O CEO do WYgroup diz que "os portugueses são particularmente bons a fazer marketing digital" e que detetar e reter talento é um desafio maior do que encontrar clientes. As aquisições vão continuar.
Fundado em 2001, o WYgroup emprega hoje mais de 350 pessoas, vai faturar 25 milhões de euros este ano e conta com oito unidades de negócios, a que se juntou este mês uma oitava, o ensino, com a aquisição da Lisboa Digital School. Pedro Janela, que já era docente na escola, explica a compra “pelo destino”, mas também porque o ensino já estava na visão estratégica do WYgroup. Uma das iniciativas que marcam a aquisição é o lançamento do Prémio Virgínia Coutinho, em homenagem à fundadora, que faleceu em abril.
Quando o grupo nasceu, com a agência By, “o marketing tecnológico era fazer sites e enviar emails”, lembra o fundador. Hoje é um “ecossistema” que integra a Bliss, BloomCast, BY, Fever, Lisbon Digital School, NERVO, Performance Sales e White. São três grandes áreas de negócio, resume Pedro Janela: “Tudo o que é a área da comunicação, a data e analítica, que é mais engenharia do que gestão de marketing, e a área de desenvolvimento de produto digital, a que vai crescer mais”.
Pedro Janela, que é docente no ISEG, afirma que “os portugueses são particularmente bons a fazer marketing digital”. Fala da falta de talento para contratar, resultado de uma “tempestade mais que perfeita”. “O principal problema não é encontrar clientes, é encontrar, reter e fazer evoluir o talento que tens”, afirma, o que também explica a aposta na Lisbon Digital School.
Esta não será a última aquisição. O CEO aponta para pequenas compras nos mercados externos. O WYgroup também já recebeu várias propostas, mas diz que os acionistas não estão vendedores. “Não me parece que vá trazer mais felicidade a quem está aqui. Acho que vai trazer até menos”.
Porquê a aquisição da Lisbon Digital School e a entrada nesta nova área de negócio?
Pelo destino, mas também porque já estava na missão e na visão estratégica do grupo que nós somos uma empresa que tem de ter talento para entregar aos clientes. As circunstâncias não foram as melhores. A Virgínia Coutinho era fundadora da escola e nos últimos quatro anos desenvolveu-a com enorme sucesso. Só que adoeceu com um problema oncológico no final de fevereiro, início de março. Veio a falecer pouco depois. Quinze dias antes de falecer telefonou-me para fazer uma proposta para adquirir a escola, o que eu imediatamente fiz. Disse-me que eu ficava com a escola, mas fez-me prometer três coisas: que seguia com o projeto no mesmo espírito, que é transformar a vida das pessoas para lhes dar competências que podem usar de forma imediata; que a escola se mantivesse com os seus professores e de forma independente; e que eu continuasse a investir na escola e em novas linhas de produto. Adquirimos a escola no dia 31 de agosto.
De que forma é que a aquisição encaixa na estratégia do grupo?
Já tínhamos começado em janeiro um caminho na área da educação, de formação de pessoas, de clientes, porque é posicionador, porque ajuda a captar talento, porque ajuda a crescer intelectualmente. As circunstâncias foram as piores possíveis. Preferia, naturalmente, não ter comprado escola nenhuma. A Virgínia era uma pessoa extraordinária, uma empreendedora à séria, uma líder. E como líder tem uma capacidade carismática de que quanto te pede uma coisa, tua quase automaticamente fazes. Ele pediu-me e eu fiz.
Um dos domínios de intervenção do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) é a transição digital e a formação nesta área. A aquisição também se enquadra nesta oportunidade?
Sem dúvida que se enquadra e estamos a preparar alguns projetos nesta área com vários parceiros. Este esforço é extraordinário e há uma vontade de trabalhar entre privados, ensino público e sistemas de investigação pública. Acho que esta visão é precisa, tenho dúvidas que os resultados sejam imediatos. Estas pontes de integração entre o ensino a investigação e os privados, apesar de existirem, demoram muitos anos a construir. Isto não é por mandato.
É uma questão de cultura.
É uma questão de cultura. Vai demorar anos a fazer. A transição digital não se faz por decreto, faz-se com visão da liderança. Sinto que temos duas realidades. Tens as organizações tradicionais em que algumas estão a fazer um esforço de transição digital, poucas. E tens os livres de qualquer encargo, que conseguem criar disrupções com plataformas e produtos completamente digitais, que não têm os custos da estrutura passada e têm tudo para vencer neste novo formato. A transição digital em alguns domínios é quase impossível de fazer porque vão ganhar os novos players. Falar de transição digital nos dias de hoje é de rir.
Parece que agora é que é a transição digital, mas já mudou tudo, o Facebook, o Netflix, etc… Esqueça. A Europa aí perdeu 20 a 0.
Porque já começou há umas décadas.
Já começou há umas décadas. Parece que agora é que é a transição digital, mas já mudou tudo, o Facebook, o Netflix, etc… Esqueça. A Europa aí perdeu 20 a 0. Essa transição digital não se faz por decreto, faz-se com visão e um mercado de escala. O digital tem esse problema mal compreendido. O digital não tem fronteiras. A Europa, como é um mercado muito fragmentado com várias línguas, está à mercê das plataformas norte-americanas. Por outro lado não há escala suficiente para que um produto — é muito raro — consiga efetivamente ganhar escala mundial. Só em nichos. Os americanos já ganharam isto 20 a 0.
Falou em captar talento. O WYgroup tem-se deparado com escassez de talento nestas áreas?
O WYgroup só se tem deparado com escassez de talento.
O que é que criou esta tempestade perfeita?
É uma tempestade mais que perfeita. Houve cinco eventos do mercado português e global que levaram a isto. Nós estamos num mercado que sofreu uma evolução muito rápida e o sistema de ensino tradicional não consegue gerar talento suficiente. Se uma universidade tradicional decidir agora fazer formação só daqui a três ou quatros anos é que começam a sair os primeiros formados. Vai formar 50 ou 100 pessoas, é um número que não conta. O segundo é o efeito Web Summitt, que depois de vir para Portugal o país passou a ser encarado como um sítio excelente para fazer centros tecnológicos. Os Chief Technology Officers começaram a vir a Portugal fazer palestras, viram o clima, os custos. Tivemos o aparecimento de centros tecnológicos relativamente grandes, que vieram também pela promessa do salário mais baixo. Já havia o BNP Paribas, que tem milhares de pessoas, depois veio a BMW através da Critical TechWorks, a Volkswagen, a Mercedes e a SKY.
Essa tendência vai continuar?
Está a continuar com outras empresas. O único problema é que já não há talento local. Uma das melhores iniciativas do Governo foi o Tech Visa, que permite ir buscar pessoas com um background técnico, que se forem contratadas por uma empresa em Portugal, dentro de duas ou três semanas podem estar cá a trabalhar. Pessoas do Brasil, da Turquia, da Índia têm um “golden visa” para entrar em Portugal através do emprego. E é a única safa. Porque já não há pessoas disponíveis em Portugal. Nós já temos 15 a 20 pessoas a trabalhar a partir do Brasil. Neste momento, com a abertura da “ponte aérea” entre Portugal e o Brasil, as portas abriram-se, felizmente para Portugal.
E o terceiro efeito?
Tem a ver também com o sucesso das empresas portuguesas e uma mentalidade de serviço para produto. As empresas de produto, altamente financiadas, têm uma perspetiva de captação de talento superior a uma empresa que está nos serviços. As pessoas estão mais focadas e é mais “cool” estar a trabalhar numa empresa de produto. O quarto efeito, muito acelerado pela covid-19, é que certas profissões são universais. Desde que fales C++, que fales Angular, tanto trabalhas para Portugal, como de Portugal para o resto do mundo. Há um enorme número de pessoas para quem o mercado é global e estão a receber em Portugal pagamentos de fora. O quinto é parecido com este. Muitas pessoas perceberam que podem, num regime de freelancer, ser auto-suficientes se forem bem organizadas. O emprego não tem de passar por corporações.
E os portugueses têm competências reconhecidas.
Os portugueses são particularmente bons a fazer isto, por três razões. Uma é que o trabalho de engenharia e marketing digital é um trabalho introvertido e o português é tipicamente introvertido. A pessoa tem de estar altamente focada no computador. A segunda é que é preciso um conhecimento da língua inglesa relativamente profunda e os portugueses têm essa componente. A terceira é que os portugueses conseguem criar inovação por terem uma visão mais liberta do constrangimento do planeamento, ao contrário, por exemplo, de um alemão. Faz com que sejam particularmente bons a resolver problemas de código ou problemas de marketing digital.
O principal problema não é encontrar clientes, é encontrar, reter e fazer evoluir o talento que tens. Daí a compra da escola ser muito útil e estratégica.
Como é que o WYgroup tem procurado resolver esta tempestade da falta de talento?
Nós estamos a navegar no meio da tempestade. Não há solução. Com a rotação de quadros que sempre existe, num grupo que cresce 20% ao ano, temos de contratar 70 a 100 pessoas por ano. O principal problema não é encontrar clientes, é encontrar, reter e fazer evoluir o talento que tens. Daí a compra da escola ser muito útil e estratégica. Ajuda a reter e detetar talento. E ajuda do ponto de vista comercial, porque metade do negócio da Lisbon Digital School é formação dentro de empresas.
Tem escritórios em Lisboa, Porto e Boston. Que parte da faturação é que já vem de fora de Portugal?
30% a faturação já vem de fora e queremos que seja metade nos próximos anos. O principal mercado é o norte-americano. Trabalhamos com cinco empresas relativamente grandes, que por razões de confidencialidade não posso revelar, mas uma delas é o quarto maior banco da costa Este. Há uma necessidade brutal das áreas de competência que nós fazemos. A Irlanda também é um mercado importante e temos dois grandes clientes no norte da Europa.
O WYgroup define-se como um cruzamento entre uma consultora e uma agência criativa. Quer explicar melhor este conceito?
Para fazer inovação na experiência do cliente é preciso seguir processo, consultoria. Mas também é preciso ser sem processo, agência. É preciso programar e ter todos os critérios de segurança, equipas que fazem a metodologia, mas também romper barreiras. É preciso saber recrutar pessoas que são diferentes. Achamos que a virtude está na mistura entre a analítica e a ciência e a criatividade e o visual. É muito difícil de fazer. Não estou a dizer que temos a solução certa, mas acho que o crescimento do grupo, que é de capitais nacionais, mostra que tem vindo a correr bem.
Como é que vê o grupo dentro de cinco anos? Com mais empresas, novas áreas?
A nossa fase para chegarmos aqui teve uma estratégia de start-up, de ir testando diversos conceitos, modelos de negócio e perspetivas até encontrarmos estas três áreas que são tribos diferentes mas muito complementares, que são a área de produto, de marketing digital e de comunicação e criatividade. A que se sobrepõe uma área de estratégia que é feita dentro das organizações e a uma área de formação, trazida pela Lisbon Digital School. O ecossistema está criado. Não diria que é preciso criar mais unidades. É preciso mudar o paradigma. Uma empresa de serviços desta dimensão tem muita dificuldade em criar empresas do zero. Demora dez anos a fazer, até ganhar reputação, ter pessoas, ter processos, encontrar o seu mercado. Por isso, talvez o próximo passo seja fazer mais aquisições e entrar numa velocidade a nível europeu ou mesmo nos Estados Unidos. Começar a comprar pequenas empresas, de um milhão ou dois milhões de euros.
Noutros mercados, portanto.
Noutros mercados. Que é o que vemos a acontecer com outros players. Existe uma visão de topo feita pela S4 Capital, do Martin Sorrell, que criou uma holding usando o mesmo modelo, fez fusões e aquisições e em três ou quatro anos tem 6000 empregados e vale 4,26 mil milhões de libras. Portanto, sabe mais disto do que nós. Apostou em criatividade e data, dois dos nossos mercados, e comprou a semana passada uma empresa de produto. Veio confirmar que nós estamos no sítio certo. A capacidade de fazer isto de forma mais barata, mais rápida e mais eficiente é crítica. O mercado foi limpo de pequenas empresas, que não têm capacidade de atração de talento e têm muita dificuldade em penetrar em grandes clientes.
Propostas de aquisição? Fomos dizendo sempre que não. Diria que vamos continuar a dizer que não.
Propostas de aquisição, recebeu?
Sim, muitas. Fomos dizendo sempre que não.
E vai continuar a dizer sempre que não?
Até me aparecer um maluco, maluco, maluco. Mas diria que vou continuar a dizer que não. O empreendedor pensa: “Vou perder a minha independência e a minha liberdade por cinco ou seis vezes os lucros”? Ou há uma mais-valia gigante na venda e tu não estás mais para isto, o que não é o caso…
…Ou há um sentido estratégico.
Que te vai ajudar a crescer. Até agora não vimos nada mais do que dinheiro. Há muita gente que já fez propostas e quer fazer. Já aparecem empresas maiores e que entendem a capacidade internacional que nós temos e a capacidade de fazer coisas que são relativamente difíceis de fazer.
Não está para aí virado.
Não me parece que vá trazer mais felicidade a quem está aqui. Acho que vai trazer até menos.
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WYgroup compra Lisbon Digital School. Por destino e por missão, revela Pedro Janela
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