“Um grande projeto urbanístico tem de ser discutido com os decisores públicos”

Sofia Galvão, Luís Moitinho de Almeida e Andreia Candeias Mousinho explicaram a incorporação do escritório Sofia Galvão Advogados na PLMJ e analisaram o setor de Urbanismo.

Recentemente, a PLMJ incorporou o escritório Sofia Galvão Advogados – com oito advogados – para formar a maior equipa de Urbanismo do país. A advogada integrou a PLMJ como senior counsel e Luís Moitinho de Almeida juntou-se ao colégio de sócios do escritório. A equipa de Urbanismo e Ordenamento do Território do escritório, liderada por Andreia Candeias Mousinho, passa agora a contar com 14 advogados. A Advocatus foi conversar com os três advogados sobre o departamento, o mercado da habitação e o simplex urbanístico.

Porquê regressar a uma lógica de grande escritório depois de ter tido uma boutique tão reconhecida no mercado?

Sofia Galvão (SG): A advocacia permite experiências diversas, as quais têm sentidos também diversos, alinhando-se, umas e outras, de forma coerente, em função da normal evolução das fases de cada carreira concreta. Comigo, foi assim. E, neste passo do presente, não vejo um corte, nem (muito menos) a refutação de nada. Vejo horizontes, vejo futuro, vejo a perenidade de um projeto. E vejo, muito decisivamente, o reforço desse projeto. Creio que a SGA foi um sucesso inequívoco e que o reconhecimento de que fala é a expressão disso mesmo. Mas, justamente, o que o mercado reconheceu e premiou é aquilo que queremos aprofundar, desenvolver e consolidar com esta integração na PLMJ. Comigo vem uma equipa, coesa e rodada, vem uma atitude, vem uma maneira de trabalhar (muito próxima dos clientes, dos seus projetos e das suas equipas), vem uma certa compreensão do Direito (e, especificamente, do Direito do Urbanismo) e uma certa forma de pensar esse Direito, vem uma determinada visão do que é o papel da advocacia na busca e na afirmação das soluções jurídicas adequadas e justas. É tudo isso que eu acredito, muito firmemente, que pode ganhar aqui uma nova escala e, portanto, no melhor sentido da palavra, uma nova ambição.

E porquê a PLMJ?

SG: A PLMJ foi uma escolha natural… Não fizemos uma paleta de opções possíveis, não pontuamos, nem escalonamos nada. A PLMJ foi a escolha decorrente do conhecimento direto e próximo de um certo posicionamento no mercado e uma certa maneira de trabalhar. Mais: foi a certeza de que, como ninguém mais, na PLMJ sabia-se, fruto de experiência concreta, quem nós éramos, o que fazíamos, como fazíamos, e o que entregavamos (muito em particular, a Andreia Mousinho foi o elemento de charneira e deu o testemunho decisivo). Foi, portanto, o resultado do conhecimento e da confiança recíprocos. Foi, também, a consciência de um alinhamento relativamente aos valores da profissão e ao posicionamento no mercado. Havia empatia, entre as pessoas e os projetos, com manifestações claras ao longo de anos. E, depois, houve o óbvio… A PLMJ tem uma longa história e foi pioneira na abertura de caminhos que trouxeram a advocacia portuguesa para um patamar de ambição, desafios e realizações que mudou tudo (os mais novos não têm esta consciência, mas quem viveu a revolução promovida pelas sociedades de advogados portuguesas, nos anos 80 e 90 do século XX, sabe bem do que falo). A PLMJ é, hoje, um projeto sólido, que tem uma visão de futuro e que se apetrechou para as exigências desse tempo novo que está aí, a pedir inovação, imaginação, conectividade, integração, plasticidade, responsividade. Por outro lado, passando do que é objetivo para o que é subjetivo, na minha vida de advocacia, a PLMJ era a minha alma mater. Fui estagiária de Luís Sáragga Leal, em 1989/1991 (e tenho nisso um enorme orgulho, que torno público sempre que posso), fui depois convidada também por ele para, depois de um intervalo académico, fundar aqui aquele que seria o primeiro departamento dedicado ao Direito do Urbanismo nas sociedades de advogados portuguesas, e por esse primeiro URB e pela PLMJ fiz o meu melhor ao tempo. Dadas outras voltas, e provado o sucesso da nossa experiência em formato boutique na SGA, quando urgia reforçar o projeto e garantir-lhe futuro perene, nada poderia fazer mais sentido, no quadro desta narrativa que tinha tido marcos importantes ou mesmo decisivos na velha Rua Silva Carvalho ou na Avenida da Liberdade, do que voltar a casa… Ainda por cima, nesta casa, instalada agora neste magnífico edifício, projetado pelo Diogo Seixas Lopes e pela Patrícia Barbas, a cuja história me sinto indelevelmente ligada, pelo profundo envolvimento que tive, de A a Z, enquanto advogada, no desenvolvimento do projeto – foi um processo muito marcante, em que “fizemos equipa” com cliente e todos os demais stakeholders (projetistas, gestores de projeto), de forma exemplar, como gostamos, todos juntos, nos objetivos, na aposta, na entrega, no compromisso, na vontade recíproca de aprendermos uns com os outros.

Sofia GalvãoHugo Amaral/ECO

É um regresso à PLMJ uma vida depois. Já está no escritório há dois meses. Que casa deixou, que casa encontrou?

SG: Deixei uma casa em que fui feliz e encontrei uma casa em que espero ser feliz. Muita coisa mudou, é muito patente, há mais gente, mais advogados e mais staff de apoio, há mais tecnologia, mais procedimentos, mais dinâmica na comunicação interna, na formação, nos eventos, dentro e fora. E há uma cultura, pensada e virada para o futuro, que perpassa. Ou seja, nada que eu estranhe à distância de 20 anos – estranharia, sim, se tudo estivesse na mesma. É uma grande casa, uma grande equipa, muito orientada para o futuro. Muito sem medo do futuro, na verdade, talvez seja a melhor maneira de transmitir o que sinto… Em paralelo, e para além das muitas diferenças, encontrei algumas constantes. Nas pessoas, reencontrei aqui muita gente que não via há muitos anos, sobretudo advogados e secretárias, que vou redescobrindo com gosto, nos elevadores, nos almoços, por aí, e isso é muito bom. Desses reencontros, destaco, claro, o meu ex-patrono, Luís Sáragga Leal, que já há pouco referi, cujo perfil de autoexigência, lucidez, inteligência, rigor e trabalho inquebrantável guardei sempre como referência e que, como não podia deixar de ser, venho encontrar… a trabalhar. Neste reencontro particular, reencontrei muito da minha vida, muito do que determinou o resto da minha vida como advogada.

Tem uma carreira destacada na advocacia, com uma passagem pela governação. Viu o país mudar, em especial quando pensamos na sua área de especialidade. De onde viemos, onde estamos e para onde vamos como país quando se trata das nossas cidades?

SG: Em matéria de urbanismo, e paralelamente de Direito do Urbanismo, vi mesmo muita coisa a acontecer. E, apesar de muitas insuficiências, de fragilidades que persistem e de diversos erros que não conseguimos evitar, estamos muito melhor hoje do que estávamos quando comecei. Para mim, é um caminho de mais de 30 anos e não há comparação possível entre o que tínhamos no início dos anos 90 do século XX e o que temos hoje! Melhorámos, aprendemos, acumulámos experiências riquíssimas. Mas ainda há muito por fazer. Para desenvolver todas as ideias que tenho, seja para fazer a história do que ficou para trás, seja para lhe falar dos muitos caminhos e prioridades em que já pensei para o que poderíamos melhorar no futuro, teria de me fazer outra entrevista. Dedicada, com tema único. Teria muito gosto.

Sofia Galvão, Andreia Candeias Mousinho e Luís Moitinho de Almeida.Hugo Amaral/ECO

Já se nota, com o fim dos vistos gold, um arrefecimento do investimento? Tem a expectativa que o atual Governo volte atrás nessa medida?

SG: Não faço ideia do que o Governo pensa fazer nessa matéria. Os vistos gold tiveram um papel importantíssimo no momento em que foram criados e durante um período considerável da nossa história. Mas tiveram tal papel num quadro de mudanças relevantes em matéria de arrendamento urbano e de turismo, seja no plano jurídico, seja no plano material. Houve uma dinâmica conjunta, em que cada uma destas componentes influenciou as outras.

Do meu ponto de vista, o Governo deveria focar-se na plena compreensão dessa dinâmica, das sinergias que os mercados, os investimentos e as leis são capazes de gerar e fomentar ou, no reverso, de comprometer e liquidar. A ação política deve ter a inteligência de potenciar dinâmicas de desenvolvimento e de refrear tentações dirigistas.

Que traz a Sofia Galvão e a sua equipa que a PLMJ não tinha?

Andreia Candeias Mousinho (ACM): Acho que a resposta certa é, de certa forma – e até pegando nas palavras da Sofia – mais do mesmo que já tínhamos, mas que queríamos ver crescer: traz muito talento, traz muita experiência – a Sofia é uma referência de Urbanismo em Portugal e formou uma grande equipa -, traz a mesma ambição, traz os mesmos valores. E traz outra coisa que é essencial, em cima do que disse antes: havia uma grande vontade de trabalharmos juntos. Mas traz também uma coisa de que estávamos, de facto, a precisar: uma dimensão adequada ao que hoje são as necessidades da PLMJ, que cresceram exponencialmente desde que cheguei, em 2020. Em quatro anos, a área de Urbanismo (com a Equipa a que gosto de chamar “maravilha”) tornou-se absolutamente central nos grandes projetos de investimento do país e nós temos a sorte (e espero que o engenho!) de ter vindo a acompanhar uma parte substancial deles. Ter a Sofia – visionária e fundadora do Direito do Urbanismo na PLMJ – a regressar a casa neste momento é uma honra e um sinal de que o caminho tem sido certo. Um caminho que todos os dias vamos continuar a fazer, repensando, redesenhando, renovando… Em suma: não estagnando. Os nossos clientes têm crescido muito e nós com eles. A dimensão, complexidade e âmbito dos projetos exigiam este salto. Com esta fusão, tornámo-nos na maior equipa de Urbanismo do país e estamos, por qualidade, dimensão e ambição, numa posição única para acompanhar os maiores projetos nacionais desta área.

Andreia Candeias Mousinho eHugo Amaral/ECO

Com que dimensão fica a equipa?

ACM: Com uma dimensão brutal: somos 14, neste momento! A Sofia, o Luís, a Benedita, a Micaela, o Bernardo, a Ana, o Miguel, a Beatriz, a Taís, a Mariana, a Raquel, a Margarida, a Guiomar, e eu (!). Cada um, à sua maneira, tem aquela combinação certeira de paixão, intuição e solidez jurídica. Um certo “brilhozinho nos olhos” quando trata e pensa urbanismo e ordenamento. Todos com uma formação jurídica muitíssimo sólida e dinâmica e, ao mesmo tempo, com rasgos “out of the box” desbloqueadores de imbróglios jurídico-urbanísticos desafiantes. Não posso deixar de assinalar que esta equipa de 14 pessoas altamente especializadas em urbanismo e ordenamento, em função do projeto que acompanha e das suas específicas necessidades / características, trabalha de “mãos dadas” com as outras equipas da PLMJ. Beneficiando da multidisciplinaridade da PLMJ, das suas várias forças e valias, é-nos possível formar as equipas “do Projeto” e “para o Projeto”.

O Urbanismo é tipicamente um nicho nos escritórios. A equipa de Urbanismo da PLMJ torna-se a maior do mercado e esse facto traz uma exigência grande de geração de negócio. Há realmente mercado em Portugal para uma equipa desta dimensão?

ACM: Sem dúvida. Há mercado em Portugal e além de Portugal e, para um escritório como a PLMJ, falar apenas de investimento nacional já não faz sentido atendendo ao perfil da maioria dos nossos clientes. Seja como for, na PLMJ, consideramos que o crescimento saudável e sustentável do escritório, das suas áreas, das suas pessoas, tem de ser feito de “modo preventivo” e não de “modo reativo”. Quando voltei ao escritório, em 2020, e queríamos reforçar a Equipa, alguém me disse que o crescimento tinha de ser feito sem receio da ausência/da insuficiência de negócio. As pessoas, o seu know how, a sua qualidade, são, elas próprias, geradoras de trabalho. E assim foi. Por isso, este crescimento da equipa de Urbanismo é um crescimento que, sem prejuízo da sua natureza “especial” (pelos motivos que acima referi), é natural. É em linha com a estratégia de desenvolvimento da equipa e do escritório. Não obstante, há efetivamente mercado nesta área. Temos andado muito ocupados com projetos verdadeiramente estruturantes e sentimos – e reconheço que o Simplex Urbanístico veio intensificar esta realidade – que há uma procura cada vez maior da boa assessoria urbanística e de ordenamento do território. Não sentimos abrandamento no mercado. Muito pelo contrário.

Sofia Galvão, Luís Moitinho de Almeida e Andreia Candeias Mousinho eHugo Amaral/ECO

Uma das novidades mais recentes desta área é o Simplex Urbanístico, que falou. Numa fase inicial, saudou-se o objetivo da lei, mas houve muitas críticas porque era em muitos aspetos, impossível de implementar. Os principais problemas estão resolvidos?

ACM: Nós somos um povo que nunca se resignará e jamais se acomodará. Depois de ultrapassarmos um desafio, vamos perceber que há mais dois ou três com que temos de lidar… O Simplex Urbanístico veio efetivamente tentar dar resposta a um conjunto de temas que foram identificados – em particular pelos investidores – como causadores de bloqueios ao investimento, ao desenvolvimento urbanístico e do território, à disponibilização de habitação, etc. Ainda não é possível concluir se o Simplex Urbanístico veio resolver estes temas. Não houve tempo e foi tudo muito rápido e destruturado, tendo inclusivamente havido alguma paralisação (alguns receios adicionais) nas submissões de procedimentos. Na verdade, aliás, sabemos que o Simplex Urbanístico está a ser retificado, clarificado ou alterado, pois foi compreendido por todos os players no setor que a sua redação padecia de fragilidades, imprecisões e lacunas que teriam de ser acomodadas / ultrapassadas. Isto está a ser feito; temos de aguardar mais um pouco para perceber de que forma e com que resultado. Sem prejuízo, enquanto se está a mexer na legislação, esta mesma legislação está a ser implementada pelas entidades (públicas e privadas). Esta implementação, não só porque parte de uma base frágil e nada clara, mas também porque pressupõe uma mudança de mentalidades (esta, quanto a mim, o desafio maior), não tem sido fácil e não tem contribuído de modo evidente para os objetivos que sustentaram a alteração legislativa. Talvez esta situação pudesse ter sido adivinhada, pois a verdade é que a legislação, antes do SIMPLEX, já continha muitos mecanismos pró-objetivos Simplex que nunca se conseguiram aplicar de modo efetivo e uniforme. Em todo o caso, há vontade de criar as condições legais necessárias para se poder desenvolver, de facto, o nosso território (as cidades e fora das cidades). A exigência, a responsabilidade e o know how especializado e multidisciplinar são e serão condições sine qua non para levar qualquer projeto a bom termo. Independentemente das alterações que estão na calha, isto não será certamente revertido e temos de estar preparados. Só com estes ingredientes é que os desafios (ou os problemas) podem realmente ser ultrapassados.

Onde é que Portugal se compara (bem e mal) com os destinos com os quais concorre pela captação de investimento estrangeiro?

ACM: É inevitável que Portugal concorra com a Espanha em investimento estrangeiro, sobretudo nesta área em que grandes players olham para a Ibéria. Espanha tem tido uma política penalizadora do investimento que deveria ser aproveitada. Anunciou, por exemplo, um regime fiscal muito penalizador das Socimi (sociedades de investimento imobiliário cotadas em bolsa), o que é uma oportunidade para Portugal (até porque o nosso mercado de SIGI – sociedades de investimento e gestão imobiliária – não teve, por várias razões, o sucesso que se esperava). Era relevantíssimo poder, muito rapidamente, dar um sinal de que estamos disponíveis a receber estas entidades. Ou seja, Portugal já compara bem, mas poderia comparar melhor com pequenas alterações cirúrgicas. Nada de grandes revoluções, nem reformas profundas, até porque os investidores gostam sobretudo de estabilidade (viu-se como o Simplex, ao querer mudar tudo de uma vez, paralisou de certa forma os inputs procedimentais; se o novo Simplex Urbanístico que está para sair souber ser moderado, coerente e transmitir confiança, incidindo apenas sobre os nós górdio seria ótimo). Até porque o regime das SIGIs e das SICAFI já é particularmente atrativo. Onde ainda se poderia mudar seria sobretudo na transmissão de uma cultura de diálogo e compromisso. É impossível um grande projeto urbanístico não ser apresentado, discutido e consensualizado com os decisores públicos. Não é como um requerimento que se apresenta e depois se espera para ver se é aceite ou não. Eu diria que essa cultura de diálogo e compromisso, feito de forma aberta e transparente que transmita confiança, seria onde comparamos pior. Nos instrumentos jurídicos, sinceramente, estamos bem.

Para que tipo de projeto Portugal tem sido particularmente procurado?

Luís Moitinho de Almeida (LMA): Para diversos tipos de projeto, na verdade. Continua a existir uma relevante procura para os segmentos da habitação e hospitality, mas temos notado sobretudo muito interesse e surgimento de novos projetos nos setores da indústria e logística, comércio de retalho e escritórios (em especial nas áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto). Para além disso, continuamos a ter projetos mais “fora da caixa” a acontecer, seja no setor do ensino e da investigação, do lazer e do turismo.

Não pode deixar de ser salientado que continua a existir uma dinâmica resiliente do mercado imobiliário nacional, que em muito contrasta com o que se vive noutros países, em que há um claro arrefecimento do setor imobiliário nas suas diversas componentes (nomeadamente no centro da Europa).

Luís Moitinho de AlmeidaHugo Amaral/ECO

Um dos principais desafios das cidades tem sido o da especulação imobiliária. Há forma de resolver este problema? O BdP ainda há pouco divulgou números de aumentos de preços em Lisboa que não têm par na Europa. Há solução? Soluções para isto? Quais?

LMA: É um tropismo populista irresponsável assumir que a especulação imobiliária é a causa única de todos os males no setor da habitação, que comodamente nos desresponsabiliza (a todos, decisores públicos, agentes do mercado, eleitores) pela falência das nossas políticas públicas neste domínio.

O problema, a meu ver, é maior e mais complexo: é a dificuldade de acesso ao mercado da habitação – seja através de arrendamento, seja através de compra de casa própria. E esse problema resulta, antes de tudo o mais, da estagnação económica do país ao longo das últimas décadas, que está a criar um fosso cada vez maior entre os rendimentos disponíveis das famílias portuguesas e o valor de mercado das casas disponíveis. E, quanto ao valor de mercado das casas disponíveis importa não esquecer que para a formação do preço concorrem fatores complexos que pouco ou nada têm a ver com questões de especulação imobiliária. Basta pensar no peso da fiscalidade na construção de casas novas (desde logo, o IVA e o IMT), na exiguidade do universo de empresas de construção (uma consequência da última grande crise económico-financeira), na morosidade dos procedimentos administrativos de controlo prévio de obras ou na disfunção do mercado de arrendamento, fruto das tergiversações e sucessivos volte-face legislativos que minaram a confiança dos proprietários e investidores.

É certo que há formas de promover adequadamente o acesso à habitação. Mas tal deve ser feito com pragmatismo e sem o pensamento mágico de que a habitação pública é a única solução para o problema. Está, aliás, à vista o alcance limitado do sucesso das medidas de políticas públicas que estão em execução (para não dizer ineficácia) essencialmente nesse pressuposto. Para além disso, não se pode desconsiderar a importância da dinamização do mercado de arrendamento, no âmbito do qual hoje existe inclusivamente apetite de investidores para apresentar soluções build to rent com escala, eficácia e eficiência na provisão de soluções habitacionais.

A curto prazo, para a escala do problema com que nos deparamos, as únicas ferramentas de promoção do acesso à habitação que me parecem ser verdadeiramente eficazes assentam na redução dos custos a suportar pelas pessoas que compram ou arrendam casa – seja através de mecanismos de alívio da fiscalidade, seja através de mecanismos de subsidiação de renda.

A era da sustentabilidade dificulta a resolução do problema da habitação, na medida em que complexifica a edificação de projetos? A sustentabilidade é mais cara?

LMA: A sustentabilidade ou, noutra expressão, o desenvolvimento sustentável, tal como definido inicialmente no Relatório Brundtland da Comissão das Nações Unidas para o Ambiente e Desenvolvimento, aponta para três dimensões – económica, social e ambiental – que se devem entrecruzar. Ou seja, não tenho por certo que a sustentabilidade seja mais cara para todos, até porque da mesma decorre a promoção do acesso à habitação aos cidadãos que careçam de ser apoiados (dimensão social).

Ainda assim, vale aqui o velho adágio dos economistas: “não há almoços grátis”. A sustentabilidade ambiental pode, de facto, representar um encarecimento dos custos de construção ou de reabilitação de edifícios. Isso não significa, porém, que a sustentabilidade não seja economicamente mais vantajosa. Bem pelo contrário, as dimensões de longo prazo e de escopo alargado de incidência da sustentabilidade permitem usualmente compensar o acréscimo de custos de investimento (CapEx) com custos mais reduzidos de operação (OpEx), já para não falar do valor inerente à mitigação das externalidades negativas da construção. E, pese embora nem sempre tenha existido a devida consistência, o encarecimento dos custos de investimento tem sido muitas vezes contrabalançado por políticas de incentivos financeiros (através dos mecanismos de co-financiamento ou por via tributária) adotadas para o efeito.

Não posso acabar de responder sem referir que poderá existir um certo gold plating na definição dos standards e timings de adoção de políticas de sustentabilidade cuja adoção decorre essencialmente da transposição de atos jurídicos que provêm da União Europeia ou de outras instâncias internacionais, sem que a adoção de standards mais elevados do que o exigível (ou mais cedo do que o necessário) tenha sempre a merecida discussão pública. Discussão pública na qual, evidentemente, num contexto de crise de acesso à habitação, deverá obrigar a sopesar as implicações que possam advir para a satisfação de tal necessidade colectiva.

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