De passagem por Lisboa, onde reuniu com bancos e autoridades, o presidente do Conselho Único de Resolução, Dominique Laboureix, afirmou em entrevista ao ECO que as crises bancárias estão a mudar.
De passagem por Lisboa, onde se encontrou com os principais banqueiros e autoridades nacionais, o presidente do Conselho Único de Resolução, Dominique Laboureix, prometeu que vai aliviar o fardo da regulação sobre os bancos, mas pediu tempo para implementar as mudanças — ainda que tenha alertado para o risco de a agenda de simplificação regulatória prometida pela Comissão Europeia “baixar a fasquia” e “enfraquecer a resiliência do setor”.
Em entrevista ao ECO, o responsável francês elogiou os progressos realizados pelos bancos portugueses na última década com a redução do malparado e o aumento da rentabilidade. “Reestruturou-se, houve muitas mudanças, mas o processo ainda não terminou”, assinalou Laboureix, lembrando o Novobanco, cuja venda ao Groupe BPCE representa um “excelente exemplo de consolidação transfronteiriça dentro da União Bancária”. “Diziam há alguns meses que era absolutamente impossível e agora o sistema bancário português demonstra que isso não é verdade – é possível”, afirmou.
Dominique Laboureix também abordou as recentes falências bancárias, incluindo do Credit Suisse e do Silicon Valley Bank (SVB), para avisar que “a tipologia das crises bancárias está a mudar”, o que deixa os supervisores em sobreaviso.
O Mecanismo Único de Resolução (SRM) completa 10 anos de existência este ano. Que lições foram aprendidas na última década em termos de resolução bancária?
Após 10 anos, tomámos duas decisões de resolução bem-sucedidas: o Banco Popular em 2017 e o Sberbank em 2022. Pode dizer-me: “mas apenas dois casos não é um grande sucesso”. Pelo contrário. Significa que a resiliência do setor bancário foi reforçada ano após ano, graças aos dois pilares da União Bancária — supervisão e resolução — e também graças a outros elementos, obviamente, como a política monetária e o apoio fiscal durante a Covid-19. Mas, de forma geral, se juntarmos tudo isto, construímos um setor bancário muito mais resiliente. Eu diria que é um sucesso em termos de construção de uma maior resiliência no sistema bancário, na União Bancária e além dela.
E quais são os principais desafios que antecipa para a próxima década?
Existem vários desafios, obviamente. O primeiro é o facto de a tipologia das crises estar a mudar. Esta legislação e o enquadramento de resolução foram criados para tipos tradicionais de crises, o que chamamos de crises de risco de crédito. Há perdas na carteira bancária, há impacto na conta de resultados e, no final, surge um risco reputacional; as pessoas começam a perguntar e retiram o seu dinheiro, originando um problema de liquidez. Esta é a crise tradicional e clássica. Foi o caso do Banco Popular em 2017 ou, ainda antes, do BES, aqui em Portugal, no contexto nacional.
O que vimos mais recentemente com o SVB ou o Sberbank é diferente. Começou com riscos reputacionais, sanções, notícias — no caso do SVB — sobre a possibilidade de escassez de liquidez, e coisas assim. Falamos muito mais de riscos reputacionais, de riscos operacionais, e onde a velocidade da crise é mais rápida. Isso implica para nós um estado de prontidão ainda mais forte. Precisamos de estar imediatamente prontos para intervir e tomar as decisões necessárias. Daí exigir que os bancos estejam mais preparados e nós próprios também. Esta é uma evolução.
Uma segunda evolução é, obviamente, a influência das novas tecnologias. Há cada vez mais recurso à inteligência artificial e a ferramentas digitais. É uma grande oportunidade, mas também um novo tipo de risco, com ciberataques e outros riscos. Portanto, também precisamos de saber considerar esses elementos. É um desafio adicional que não era visto como tão importante há dez anos.
A tipologia das crises está a mudar. (…) O que vimos recentemente com o SVB ou o Sberbank é diferente. Começou com riscos reputacionais, sanções, notícias – no caso do SVB – sobre a possibilidade de escassez de liquidez, e coisas assim. Falamos muito mais de riscos reputacionais, de riscos operacionais, e onde a velocidade da crise é mais rápida. Isso implica para nós um estado de prontidão ainda mais forte.
Nos últimos anos, a subida das taxas de juro impulsionou os lucros dos bancos, permitindo-lhes gerar capital e reforçar os rácios de capital. Quão resilientes estão agora para se adaptarem a estas novas circunstâncias e enfrentar os desafios do ambiente atual, incluindo tarifas e inteligência artificial?
Mencionei resiliência, mas o que significa isso? Significa que, de facto, construímos — os bancos e nós, através do quadro regulamentar — um conjunto de elementos que não são necessariamente apenas capital e liquidez. É também a governação, por exemplo. Podem ser elementos cruciais para gerir os riscos. Podemos dizer que temos sido minimizadores de riscos, estamos a minimizar alguns riscos.
Enfrentámos vários eventos que poderiam ter criado condições para falências aqui ou ali: a Covid-19, a crise energética pós-guerra na Ucrânia, a própria guerra na Ucrânia, a crise das Gilts no Reino Unido, o SVB, o Credit Suisse… Nada disso aconteceu dentro da União Bancária. Em 2023, com o Credit Suisse — que estando fora da União Bancária, está mesmo à porta –, houve instabilidade em alguns bancos europeus, mas parou imediatamente após alguns dias. Isso mostra que esta resiliência, que estes minimizadores de risco estão bem implementados.
O elemento-chave que levantou em relação às tarifas é a incerteza. Nós não podemos reduzir essa incerteza por natureza. As condições macroeconómicas mudam rapidamente. O difícil é projetarmo-nos a médio e longo prazo perante tal incerteza. Isto não é fácil para os banqueiros. Não é fácil para nós anteciparmos as potenciais consequências de tal nível de incerteza. O que tentamos fazer, como autoridade de resolução, é reduzir este nível de incerteza na nossa área — não reduzir o risco geopolítico ou uma guerra de tarifas –, mas tentamos reduzir a incerteza preparando-nos para encontrar as respostas certas e não descobrir em cima da hora que estamos perante uma nova tipologia de crise ou um novo risco.
Isto é particularmente importante para nós, porque somos responsáveis por muitos grupos transfronteiriços, por isso precisamos de ter um nível de certeza suficiente sobre a cooperação com as autoridades, incluindo as dos EUA, por exemplo.

“Questão das fronteiras já não interessa”
Olhando para o sistema bancário português, temos agora um sistema normalizado, mas há alguns anos tínhamos muitos bancos com muitos problemas. Como avalia a evolução dos bancos portugueses nos últimos anos?
Não quero citar exemplos específicos, mas, de forma geral, a evolução é excelente em termos de construção desta resiliência de que falei. Em poucos anos a situação mudou completamente. É preciso reconhecer isso: menos créditos não produtivos, melhor rentabilidade, reestruturação do sistema bancário com muitas mudanças — que ainda não terminou, com um novo passo, a venda do Novobanco. Portanto, é um sistema bancário sólido, em termos gerais.
Em termos de preparação para a resolução, posso também dizer que, de facto, o sistema bancário português deu uma série de passos para estar onde deve estar em termos de expectativas.
Estão prontos para enfrentar um evento de falência?
Este é tipicamente o tipo de pergunta a que não vou responder com um sim ou não. Se eu disser não, dirá que não estamos prontos. Se eu disser sim, vai publicar: “ele disse que já estão prontos”. Portanto, obviamente, sou obrigado a ser cauteloso.
É um trabalho em andamento…
É um trabalho em andamento, mas está bastante avançado em comparação — volto a dizer — com o que tínhamos há alguns anos. Mas estão eles — e todos os outros bancos, não falo apenas do sistema português — prontos para enfrentar um ciberataque? Eu não tenho a certeza. Os riscos mudam. Esta incerteza evolui e ainda precisamos de estar atentos. Digo sempre que sou pago para me preocupar. O meu trabalho é preocupar-me. Por isso, nunca estou completamente confiante de que estamos totalmente prontos.
Estamos a dar todos os passos para estarmos mais preparados do que ontem, talvez menos do que amanhã, mas em qualquer caso mais do que ontem. Nesse sentido, posso confirmar que a construção de resiliência pelo setor bancário português, também no lado da gestão de crises, é extremamente positiva.
O Novobanco foi vendido ao Groupe BPCE. Foi a melhor solução para o sistema?
Nunca falarei de um grupo específico. No entanto, numa perspetiva global, este é um excelente exemplo de consolidação transfronteiriça dentro da União Bancária, entre os 21 países sob supervisão única e um sistema de resolução único. Há operações sob escrutínio político aqui e ali — em Itália, na Alemanha, em Espanha –, por diferentes razões. Aqui temos um bom exemplo, do ponto de vista da União Bancária, de uma decisão deste grupo de comprar o Novobanco e dos acionistas atuais de o venderem a uma entidade fora das fronteiras nacionais. Da minha perspetiva, é mesmo um bom exemplo para mostrar que é possível.
Também mostra — e esta é a história do Novobanco, aqui falo do Novobanco, que era um banco de transição que foi vendido a este acionista americano — que é possível ter uma história positiva a longo prazo, gerando valor e despertando o interesse de um grupo bancário estrangeiro para comprar este banco.
Portanto, é realmente um bom exemplo porque se dizia há alguns meses, antes deste anúncio, que era absolutamente impossível ter uma consolidação transfronteiriça na União Bancária e agora o sistema bancário português demonstra que isso não é verdade. É possível.
Venda do Novobanco? É um excelente exemplo de consolidação transfronteiriça dentro da União Bancária, entre os 21 países sob supervisão única e um sistema de resolução único. Há operações sob escrutínio político aqui e ali – em Itália, na Alemanha, em Espanha –, por diferentes razões. Aqui temos um bom exemplo.
O espanhol Caixabank também estava interessado no Novobanco, mas o governo português disse que não ficaria satisfeito se um banco espanhol comprasse o Novobanco, porque isso significaria que o capital espanhol representaria metade do mercado português. Para si, como autoridade de resolução, existe o risco numa presença excessiva de capital de uma determinada origem geográfica num sistema bancário específico?
Não quero comentar este tipo de posições, porque certamente existem razões que desconheço para se tomar esse tipo de decisão. O que posso dizer é que, há dez anos, foi decidido, não por mim mas pelos responsáveis políticos da altura como os governos, os Estados-membros, os parlamentos, a Comissão, criar esta centralização da supervisão em Frankfurt para o BCE, o Mecanismo Único de Supervisão (SSM), juntamente obviamente com a autoridade local, o Banco de Portugal, e a resolução, com o Conselho Único de Resolução, mais as autoridades locais, novamente o Banco de Portugal.
Da minha perspetiva, dentro da União Bancária, a questão das fronteiras já não importa. Quando discuto o plano de resolução de um banco, este banco pode ter acionistas italianos e estar presente na Irlanda e na Grécia, e isso não muda nada para mim. Exceto que precisamos de ter em conta as especificidades da legislação nacional quando comparamos o impacto da resolução com a insolvência nacional. Esta é uma das coisas que ainda não está harmonizada e constitui um obstáculo dentro da União Bancária.

Simplificação regulatória deve servir para “reduzir a fragmentação” entre países
O BCE quer mais fusões entre bancos europeus para criar bancos maiores que possam competir com os bancos americanos. Na última crise, a crise do subprime em 2008, havia esta ideia de os bancos serem ‘too big to fail‘, o que gerou muitos riscos. Vê algum risco ou paradoxo entre o que o BCE quer e os potenciais riscos resultantes da criação de grandes bancos? E para a autoridade de resolução, isso cria um risco maior?
Sim e não. Acho que há um pequeno mal-entendido sobre esta famosa frase ‘too big to fail’. O que se quis dizer na altura é que esses bancos eram tão grandes que era impossível deixá-los falir sem intervenção do setor público. O elemento que falta é “sem intervenção pública”. E a lição de 2008 — e estamos todos muito bem colocados na Europa para saber essa lição — é que isso nos custou um preço enorme.
Em várias jurisdições, incluindo Portugal, custou-nos uma quantia enorme de dinheiro, porque em toda a parte houve injeções de fundos públicos de uma forma ou de outra. Decidimos parar com isso e implementar um novo sistema, pedindo aos acionistas e credores destes bancos que pagassem em primeiro lugar.
Normalmente, o banco deveria estar preparado para suportar o preço total da sua própria falência. Pode dizer-me que é uma abordagem muito estranha, mas é esta a mecânica da resolução. E funciona.
No Banco Popular em 2017, o balanço era de 160 mil milhões de euros — já era um banco grande, por exemplo, em comparação com o sistema bancário português — e não custou um euro aos contribuintes espanhóis. Zero. Foi pago pelos acionistas, credores e, obviamente, pelo comprador, o Banco Santander, que pagou um euro para comprar este banco. E tudo o resto foi suportado pelos acionistas e credores. Pode dizer-me: “ok, o Banco Popular era pequeno comparado com os grandes monstros que temos no mundo”. Mas, da minha perspetiva, se a caixa de ferramentas for eficiente, já não é uma questão de tamanho. Em teoria, posso aplicá-la, seja qual for o tamanho do banco. Não digo que seja mais simples fazê-lo num grupo mundial.
É mais fácil trabalhar com bancos grandes do que com muitos bancos pequenos?
Não, é equivalente. O que acabei de dizer é que — voltando à sua pergunta implícita, que era ‘o BCE apoia a consolidação, o que implica bancos maiores’ — ter bancos maiores não é um impedimento para a implementação das minhas ferramentas de resolução, porque estão precisamente concebidas para serem aplicadas tanto a bancos pequenos como grandes.
Normalmente, funciona. O que muda, obviamente, é a presença internacional. Se estivermos dentro da União Bancária, isso não muda nada, do meu ponto de vista. A lei é a mesma, portanto, sem problema, exceto, mais uma vez, com as leis nacionais de insolvência. Quando se trata de um grupo internacional com subsidiárias na América do Sul, Ásia, EUA, África, é um pouco mais complicado, mas a mecânica é a mesma.
O Parlamento Europeu e os Estados-Membros chegaram a um acordo sobre a reforma da gestão de crises e do seguro de depósitos (CMDI). Por que este acordo é importante para si?
É um passo importante porque, inicialmente, a ideia era dar-nos ferramentas melhoradas — não novas, mas melhoradas — para lidar com um maior número de casos. Em 2017, tivemos dois casos de crise com dois bancos venezianos. O Conselho Único de Resolução foi questionado: “querem intervir?” E dissemos: “não, eles não são suficientemente sistémicos, porque a resolução é algo para bancos realmente sistémicos, não para os mais pequenos”.
Ambos os bancos faliram, entraram em liquidação, e o Estado italiano disse: “a liquidação é muito arriscada, por isso vamos apoiar, com dinheiro público, o processo de liquidação”. É exatamente isso que o CMDI tenta resolver: “Ok, vamos aumentar a possibilidade de as autoridades de resolução lidarem com este tipo de casos”.
Por exemplo, um banco que é regionalmente sistémico (não sistémico a nível nacional, mas regionalmente), e na região de Veneza estes bancos eram sistémicos, eram grandes para o mercado local, mas não para a Itália; e devido ao facto de os bancos de média dimensão não estarem necessariamente bem preparados, a ideia foi encontrar uma forma de usar os recursos do Sistema de Garantia de Depósitos (DGS) para construir o capital que poderia ser absorvido por perdas. Foram dois anos e meio de discussões entre Estados-Membros, Parlamento e Comissão até agora, que faz com que nos encontremos perto de uma luz verde.
O que isso muda? Dá-nos mais opções, mais flexibilidade e deve facilitar um pouco mais os nossos processos. É uma excelente iniciativa, é bom para a resolução, é bom para a União Bancária porque melhora o sistema. E é bom porque, estando isto resolvido, podemos passar ao próximo ponto, que é o pilar em falta da União Bancária, chamado EDIS (Sistema Europeu de Garantia de Depósitos). O EDIS é a interconexão dos sistemas de garantia de depósitos para ajudar a construir uma União Bancária ainda mais forte.
O que importa em termos de simplificação não é essencialmente baixar a fasquia, mas sim reduzir a fragmentação entre os países europeus. Falámos da consolidação transfronteiriça. Poderíamos ter uma União Bancária muito, muito melhor se tivéssemos menos fragmentação.
Acredita que será possível chegar a um acordo sobre o Sistema Europeu de Garantia de Depósitos?
Ainda não. Vai demorar tempo. Mas um dos obstáculos era: “não podemos discuti-lo porque ainda não concordámos sobre o CMDI”. Portanto, agora, se houver um acordo sobre o CMDI, não há razão para não voltar ao EDIS. O EDIS começou há muito tempo, certamente precisamos de o reformular para começar de outro ângulo. Mas o EDIS ainda é necessário porque temos solução e resolução, mas em termos de regras nacionais de insolvência, ainda não estão suficientemente harmonizadas, e o EDIS poderia ajudar aqui, construindo esta interligação entre os diferentes sistemas de garantia de depósitos. Existem várias soluções técnicas para construir este terceiro pilar da União Bancária.
A Comissão Europeia está a dar prioridade a uma agenda de simplificação. Teme que este esforço possa aumentar os riscos no sistema financeiro ou há espaço para essa simplificação?
Há certamente muitos elementos que podem ser simplificados. Mas, obviamente, como acabou de dizer, não deve ser à custa da desregulamentação. Isso é muito claro. Mencionei a resiliência do sistema bancário. Não quero enfraquecer o sistema bancário no futuro devido a estas iniciativas.
Precisamos de entender o que significa simplificação. A simplificação pode significar coisas diferentes. Uma é: vamos simplificar o que está a sobrecarregar os bancos com regras sobrepostas que são incoerentes. Por exemplo, a iniciativa tomada pela presidente da Comissão, Ursula von der Leyen, com a Diretiva Omnibus sobre transparência em sustentabilidade pode ser um exemplo de regras que talvez — não é a minha área, por isso não sei — mas talvez fossem demasiado detalhadas e possamos simplificar a sua implementação sem alterar a boa ideia.
Outro significado de simplificação para alguns banqueiros é baixar a fasquia, é dizer: “bem, estão a pedir-nos demasiado capital, liquidez, capacidade de absorção de perdas”. E aqui coloco a questão: “ok, mas quais são as consequências de tal decisão em termos de resiliência do sistema bancário?” Não cabe a mim decidir. Obviamente, se mudarem a lei, implementaremos a nova lei, mas aqui sou obrigado a dizer: “Cuidado”.
Depois, há outro elemento que não está no plano legislativo, mas sim no técnico, na forma como implementamos estas regras. E aqui estamos realmente motivados para nos adaptarmos, os nossos processos, para os simplificar, para aliviar parte do peso sobre os bancos.
Encontrámo-nos com a Associação Portuguesa de Bancos, também com os representantes dos diferentes bancos. E disseram: “sim, é uma boa ideia, mas não vemos concretamente as mudanças”. E eu respondi: “não podem vê-las amanhã de manhã, mas deixem-nos ter tempo suficiente para implementar estas mudanças. É uma longa jornada; é preciso tempo para implementar estas novas abordagens”.
O que importa em termos de simplificação não é essencialmente baixar a fasquia — não acho que seja uma boa ideia, como disse — mas sim reduzir a fragmentação entre os países europeus. É mais harmonização das legislações europeias e, com isso, poderíamos ter uma União Bancária melhor. Falámos da consolidação transfronteiriça. Poderíamos ter uma União Bancária muito, muito melhor se tivéssemos menos fragmentação.
Acredita que a inteligência artificial trará mais riscos para o sistema ou ajudará os bancos a tomar melhores decisões? E como as autoridades de resolução estão a usar ou a implementar IA no seu trabalho?
A IA é, sem dúvida, um fator de mudança. É um elemento complexo, porque, obviamente, hoje ninguém consegue sobreviver sem recorrer à IA — nem os banqueiros, nem as autoridades. Somos obrigados a adotar estas novas tecnologias, que são extremamente importantes porque oferecem rapidez e trazem novas capacidades em termos de análise e processamento de grandes volumes de dados. Por isso, devemos aproveitar o melhor que a IA pode oferecer.
Naturalmente, os novos riscos estão ligados ao facto de a IA recorrer à cloud. E quando falamos de cloud, entramos em conceitos como risco cibernético, risco associado a prestadores de serviços, concentração de prestadores de serviços, que muitas vezes estão sediados em países que não são necessariamente muito rigorosos na proteção de dados pessoais — portanto, surgem também questões como a proteção de dados. E precisamos de saber gerir todos estes elementos.
Depois, obviamente, surge a questão: será esta uma potencial fonte de risco sistémico? Obviamente, sim — pode ser uma fonte potencial de crise. Quando se fala de risco, voltamos aos riscos clássicos: risco de crédito, de liquidez e risco operacional. A IA pode gerar riscos operacionais, seja através de ciberataques que podem bloquear o funcionamento de um banco de várias formas, seja através de riscos reputacionais. Por exemplo, se a IA for utilizada para criar conteúdos falsos, deturpar a imagem ou difundir mensagens enganosas, isso pode gerar um risco reputacional, que deve ser tratado em primeira instância pelos próprios bancos, mas também, eventualmente, por nós, se houver uma corrida aos depósitos.
Um exemplo interessante é o caso do Silicon Valley Bank (SVB), em 2023. Os motores de pesquisa encontraram mensagens muito antigas em vários sites a dizer ‘este banco é um mau banco’. Imediatamente essas mensagens, que tinham seis meses ou um ano, voltaram a circular e todos clicaram nelas pensando que eram recentes, quando na verdade eram antigas, mas geradas pelos motores de busca, que conseguiram encontrar as palavras-chave. Este é um risco típico — uma parte da explicação (porque há várias explicações) passa pelo uso crescente das redes sociais, onde o conteúdo pode ser parcialmente verdadeiro ou não. É, por isso, essencial monitorizar este risco com muito cuidado.

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“Venda do Novobanco é um bom exemplo de que é possível consolidação na Europa”
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