Valdemar Duarte: Ageas Pensões vai atingir 6 mil milhões de ativos sob gestão

A Ocidental Pensões passou a designar-se Ageas Pensões, mas apenas isso mudou. Mantém a liderança com cerca de 28% de quota de mercado entre os ativos geridos pelos seus fundos de pensões.

Em Portugal, os ativos sob gestão pela industria seguradora atingem os 50 milhões de euros. Desses, 20 milhões são geridos pelos gestores de fundos de pensões e – prevê a empresa – 6 mil milhões destes estão sob a guarda da Ageas Pensões, ex-Ocidental. Valdemar Duarte, 58 anos, economista pelo ISEG e a trabalhar no setor desde que se formou é, há muito tempo, responsável pela gestão destes fundos na agora designada Ageas Pensões . Embora existam diferenças entre gerir produtos Vida financeiros e fundos de pensões, todos os produtos e instrumentos seguem uma lógica de longo prazo.

Perante uma longa crise de taxas de juro baixas, as seguradoras e gestoras fazem face à quebra de vendas perante a impossibilidade de garantirem rendimentos mínimos aos clientes. Também a segurança social ser complementar ou concorrente de produtos privados de reforma são questões em discussão.

Valdemar Duarte foi entrevistado por ECOseguros.

Com produtos sem garantias de rendimento mínimo, as vendas de seguros Vida financeiros estão em baixa.

Ter garantias de rendimento é algo muito importante. Quando eu ponho o dinheiro de lado para ir comprar um carro para o mês que vem ou fazer as compras do próximo mês, se eu perder dinheiro é desagradável. Mas, quando eu estou a aplicar dinheiro para daqui a vinte anos, não estou preocupado que seja sempre positivo o rendimento. Se estivesse cinco anos, dez anos ou mais em baixa, seria desagradável, mas não tem sido o caso.

Se alguém garante rendimento e não tiver capacidade para o garantir, fecha. Por isso é que as autoridades exigem níveis de solvabilidade para quem garante, para alguém garantir qualquer coisa tem de ter por trás mais do que aquilo que lhe entregaram. Tem de ter uma responsabilidade adicional para poder assegurar rendimento.

Valdemar Duarte, diretor geral Ageas Pensões: “Ao longo da história já lá vão cerca de 13 mil milhões de Euros, transferidos de fundos de pensões para o Estado”

Como avalia os riscos atuais

Existem vários níveis de risco, o primeiro é o risco de mercado que tem a ver com os preços, que sobem e descem. Nunca houve muito mais do que três anos em que um resultado negativo não tenha sido superado. Temos fundos de pensões abertos que existem desde 1992, e já tivemos em alguns anos rendimentos negativos. Por exemplo, o passado ano não correu muito bem e nos meses de novembro e dezembro os rendimentos dos três fundos que comercializámos foram negativos e um deles perto de 9%. Seria negativo se a pessoa tivesse metido o dinheiro no princípio do ano e no final do ano precisasse desse mesmo dinheiro.

Depois há risco de crédito que é muito importante e acontece quando, ao tomar ativos de entidades, estas não devolvem o dinheiro. O risco de crédito é comprar ativos de empresas, nomeadamente obrigações e depois não obter nem o rendimento e muitas vezes nem o capital. Esses riscos são minorados com uma política em que se invista em ativos de boa qualidade e nos nossos fundos temos como regra só investir acima de investment grade, ou seja, patamares acima daquele em que Portugal foi classificado quando esteve com problemas.

Neste tipo de produtos o risco de liquidez não existe porque as pessoas num fundo de pensões não vão resgatar a qualquer momento, é para ir buscar para a reforma.

Face aos maus resultados devidos às baixas taxas de juro as autoridades europeias temem que os investidores compensem com arbitragem em câmbios ou leverage. O que pensa sobre estes instrumentos?

Nós investimos, não jogamos, por isso não fazemos o leverage. Ou seja, não pego em 1000 que recebo e compro 2000 e uso crédito, o chamado leverage, a alavancagem. De alavancagem utilizamos zero.

Quanto a câmbios, nós investimos cada vez mais em mercados globais. O peso de Portugal nas carteiras é o que Portugal vale no mercado europeu, que é muito pouco. Investimos cada vez mais também em mercados globais que não são expressos em euros, mas posso comprar ativos noutras moedas e cobrir o risco cambial.

As nossas responsabilidades são em euros e predominantemente investe-se em euros, o que não quer dizer que não se invista em ativos noutras geografias mas, nesse caso cobre-se o risco do euro. Não é na parte cambial que se espera ganhar dinheiro.

A Ageas fala em ESG, uma nova vertente de análise de risco

Desde julho do ano passado que introduzimos uma vertente de análise de ESG: Enviromental, Social e Governance.

Setores ou empresas que são mesmo excluídas são as ligadas a armamento controverso. Depois há outras situações que evitamos, mas não estão diretamente excluídas. Por outro lado, já temos fundos em que a escolha dos ativos é vista duma forma positiva, portanto, de impacto positivo em termos não só do ponto de vista ambiental mas também de governance e de vertente social.

Depois ainda temos algo que é extremamente importante que é a vertente do engagement. Como investidores institucionais, controlamos direta ou indiretamente empresas. E se cada um dos investidores em grandes empresas por si não vale nada, todos juntos valem muito.

O que é o engagement neste contexto?

É ter uma monitorização e um controle sobre as empresas onde se investe para essas questões ambientais, sociais e de governance. Quando olhamos para uma empresa na vertente do rating, a nossa preocupação não é só se vou ter de volta o que empresto. Não é só se o rating é triplo A, ou duplo A, mas também saber se eles usam trabalho infantil, se cumprem regras, se usam carvão como energia, dados que na vertente do risco de crédito são secundárias. No entanto poderão tornar-se preocupações primárias se eu pensar que uma indústria que, por exemplo, esteja muito dependente do carvão, hoje pode estar a ganhar dinheiro mas daqui a cinco anos pode ter sérios problemas. Assim, é feita uma análise às empresas que pode levar a um relatório em termos de ESG, e esse relatório pode dizer, por exemplo, que a empresa trabalha muito bem na sua casa-mãe aqui na Europa ou nos Estados Unidos, mas usa mão-de-obra infantil ao longo do mundo. Isso é um risco.

Esta questão do engagement é algo que monitoramos e, por cima disso tudo, temos uma coisa que é sermos signatários dos PRI’s que são os Principals for Responsible Investments, conceito regulado pelas Nações Unidas. A nossa preocupação não é só que o cliente esteja a investir num produto que gere rendimento, embora essa seja importante, mas que lhe seja transmitida confiança em relação a valores essenciais que asseguram a reputação das empresas no longo prazo.

"Não gostamos de influenciar. Podemos participar em nomeações da administração mas não influenciamos.”

Isso implica influenciar a gestão das empresas onde investem?

Não, não gostamos de influenciar. Podemos participar em nomeações da administração mas não influenciamos. Normalmente o nosso posicionamento, está escrito no nosso site, são as nossas linhas gerais de orientação e essas são no sentido de dar suporte às propostas da gestão. Esse é o nosso primeiro posicionamento.

Esse posicionamento pode ser subvertido quando questões como esta de ESG são colocadas, ou questões de remuneração ou de ética ou quando há clivagens entre blocos de acionistas. Normalmente a nossa posição mais frequente é de neutralidade, mas podemos tomar uma atitude diferente.

Quem gere na prática os fundos da Ageas?

A empresa com mais volume é a BMO mas, como gerimos fundos de pensões de grandes empresas, damos mandatos a mais de dez entidades e muitas são portuguesas. Por um lado somos concorrentes mas estamos habituados a ser gestores de investimento de concorrentes como BPI, Caixa, GNB, que são também nossos fornecedores de gestão. Nestes novos fundos de pensões abertos, a gestão de investimentos é integralmente da responsabilidade da BMO, mas compete-nos definir as regras de investimento e de alocação estratégica. As sociedades gestoras que contratamos prestam contas numa base mensal e, com reuniões mais formais, trimestralmente.

Há poucos fundos de pensões em Portugal?

Esta percentagem é apenas de cerca de 3 ou 4% de pessoas abrangidas. Os negócios que se fazem em Portugal neste sentido são muito poucos, tudo porque não há qualquer estímulo.

Nas maiores empresas portuguesas quantas têm planos de pensões e fundos de pensões?

Se falar daquelas que eram originárias das empresas nacionalizadas, quase todas essas tinham. Aquelas que viraram para o setor privado como Brisa, EDP, Cimpor ou Portucel, todas essas têm os seus fundos de pensões. Todas aquelas que eram Estado e continuaram Estado deixaram de ter, como Rodoviária Nacional, Metropolitano, todas acabaram com os benefícios de reforma. Ou incorporaram esses fundos no Orçamento Geral do Estado ou na Segurança Social. Ao longo da história já lá vão cerca de 13 mil milhões de Euros, transferidos de fundos de pensões para o Estado. O maior foi o da banca, em 2011, de 7 mil milhões de Euros.

"A Segurança Social nunca pode falir. É fácil sobreviver, é só ajustar os benefícios que paga e nunca vai à falência.”

Como isso compara com a Europa?

Em 2015 os ingleses olharam para o nível de participação e constataram que só 45% da população era abrangida por fundos de pensões e entraram em pânico. Então criaram um sistema designado auto enrolement que é quase obrigatório. Tem contribuições da empresa e tem contribuições do trabalhador. Como resultado o que acontece hoje é cerca de 90% da população inglesa estar abrangida por fundos de pensões, com contribuições significativas que já tendem para os 10% dos salários.

Se for a outros países isto acontece. Em Portugal o que tem acontecido é o discurso oficial de que a Segurança Social está para durar e está saudável. Isso é bom, é saudável mas pode esconder um problema.

O problema do envelhecimento. Há a questão de repartição ou capitalização em concorrência. É melhor contribuir tudo para a segurança social ou parte para planos privados?

Não é a capitalização que é melhor do que a repartição. Isso, isso era discurso de há trinta anos ou quarenta anos, quando podia fazer algum sentido. Hoje, não faz sentido nenhum, ou seja, tudo deve ajudar.

Nos países europeus a pensão de primeiro pilar que as pessoas vão receber é 30, 40 % do seu último salário. Em Portugal hoje o que se tira são 80 %, é muito bom, a questão é vamos conseguir manter isso.

Há risco de a segurança social falhar no futuro?

A Segurança Social nunca pode falir. É fácil sobreviver, é só ajustar os benefícios que paga e nunca vai à falência.

Ou se aumentar as receitas. Conseguimos atingir esse objetivo facilmente, se duplicarmos ou se aumentarmos 50% as contribuições para a Segurança Social. Mas depois, como vivemos em economia aberta e somos um país pequeno, se os nossos custos com salários forem muito elevados temos problemas de competitividade, portanto a possibilidade de aumentar essas variáveis é relativamente pequena.

Por que não existem mais fundos de pensões?

Não é porque eles não sejam bons, é porque as empresas não os fazem. Primeiro porque os colaboradores das empresas também não fazem pressão junto dos seus empregadores para ter um fundo de pensões. Para esses empregadores é mais um custo que vão ter e por essa razão não fazem um fundo de pensões. Isto só se inverte quando o Estado fizer alguma coisa em termos de indicação.

O que pode fazer o Estado? Benefícios fiscais?

Não é preciso um grande benefício fiscal. Aquilo que nós propomos para o Orçamento Geral do Estado é uma coisa muito simples: Que as empresas entreguem em planos se o trabalhador entregar igual. E a empresa majorar o custo em 50 %, ser mais do que ser só custo, ser majorado. E aquilo que os colaboradores entregam também poder ser deduzido nos seus impostos, independentemente de outras deduções que hoje façam.

Esse estímulo será suficiente?

Só faz um fundo de pensões quem o quer manter. O difícil não é fazer um fundo de pensões é manter um fundo de pensões. Quando alguma empresa vem a correr fazer um fundo de pensões o nosso papel é ao contrário, porque constituir um fundo de pensões é como estar a fazer entregas para a Segurança Social.

Que boas notícias poderão chegar para assegurar reformas?

O PEPP – Pan European Pension Product, que é um produto objetivamente só para a reforma, um produto que vai ter caráter inovador. A pessoa pode mudar de país de residência e mantém o mesmo fornecedor e receberá no fim conforme as geografias onde trabalhou. Há uma uniformidade do produto, ou seja, a matriz do produto é a mesma para toda a Europa.

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