; análise de risco e deteção de fraudes; atendimento ao cliente; (iii) no retalho e comércio, com a automação de armazéns (e.g., sistemas de gestão de inventário baseados em IA) e o uso de caixas automáticas estão a substituir trabalhadores em funções logísticas e de atendimento, (iv) na Saúde, com a automação de diagnósticos médicos baseados em análise de dados; planeamento de tratamentos personalizados; automação de tarefas administrativas em hospitais e clínicas, e (v) no próprio setor jurídico, com a implementação de ferramentas para análise de contratos; pesquisa jurídica automatizada; gestão de litígios e previsões de resultados judiciais.
Quais as novidades legislativas e no mercado laboral a marcar a área Laboral em 2025?
Embora as grandes alterações à legislação laboral se tenham verificado em 2023, com a Agenda do Trabalho Digno e de Valorização dos Jovens no Mercado de Trabalho (Lei n.º 13/2023, de 3 de abril), que transpôs para a legislação portuguesa as Diretivas (UE) 2019/1152 e (UE) 2019/1158 do Parlamento Europeu e do Conselho, 2025 será marcado por mudanças impulsionadas por novas legislações e tendências no mercado de trabalho. As principais novidades incluem a regulação do trabalho em plataformas digitais, a promoção da igualdade e do trabalho digno, e a adaptação às novas realidades tecnológicas e demográficas. Estas mudanças representam um passo importante para modernizar o mercado de trabalho e responder aos desafios do futuro, mas a sua implementação eficaz dependerá de um reforço na fiscalização e no investimento em formação e num diálogo social contínuo.
Neste sentido, a Lei n.º 45-A/2024 (Lei das Grandes Opções para 2024-2028) veio definir um conjunto de compromissos assentes em seis desafios estratégicos: a) Um país mais justo e solidário; b) Um país mais rico, inovador e competitivo; c) Um país com um Estado mais eficiente; d) Um país mais democrático, aberto e transparente; e) Um país mais verde e sustentável; f) Um país mais global e humanista.
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“Temos uma legislação laboral pouco flexível que não incentiva a produtividade, e naturalmente, o aumento dos salários”
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