Pedro Oliveira diz-se surpreendido com ataque da administração de Donald Trump a universidades norte-americanas e argumenta que tal poderá ser uma oportunidade para atrair talento para a Europa.
Viveu nos Estados Unidos, onde tem mantido contactos há vários anos. Pessoas com quem sempre falou sobre política… até Donald Trump ter regressado ao poder e iniciado uma série de ataques às universidades norte-americanas. Em entrevista ao ECO, Pedro Oliveira, dean da Nova SBE, sinaliza que “as pessoas estão com medo” e já não sentem que “possam expressar-se com toda a liberdade“, desse lado do oceano.
Ainda que essa seja uma “situação lamentável”, o responsável assinala que pode ser também uma “grande oportunidade para a Europa e para países como Portugal” atraírem talento. Além disso, frisa Pedro Oliveira, face aos ataques de Donald Trump, tem crescido o interesse das universidades norte-americanas em fazer parcerias com escolas em Portugal.
O dean da Nova SBE aproveita, no entanto, para deixar um recado ao Governo de Luís Montenegro: é urgente resolver os atrasos na emissão de vistos. “Não ter os papéis em ordem é uma causa de grande stress para muitos dos nossos professores”, salienta Pedro Oliveira.
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Viveu nos Estados Unidos, onde fez o seu doutoramento. Como é que vê o atual degradar da relação da administração de Donald Trump com as universidades e com os estudantes estrangeiros?
Vejo com grande surpresa tudo aquilo que está a acontecer. É mesmo inacreditável que aquele que pensava que era o país da liberdade e do mercado livre se está a tornar de repente nisto, que é difícil de qualificar. Nunca pensei ver uma guerra da administração federal às universidades… A tentar, no fundo, destruir algumas das melhores universidades do mundo. Isto é bastante chocante, porque, se há algo que faz dos Estados Unidos uma clara potência líder na inovação e no crescimento económico, são as universidades.
Está espantado por não haver resistência por parte das universidades. Em que sentido? O que é que esperava da parte das universidades, perante um ataque como este?
Tenho estado um pouco surpreendido por não haver uma resistência maior por parte das universidades americanas a muitos destes ataques. Por um lado, percebo, porque quando se corta o financiamento as pessoas perdem o emprego. Consigo perceber que as pessoas estejam muito apreensivas. Mas tenho sentido, por exemplo, nos meus contactos com pessoas que conheço há muitos anos e com quem sempre discuti política um menor à vontade para ter estas conversas por e-mail. Já tive algumas conversas que não tiveram correspondência, porque as pessoas estão com medo. Há pouco mais de um mês, estive numa reunião de diretores de escolas de negócios em Viena. Foi muito impressionante, porque muitos dos meus colegas que são diretores de escolas bastante conhecidas, quando falavam, tiravam o name badge, porque preferiam não ser identificados. As pessoas já não sentem que possam expressar-se com toda a liberdade.
Muitos dos meus colegas que são diretores de escolas bastante conhecidas, quando falavam, tiravam o name badge porque preferiam não ser identificados. As pessoas já não sentem que possam expressar-se com toda a liberdade.
Mesmo na Europa?
Essencialmente nos Estados Unidos. Mesmo na Europa, porque estávamos num ambiente internacional e bastante público. Acho que as pessoas estão a ficar bastante apreensivas.
Disse que perder financiamento significa perder o emprego. Em paralelo, acha que Portugal deveria apostar na atração destes investigadores e cientistas que estão a ficar sem emprego? E que condições temos para fazer essa atração?
Esta é uma situação lamentável que prejudica todos, mas acho que o que está a acontecer pode ser uma grande oportunidade para a Europa, e até para países como Portugal. Muitas destas pessoas vão querer ou já estão a querer sair dos Estados Unidos. Há aqui uma oportunidade para criar condições para também atrair essas pessoas. Digo também atrair essas pessoas, porque acho que devem ser sempre oportunidades criadas para todos. Ou seja, quando recrutamos, não estamos a pensar fazer um programa para favorecer os americanos.
Mas Portugal conseguirá competir, por exemplo, com França, Itália, e com outros países europeus que também terão este interesse de atrair este talento?
Portugal, nos últimos anos, tem-se notabilizado pelo crescimento e pela internacionalização. A nossa escola é muito internacional. O nosso mestrado tem 72% de alunos internacionais. Neste momento, 58% dos nossos professores de carreira são estrangeiros. Em particular, nos últimos dois ou três anos, temos vindo a recrutar muita gente. Não recrutamos estrangeiros, recrutamos os melhores. Passámos de 87 professores de carreira para 122, e a larguíssima maioria destas novas contratações foram internacionais. Agora estamos um bocadinho mais atentos ao mercado americano, porque se calhar antes não havia tantos candidatos americanos e agora há mais. Dito isto, obviamente é muito complicado [atrair este talento], porque existe ainda uma grande disparidade entre, por exemplo, os salários académicos nas áreas de economia e gestão, nas escolas europeias e nas escolas americanas.

Estamos a falar de que diferença?
Pagam duas ou três vezes mais. Obviamente, o custo de vida é bastante diferente, e é por isso que já conseguimos atrair gente. Temos tentado criar condições para atrair alguns dos melhores académicos nas respetivas áreas.
Que condições são essas?
Tentamos, em cima de uma remuneração base de um professor de carreira, oferecer-lhe uma cátedra. Muitos dos meus colegas têm cátedras, que lhes permite ter um ordenado mais interessante, mas também ter financiamento para investigação. O nosso objetivo é fazer isto cada vez mais. Hoje há muita gente que olha para a possibilidade de ir para a Europa com muito bons olhos. Sentimos, de facto, que há hoje um maior interesse de candidatos americanos, por exemplo, na nossa escola.
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Mas estava a dizer que não vale a pena ter um programa especificamente dirigido ao talento dos Estados Unidos…
Faz. Vários países têm estado a fazer isso. Espero que o Governo português também possa caminhar nesse sentido. Tenho feito algumas propostas nesse sentido. Mas, lá está, não apenas para americanos. Para atrair os melhores recursos que estiverem disponíveis. Mas, sim, acho que estes programas fazem sentido. A presidente da Comissão Europeia anunciou um pacote de 500 milhões de euros, por exemplo. É um bom princípio.
França avançou com 100 milhões de euros nesse sentido. Qual seria um valor realista em Portugal?
Qualquer coisa como 30 ou 50 milhões de euros seria espetacular. Seria uma grande oportunidade para as universidades portuguesas. Sabemos que isso não é muito fácil. Já agora, também não é o único desafio.
Os nossos professores e os nossos alunos não europeus estão a ter dificuldade em obter licenças de residência. É urgente atuar.
Que outras dificuldades aponta?
Sabemos que tem havido inúmeros desafios relacionados com licenças para viver em Portugal. Os nossos professores e os nossos alunos não europeus estão a ter dificuldade em obter licenças de residência. Para atrair um professor para Portugal ou uma família, é preciso muito mais do que pagar-lhes bem. É preciso criar condições para que as pessoas possam vir, consigam ter vistos de residência. É urgente atuar.
Os processos de imigração, neste momento, estão a travar esta atração de talento internacional.
Tem havido muitos atrasos ligados a licenças de residência em Portugal. Isto tem impacto em muita gente.
Houve algum processo de contratação que tenha ficado já prejudicado por isso?
Não consigo sequer responder a isso, porque fazemos muitas ofertas a professores que não vêm. Mas há aqui uma parte reputacional que não consigo aferir. O facto de eles terem informação de colegas, de amigos, dos jornais de que há muitas coisas que não estão a correr bem no que respeita a vistos, isso não nos ajuda nada. Está a prejudicar-nos imenso, neste momento.

Sentiu melhorias no último ano? O Governo tem feito disso bandeira.
No caso dos nossos professores, continuamos com inúmeras dificuldades. Às vezes, é um mal-estar de saber que se está ilegal num país. Tem-se um emprego, está-se cá só porque houve uma universidade que fez uma oferta, mas as pessoas sentem que estão… Não ter os papéis em ordem, depende obviamente também da pessoa em causa, é uma causa de grande stress para muitos dos nossos professores.
O que é que se pode fazer?
Uma das coisas que conseguimos fazer foi abrir no nosso campus, com a colaboração da Agência para a Modernização Administrativa, o chamado Citizen Lab, que é uma espécie de uma loja de cidadão, mas focada em cidadãos internacionais que vivem em Portugal. Isto para ajudar a Administração Pública a perceber melhor os desafios e desenvolver alguns serviços que possam ir de encontro a esta população. Mas as questões das residências continuam complicadas.
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No que diz respeito à relação com os EUA, sei que têm várias parcerias com universidades norte-americanas.
Temos muitas. O The Lisbon MBA é uma parceria com o MIT. Os nossos alunos chegaram no sábado [31 de maio] a Boston e conseguimos o que não pensávamos que íamos conseguir, que foi que toda a gente conseguisse visto. Foi o primeiro ano em que foi mesmo resvés Campo de Ourique. Foi no último dia que alguns conseguiram ter visto. Temos outras parcerias, por exemplo com a Harvard, no âmbito de um novo instituto, que é o Digital Data Design. Temos uma parceria com a Universidade de Stanford, com quem estamos a tentar criar um novo instituto na área da sustentabilidade. Temos um programa com a Universidade de Nova Iorque, em que os alunos começam cá e acabam em Nova Iorque, e têm acesso ao mercado americano.
E todas essas parcerias vão continuar, apesar do clima vivido nos Estados Unidos?
Até agora, estamos a manter todas as parcerias. Estamos com dificuldades acrescidas e não sabemos bem o que esperar do futuro próximo. Por exemplo, tinha previsto no mês de maio a vinda de um grupo grande de colegas da Universidade de Stanford. Esta viagem está agora adiada para outubro. Neste momento, até há um maior interesse das universidades americanas em fazerem parcerias e trabalharem connosco. Agora, se isso se vai complicar ou não, não sabemos. Acho que nunca houve tanto interesse americano em Portugal. Precisamente, porque as universidades estão a ser muito atacadas e querem estar em redes internacionais.
Acho que nunca houve tanto interesse americano em Portugal. Precisamente, porque as universidades estão a ser muito atacadas e querem estar em redes internacionais.
O corpo discente da Nova SBE já é bastante internacional. Para o ano letivo que se vai iniciar em setembro, espera que o número de alunos norte-americanos aumente?
Este ano foi um dos anos em que tivemos o maior aumento de candidaturas, para os cursos que vão começar em setembro. Estes candidatos vêm de todo o mundo e ainda são maioritariamente europeus, mas onde vemos um grande crescimento é nos países de fora da Europa: nos Estados Unidos, mas também no Brasil e no Canadá. Havia muitos alunos canadianos e mexicanos que optavam por estudar no mercado americano. Como os Estados Unidos estão cada vez mais fechados, agora olham para nós com outros olhos. A oportunidade que Portugal tem hoje de ser conhecido pelas suas universidades é algo que nunca aconteceu na sua história. Nunca na nossa história Portugal foi um destino para estudar como hoje é.
E como se converte esses estudantes em trabalhadores, que ficam em Portugal?
O mercado de emprego português ainda não é assim tão competitivo e, portanto, as pessoas optam por sair. Esperemos que seja possível, nos próximos anos, tornar a economia portuguesa mais competitiva.

A Nova SBE conseguiu renovar recentemente a acreditação junto da agência norte-americana. O processo foi mais complicado desta vez?
O processo correu muito bem. Mas uma das coisas que a administração Trump fez e que é bastante bem pensada – mas no sentido um pouco maquiavélico – foi tentar influenciar a agência de acreditação. Tentou alterar as interpretações dos padrões, precisamente para influenciar as escolas, não apenas nos Estados Unidos, mas um pouco por todo o lado, a seguirem muita desta agenda que não é favorável à diversidade e inclusão ou à sustentabilidade. Para nós, não foi um problema, porque não está sequer ainda em vigor, mas tem havido muitas tentativas de influenciar a forma como nós gerimos escolas de gestão no mundo todo, através desta agência de acreditação.
Veja abaixo a entrevista na íntegra:
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“Universidades americanas têm mais interesse em fazer parcerias em Portugal”
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