“Toleramos as PME e combatemos de forma feroz as grandes empresas”

Armindo Monteiro afirma em entrevista ao ECO magazine que é indiferente o resultado das legislativas desde que tenha a centralidade económica no discurso político.

 

  • Este artigo integra a segunda edição do ECO magazine, que pode comprar aqui.

Armindo Monteiro é presidente da Confederação Empresarial de Portugal (CIP) e, em entrevista ao ECO magazine, afirma que “ser empresário em Portugal hoje é um exercício mesmo de resiliência. Não é possível ser empresário em Portugal com um quadro tão pouco previsível e tão pouco expectável como é este”.

A Confederação Empresarial de Portugal (CIP) votou contra o novo acordo de rendimentos, ainda antes da apresentação do Orçamento do Estado para 2024. Com a crise política e a marcação de eleições antecipadas, está arrependido daquela decisão, desalinhado das outras confederações?

Pelo contrário, hoje teria ainda mais razões para não termos assinado. Não foi por uma questão de subjetividade, nem foi por uma questão de humor, nem política, foi por convicção de que era um mau acordo. Nós não fazemos de conta, não fazemos finca pé também nas nossas propostas, mas não fazemos de conta. Não havia o mínimo de condições já na perspetiva que se antecipava, a economia não só corria o risco de ter um crescimento anémico ou até mesmo entrar em recessão, e hoje já sabemos que é mesmo uma recessão no [segundo semestre] de 2024. Então, como é que é possível, nessa circunstância, sem medidas fortes para a economia, promover o aumento dos salários a um referencial de 5%? Não é possível ter um crescimento artificial dos salários e uma economia que se está a afundar

Sem produtividade.

Sem produtividade, sem crescimento. Sem medidas que deem uma esperança à economia. Como é que é possível assumir responsabilidade de crescimento salarial acima, inclusive, daquilo que estava combinado? O que estava combinado era um referencial e foi combinado outro. O salário mínimo, estava combinado, seria de 810 euros, entenderam os outros, nós não, que haveria condições de ir mais longe…820 €. Nós dissemos que poderíamos acompanhar isto, mas precisamos de ter, do lado das medidas para a economia e para o investimento, esse incentivo. Não houve, e quando assim, não é, é só mesmo vontade de aparecer na fotografia. Nós não somos por entendimentos artificiais, nós não somos por faz de conta. A posição da CIP é consciente de quem se preocupa com o curto, médio e longo prazo da economia portuguesa, e não apenas com aquilo que é de circunstância. Às vezes, em Portugal, fazemos muito esta gestão da circunstância, do dia a dia, ficar bem na fotografia do dia, ter uma nota positiva no jornal da noite. Não, não é essa a nossa posição.

O contexto internacional é recessivo, e Portugal vai para eleições. Já percebeu o que é que aconteceu com esta crise política?

Ser empresário em Portugal hoje é um exercício mesmo de resiliência. Não é possível ser empresário em Portugal com um quadro tão pouco previsível e tão pouco expectável como é este. Em Portugal, combate-se a atração de capital, e nós precisamos de capital acima de tudo, seja ele nacional, seja internacional. Precisamos de sofisticar os nossos modelos económicos, ou seja, precisamos de fazer uma alteração do paradigma da nossa economia e isso requer toda a energia de todos. Não, combatemos as empresas e, sobretudo, combatemos aquelas que ganham dimensão. Toleramos as pequenas e médias empresas e combatemos de forma feroz as grandes empresas. Em vez de criarmos mecanismos para as regular, não, combatemos, pura e simplesmente. Criamos uma mensagem política, que é isso que a maior parte dos partidos faz, de anti-empreendedorismo, de anti empresas…

De anti-lucro?

…como se o lucro fosse uma coisa má. O lucro, a margem, é o que permite pagar tudo, seja investimento na empresa, seja aumento de salários, seja ter uma presença na internacionalização. Nós, na economia portuguesa, habituamo-nos só a exportar, nós não internacionalizamos verdadeiramente a nossa economia.

Há cada vez mais exportação, mas pouca internacionalização.

Exatamente. É incrível como é que, em 50 anos, não produziu uma marca verdadeiramente internacional. Não estou a dizer que não temos marcas bem conhecidas lá fora, temos bons exemplos, mas, como Espanha tem, a Alemanha, a França, a Bélgica, a Suíça, países de uma dimensão da nossa, têrm tantas marcas ‘World Wide’ e nós nunca conseguimos ter uma única ao fim de 50 anos. Porquê? Porque, verdadeiramente, habituamo-nos a exportar, uma política de internacionalização por contentor e envio de mercadoria. A internacionalização requer muito mais que isso, mas se reparar, não há nenhum instrumento de apoio à verdadeira internacionalização das empresas, e isso naturalmente paga-se. O que estamos a ver é que as nossas exportações, apesar de crescerem, crescem menos que o saldo. Ou seja, precisamos de importar para exportar…

O Valor Acrescentado é limitado.

É cada vez menor. Nós temos de nos qualificar para este campeonato da economia. E esta qualificação exige modelos de negócio muito mais sofisticados, ligados muito mais à economia do conhecimento. E para isso precisamos de de nos sentar, de definir um plano de ação. Isto não se faz por inspiração do momento. Isto faz-se planeando.

Como é que os empresários veem esta crise política?

Acho que não é percetível…Aliás, estive recentemente a participar na Business Europe, a Confederação Europeia das confederações empresariais, e a perceção que tinham sobre o que tinha acontecido em Portugal era de que tudo isto já tinha transitado em julgado, no final do qual então houve uma demissão. Esta era a perceção. Quando tentamos explicar que não foi assim, ficaram perplexos. Perplexos porque não entendem como é que aquilo que mais achavam, e eu próprio, da estabilidade… na semana anterior, tinha estado a falar com o presidente de uma multinacional do ramo farmacêutico, a incentivar o investimento em Portugal em detrimento de outro país aqui ao lado…

Com base na estabilidade política do país?

Exatamente. A grande estabilidade e, portanto, valia a pena um investimento em Portugal. Passado uma semana, surge esta situação. Agora, podemos transformar isto numa oportunidade? Pelo otimismo que normalmente caracteriza os empresários, é tentar transformar uma dificuldade numa oportunidade. Temos, de facto, uma oportunidade de ter um governo, seja ele qual for, de que partido resultar…

Para os empresários é indiferente o partido?

É indiferente desde que tenha a centralidade económica no discurso político. Se a centralidade da economia estiver no discurso político, é indiferente. Nós somos apartidários, cada um, naturalmente, tem suas convicções, mas as empresas não têm que ter preferência por partidos. têm preferências por políticas, e é diferente ter preferências por partidos ou por políticas. A nossa política é claramente uma que sirva a iniciativa privada, sirva as empresas, sirva a transparência da economia com o escrutínio, mas que tenha simplificação administrativa. E simplificação administrativa não é o mesmo que falta de escrutínio.

Nem informalidade?

Nem informalidade. Aquilo que é simplificação administrativa não tem nada a ver nem com informalidade, nem com falta de escrutínio. [Mas] um Estado que seja mais simples nas suas formalidades contribui efetivamente para uma economia mais próspera. O Governo que resultar [de 10 de março], se aproveitar a oportunidade… Ficámos a saber, com a reunião que houve da Comissão Europeia, que ou aproveitámos estes fundos, que serão os últimos…

Há a ideia de que haverá sempre mais um programa comunitário.

Temos sempre esta ideia de que haverá sempre mais, mas há realidades que estão agora a acontecer. A Ucrânia, o alargamento a Leste, todas as necessidades e exigências orçamentais para uma política de segurança mais exigente que aquela que tem havido, portanto, não há folgas.

E não há dinheiro para tudo.

E naturalmente num contexto em que a economia mundial já não está nos anos fantásticos da globalização, estamos agora num momento em que, porventura, o crescimento vai ser mais moderado. Países como Portugal, que estão com crescimento abaixo do seu potencial de crescimento. E por isso é que dizemos que este Governo tem a oportunidade para pôr esta centralidade [na economia], para sermos os que mais crescem porque estamos abaixo do potencial.

Qual é a avaliação dos empresários perante um ano de 2024 que vai ter eleições antecipadas num quadro de crescente polarização?

Surpreende um aspeto que é algo sui generis em Portugal. Na Alemanha temos visto coligações dos maiores partidos, são coligações ao centro. Nós, em Portugal, fugimos como o diabo da cruz de entendimentos ao centro. Ou seja, Portugal tem ainda ao centro uma maioria muito significativa. Ou seja, o centro quer dizer que nós, portugueses, somos pela moderação. Não somos extremados, não somos extremistas, nem extremistas à esquerda, nem à direita, ou seja, ao centro temos a maioria…

…Está-se a desaproveitar esse maioria?

Vemos o que está a acontecer em Espanha. A Espanha também é o centro, há ainda alguma maioria. E o que é que está a acontecer? O partido dominante, seja à esquerda, seja à direita, tende a fazer coligações com extremos e, portanto, desaproveita-se a oportunidade de criar uma política que inclua realmente a maioria e vai-se optar por encontrar e dar a minorias uma ‘golden share’, utilizando uma linguagem económica, ou seja uma ação que vale mais que o peso que efetivamente a ação representa. Dá-se uma ‘golden share’ a esses extremismos que desfigura aquilo que seria um entendimento normal e natural ao centro.

Os empresários estão a ver isto com preocupação. O facto de se premiar e privilegiar determinados ‘shareholders’, continuando numa linguagem empresarial, permite-se governos que têm alguns ‘shareholders‘, alguns até fáceis de contentar, menos exigentes, sim, e outros que deveriam estar na equação, são a maioria, esses é que ficam de fora. Ou seja, do bloco que ganhar, seja ele à direita ou à esquerda, há um bloco que se perde logo, porque se vai encontrar entendimentos nos extremos. Aquilo que gostaríamos era que, realmente, houvesse ao centro soluções. Não compreendemos porque é que os dois principais partidos que, normalmente, alternam do poder não façam um entendimento forte para pôr o país à frente dos seus próprios interesses político-partidários. Acho que deveria haver aqui uma generosidade da parte dos políticos no sentido de servir o país e não de servir esta lógica política partidária.

Já transmitiu essa mensagem ao PSD e PS?

Já transmiti. Estas preocupações, creio que foram entendidas, e o que gostaríamos ainda de propor, antes das eleições de 10 de março, um acordo com visibilidade, e quando digo “visibilidade”, digo com a expressão escrita, com o compromisso de que caso seja governo, se comprometessem com determinados desígnios, determinados objetivos.

Objetivos político-estratégicos ou medidas concretas?

Político-estratégicos para o país. Portugal tem que conseguir qualificar-se. O país da prosperidade, e estou a falar como português… gostaria que tivéssemos um desígnio que nos tirasse esta ideia de que temos qualquer handicap que nos obriga a ser os mais pobres da Europa e tendencialmente é para esse caminho que nós estamos a caminhar. Não é uma fatalidade regredirmos. Já estivemos mais próximos da média europeia do que estamos agora em termos de produtividade, em termos de PIB per capita. Gostamos de nos mobilizar para o futebol, e é bom, também adora o futebol, mas a qualificação para o futebol é espúria se compararmos com a qualificação da prosperidade.

Como é que as empresas vão passar um ano de 2024, que será dividido em dois, com as eleições a 10 de março, a formação de um Governo, eventualmente um orçamento retificativo.

Esperamos que 2024 não seja metade do ano sem governo, e metade do ano desgovernado. 2024 corre o risco ser assim, ou seja, sem entendimento. Nós somos otimistas. Os portugueses sempre deram algum sentido, há aqui uma explicação que às vezes não se entende. Mas normalmente os portugueses gostam de votar em quem lhes traz esperança. E ser portador de esperança é aquilo que mais precisamos dos partidos, que sejam portadores de esperança e não o contrário. Neste momento, o problema são os partidos, só os partidos é que podem efetivamente apresentar soluções que nos façam ter essa esperança de um 2024 melhor. E oque é isso? É apresentar soluções que permitam apostar no investimento, apostar na alteração do modelo económico, apostar na questão do talento. As nossas empresas não podem ser na base da esperteza, têm que ser na base do conhecimento, isto significa crescer na cadeia de valor. Para não pagarmos salários baixos, também não podemos ter produtividade baixa, não podemos ter crescimento baixo. O compromisso que iremos fazer com os candidatos ao Governo é, até 2030, ter salários que estejam na média europeia. E também. para que isso seja possível, ter um PIB per capita que também esteja na média europeia em 2030. Queremos estabelecer um conjunto de objetivos que permita fazer crescer os salários para a média europeia e fazer crescer a economia para a média europeia. Mas são as duas coisas, porque, normalmente, só se ouve a primeira parte. Não, são as duas coisas.

Vai propor essa agenda aos líderes dos dois partidos que vão a eleições E o que é que as empresas podem fazer?

A primeira parte, ou seja, aceitarem um modelo de exigência salarial que permita que os salários cresçam para o nível médio europeu. Estamos a falar de uma exigência muito grande. Mesmo agora, com este aumento que estamos a fazer, e temos vindo a fazer, o acordo de rendimento que foi firmado [em 2022], o primeiro que a CIP subscreveu, previa um aumento salarial, não estamos a falar de salário mínimo, estamos a falar do referencial, de praticamente 20% em quatro anos. E o que se previa em termos de aumento de produtividade? Apenas 8%. mas mesmo assim assinamos o acordo, ou seja, aceitamos este diferencial, mas o que está a acontecer com a produtividade? Está a decrescer. Os aumentos aconteceram em 2023, aliás, até aconteceram acima da inflação, mas a produtividade não cresceu.

O que estamos a propor, e as empresas comprometem-se com isso, é fazer efetivamente crescer os salários, e estamos a falar para chegar à média europeia, qualquer coisa entre 20% e 30%. mas, para isso, precisamos de fazer crescer a produtividade nesse mesmo valor. Se conseguimos fazer isso, isto vai exigir um esforço tremendo das empresas. Isto não se decreta. As empresas não passam, de repente, a ser mais competitivas e ser mais produtivas, e se diga que isso tem a ver com os trabalhadores que não querem trabalhar, com os empresários e gestores que não sabem gerir, que são incompetentes, também haverá quer num caso, quer noutro. Mas parece-nos que o mais importante são duas coisas: Promover o investimento, para promover a produtividade. Qual é a diferença entre um homem com uma enxada ou um homem com um trator? É, naturalmente, o trator, é o investimento. Qual é a diferença da produtividade? É óbvia. Com esta metáfora, explica-se muito bem que não é preciso compêndios para explicar a falta de produtividade. A produtividade tem a ver com escala, com investimento. com o valor acrescentado. Ainda não desenvolvemos em Portugal um verdadeiro ecossistema que permita efetivamente que as empresas ganhem esta batalha, é muita retórica e pouco de prática. Nós não precisamos só de um espírito empreendedor, precisamos de matéria empreendedora, um ecossistema verdadeiramente empreendedor. E isso passa por exigir aos empresários que sejam eficientes na gestão dos seus investimentos. Passa por pedir ao Estado que seja eficiente na simplificação administrativa e licenciamentos e de todas as suas obrigações. E passa por pedir aos trabalhadores que, naturalmente, sejam empenhados também naquilo que fazem. É um compromisso dos três.

Há o risco de uma tempestade perfeita em 2024? A economia global anémica, as taxas de juro ainda muito elevadas, com impacto nos rendimentos das famílias, mas também nas empresas, e um quadro de incerteza política. Isto torna isso objetivo ainda mais difícil, mas também será, provavelmente, uma oportunidade.

De todas as razões que referiu, há algumas que não estão no nosso controlo. O crescimento internacional, a China, as políticas de juros dos bancos centrais. E o que podemos fazer internamente? A tal ideia de construirmos um ambiente favorável para o investimento, preparar, já que é um ano difícil, o futuro. Aproveitar a transição digital, aproveitar uma oportunidade para que a nossa economia, de facto, seja mais eficiente.

Como é que podemos fazer isso?

Criando formas de governo que, verdadeiramente, estimulem a economia. Que abandone um modelo do milagre económico, que às vezes parece que existe em Portugal, e que é distribuir a riqueza que não se cria. Vamos aproveitar para criar riqueza, vamos ter efetivamente um Estado social forte, mas um Estado social forte não é fazer que todos os portugueses sejam beneficiários de uma prestação social. O último estudo que saiu é que já 61% dos portugueses são beneficiários do uma qualquer prestação social. Isto não é um Estado social forte.

É dependência?

Isto é dependência. E causa-nos alguma perplexidade quando membros do Governo apresentam este número… Já apoiamos 61%, isto deveria ser a expressão da nossa incapacidade enquanto país, a expressão do nosso falhanço. Não, deveríamos era satisfazer fortemente os que efetivamente precisam e permitir que os outros realmente consigam ter o seu projeto de vida, seja no trabalho por conta de outrem, seja no trabalho por conta própria, seja enquanto empresário. Para contrariar essa tempestade perfeita, um verdadeiro sentimento de responsabilidade dos nossos partidos para apresentarem aos eleitores projetos. Não explorem os medos dos eleitores, não explorem as angústias.

Está a ver isso?

Aquilo que verificamos na campanha é sobretudo explorar as ansiedades dos eleitores, os medos dos eleitores, aqueles que têm um poucochinho, e os portugueses, naturalmente, não querem perder o pouco que têm. Temos um grupo de eleitores que são beneficiários de uma pensão de reforma, baixas pensões de reforma, e que correm o risco de diminuir. Não é por nenhuma política partidária, apenas pela demografia. Nós vamos ter cada vez menos pessoas a trabalhar, a esperança de vida está a aumentar, o que é bom, mas significa que as pessoas vivem mais e há cada vez menos pessoas a trabalhar para pagar as suas pensões durante mais tempo. Se nada for feito, se não conseguimos criar mais riqueza, vão estar em risco não apenas o crescimento do salário, mas também o crescimento das pensões. Isto não tem nada a ver com uma política de direita ou de esquerda.

Vamos falar dos empresários. As elites empresariais têm estado à altura das exigências do país.

Essa é uma questão importante. Temos que partir de uma ideia base: É importante haver em Portugal uma ideia da meritocracia, mas com o desafio de não ser vítima de uma certa ditadura do mérito. É aquela autossatisfação, autojustificação por atingir determinados objetivos, fruto do meu trabalho. Os outros têm é que fazer o mesmo e, portanto, não há aqui nenhuma solidariedade, nenhuma responsabilidade social.

É preciso entender estas duas dimensões. Promover a meritocracia na sociedade e, ao mesmo tempo, uma responsabilidade perante a sociedade. É preciso que as elites tenham consciência que são um pólo dinamizador da nossa sociedade e esse pólo dinamizador da sociedade implica responsabilidade porque, realmente, nesta questão do mérito, as igualdades não são todas iguais, e não me refiro a igualdades apenas sociais, refiro-me a desigualdades sociais, intelectuais e de estímulo, contexto. Voltamos ao Ortega Gasset, portanto, o homem e a sua circunstância. O que devemos promover em Portugal é igualdade de oportunidades.

Mas as elites têm desempenhado esse papel?

As elites têm feito uma evolução muito significativa. Se verificar hoje, há elites já muito envolvidas em projetos sociais. Isso é muito importante e não é necessário que apareçam como ações de marketing. Isso, isso é absolutamente desnecessário, o que é necessário é que sejam efetivas, e ajudar a transformar o seu próximo de facto.

Mas o que é que nós temos visto? Podemos avaliar e discutir a dimensão da ética na gestão e na liderança. Podemos avaliar, também, a dependência, a proximidade ou excessiva proximidade entre poder económico e poder político. Tudo isto cria cumplicidades que não são saudáveis.

A solução é, efetivamente, não haver uma economia tão estatizante como a portuguesa. É preciso termos a consciência de que o Estado em Portugal é o principal empregador, o principal comprador e é o único legislador. Utilizemos uma imagem de uma autarquia de uma cidade de média dimensão. É o principal empregador, é o principal comprador, tem a pretensão de controlar, desde o rancho folclórico às associações de toda a espécie. O que quero dizer com isto? O Estado não deve sufocar a economia, obrigando-a a ter sob o seu controlo tudo aquilo que é a energia empreendedora do país. E, depois, como é ainda por cima um Estado não simplificado, incentiva muito mais uma cumplicidade que, muitas vezes, é o jeitinho muito português que é forma de as coisas avançarem. Se as coisas estão de tal maneira emaranhadas, perdidas, estagnadas, paralisadas, creio que nem estamos a falar de contrapartidas, um valor monetário ou alguma vantagem patrimonial, estamos a falar de fazer avançar o projeto. Sendo uma compensação, isso é tráfico e deve ser penalizado e criminalizado. É o nosso ordenamento jurídico. Agora, há outra esfera que é o poder pelo poder. O Estado tem o poder dizer que não, e uso-o.

Identifique uma prioridade e uma preocupação para 2024.

Uma prioridade e claramente construímos esperança. Criar esperança é encararmos o país, Não termos a perspetiva que vai ser um país perdido. Nós precisamos de nos mobilizar e, aqui, o governo, os partidos políticos têm uma responsabilidade muito grande, e também as organizações da sociedade civil.

Uma preocupação, efetivamente, é não conseguimos encontrar este desígnio e sermos uma sociedade cada vez mais dividida, não por ideologia política, mas por conceção da forma como devemos valorizar mais aquilo que nos diferencia do que aquilo que nos une.

  • Hugo Filipe
  • Partner da Nimble

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