Portugal atraiu um investimento recorde da China em 2024. O novo projeto de 2 mil milhões em Sines consolida duas décadas de crescente presença chinesa na economia nacional, que não ficará por aqui.
A China prepara-se para concretizar o maior investimento industrial de sempre em solo português. O grupo chinês CALB vai avançar com um projeto de 2 mil milhões de euros, para produzir baterias elétricas para a indústria automóvel em Sines, que irá criar 1.800 postos de trabalho diretos quando estiver totalmente operacional em 2028. Mas este investimento não é um episódio isolado, mas sim o mais recente capítulo de uma história de duas décadas que tem visto o capital chinês ganhar peso crescente na economia portuguesa.
Segundo dados do Banco de Portugal, o Investimento Direto Estrangeiro (IDE) da China em Portugal atingiu um valor recorde de 3,96 mil milhões de euros em 2024, um crescimento de 9,3% face a 2023, acumulando 14 anos consecutivos de subida e multiplicando-se por 4,5 vezes na última década.
Estes números são contabilizados com base no princípio direcional, uma metodologia estatística que permite uma leitura mais precisa dos fluxos de capital, se bem que numa fotografia mais ampla, a China contabiliza o maior stock de IDE em Portugal em 2024, com um valor acumulado de 12,1 mil milhões de euros no final do ano passado.
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Jorge Chang, advogado da Melo Alves que faz assessoria a investidores portugueses e asiáticos, refere que “o investimento chinês em Portugal aumentou 34% de 2022 para 2023” e que “ao longo dos últimos 20 anos, ultrapassaram os 3.600 milhões de euros”.
Além dos investimentos mais sonantes, “que são estatais e de interesse nacional”, existem outros “menos falados e que também estão cá a operar”, como a empresa China Railway Rolling Stock Corp (CRRC) Tangshan, que fabricou as novas composições para o Metro do Porto, destaca o advogado ao ECO. Fundada em 1881 e com sede em Pequim, a CRRC Tangshan tornou-se na maior fabricante mundial de material circulante ferroviário, com mais de 180 mil trabalhadores atualmente. Chang destaca ainda o acordo entre a Salvador Caetano e a BYD que permite a distribuição dos automóveis da marca chinesa em Portugal.
No setor privado, existe também um forte interesse na construção civil, uma vez que grandes empresas chinesas têm parcerias com a Mota-Engil e a Teixeira Duarte e querem continuar a desenvolver projetos, embora isso implique a necessidade de trazer trabalhadores especializados para Portugal. Esta diversificação de investimentos reflete uma estratégia abrangente que visa estabelecer presença em múltiplos setores da economia portuguesa.
Os grandes investimentos chineses em Portugal
O início da intensificação da relação económica entre Portugal e a China coincidiu com a crise financeira global e, posteriormente, com a crise da dívida soberana em Portugal. Entre 2011 e 2014, no auge da crise financeira portuguesa que levou à intervenção da troika, o país precisou de privatizar ativos estatais, abrindo caminho para o início dos grandes investimentos chineses.
Foi neste contexto desafiador para a economia nacional que se estabeleceram as primeiras grandes posições chinesas em setores estratégicos nacionais, num momento em que Portugal necessitava urgentemente de capital estrangeiro para equilibrar as suas contas públicas.
O investimento superior a 2,6 mil milhões de euros da China Three Gorges no final de 2011 na aquisição de 21,35% da EDP, no âmbito da 8.ª fase de reprivatização da elétrica nacional, marcou o início desta vaga. Mas o interesse chinês no setor energético nacional não parou por aí, estendeu-se no ano seguinte à REN por via da aquisição de 25% do capital da REN em fevereiro de 2012 por parte da State Grid por cerca de 287 milhões de euros.
A completar o trio de grandes investimentos iniciais chineses em Portugal, está o grupo Fosun, que entrou no capital da Fidelidade em 2014 através da aquisição de 80% do grupo segurador português à Caixa Geral de Depósitos, que manteve uma participação minoritária de 20%, num investimento superior a 1,1 mil milhões de euros.
O setor da construção tem sido outro dos palcos privilegiados para a cooperação económica luso-chinesa. Um exemplo significativo é a parceria entre a Teixeira Duarte e o grupo China State Construction Engineering Corporation (CSCEC) para o desenvolvimento de um projeto imobiliário em Oeiras.
Esta parceria concretizou-se através da venda de 50% de uma participada da Teixeira Duarte por 31,1 milhões de euros em 2019, com um impacto estimado nos resultados da construtora portuguesa de cerca de 22,2 milhões de euros. O empreendimento será constituído por diversos edifícios de escritórios, habitação e comércio, integrados num grande parque verde, num modelo que se pretende que seja uma referência de inovação e sustentabilidade.
Nas duas últimas décadas, o investimento chinês em Portugal evoluiu de forma notável, tanto em volume como em diversidade setorial. De uma presença praticamente inexistente no início do século, a China transformou-se num dos principais investidores estrangeiros no país.
Outra colaboração de relevo no setor da construção estabeleceu-se entre a Mota-Engil e a China Communications Construction Company (CCCC), em 2020, através de uma compra direta à família Mota de 23% do capital da construtora nacional, ao preço de 3,08 euros por ação, cerca do dobro da cotação das ações na altura, que se traduziu num investimento de 169 milhões de euros.
Além dos setores energético e da construção, o investimento chinês tem-se diversificado por várias áreas da economia portuguesa. Foi o caso da aquisição pela China National Fisherie Corp (CNFC) de 51% da Marfresco, uma empresa portuguesa de importação e distribuição de camarão e pescado fundada em 1991, em 2016.
Com 21 trabalhadores e uma faturação de cerca de 25 milhões de euros à data da aquisição, a empresa tinha planos para duplicar o volume de negócios nos anos seguintes, beneficiando do acesso direto à matéria-prima através do seu novo sócio, que é considerado o maior armador do mundo com mais de 300 barcos em diversos países. Apesar das elevadas expectativas, a empresa fechou 2023 com o mesmo número de funcionários (21) e com uma faturação de 20 milhões de euros.
No setor da mobilidade elétrica e energias renováveis, destaca-se a recente parceria entre a Greenvolt e a gigante chinesa BYD Energy Storage, uma das maiores empresas fornecedoras de sistemas de armazenamento de energia em baterias elétricas.
O acordo, celebrado através da Greenvolt Power, inclui o design e a operação de ativos na Polónia com uma capacidade instalada total de até 1,6 GWh, e envolve dois projetos em Turosn Koscielna e Nowa Wies Elcka, ambos conectados ao operador do sistema de transmissão de eletricidade polaco e com contratos de fornecimento assegurados para 2028.
As entregas para estes projetos começarão no quarto trimestre de 2025, com conclusão prevista para o primeiro trimestre de 2026, representando um importante passo na estratégia de expansão internacional da Greenvolt no setor do armazenamento de energia.

Tensões geopolíticas sob a nuvem do 5G
Mas nem tudo tem sido um caminho fácil nas relações económicas entre Portugal e a China. Em 2020, o embaixador dos EUA em Portugal, George Glass, pressionou abertamente o governo português em relação à participação da Huawei na rede 5G.
Em entrevista ao jornal Expresso, Glass chegou a ameaçar mudar a relação com Portugal na segurança e defesa (com reflexos na relação política) se a empresa chinesa entrasse na rede 5G portuguesa. E foi mais longe, afirmando que se os chineses ganhassem o terminal de Sines, o gás natural americano teria de encontrar outras alternativas, numa clara demonstração da competição geopolítica entre as duas potências.
Este episódio diplomático levantou questões sobre o equilíbrio que Portugal deve manter entre as suas alianças tradicionais e as novas parcerias económicas. Segundo Jorge Chang, os obstáculos enfrentados em Portugal pela Huawei nas redes 5G podem ter causado “algum impacto” nos investidores chineses.
Após a crise da Covid-19 e com a guerra comercial com os EUA, o governo chinês foi incentivando as empresas a ir para o mercado internacional (…) As empresas privadas também querem explorar o mercado europeu e Portugal tem uma vantagem histórica das ligações com a China
No entanto, sublinha que estes são “flexíveis” e compreendem que a posição portuguesa se enquadra num movimento mais amplo a nível europeu, não sendo uma decisão isolada do país. Esta resiliência e pragmatismo por parte dos investidores chineses ajudam a explicar por que o investimento continuou a crescer apesar das tensões geopolíticas.
Apesar das tensões geopolíticas, o interesse mútuo entre Portugal e China mantém-se forte. A Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal (AICEP) prepara para 2025 cinco missões de negócios na China, enquanto Portugal receberá duas missões chinesas.
Estas iniciativas demonstram o compromisso contínuo em fortalecer as relações comerciais bilaterais e explorar novas oportunidades de negócio.
Diplomacia económica e política
Os dois países debateram recentemente as oportunidades de negócio entre Portugal e a China, por um lado, e a União Europeia e a China, por outro, no Fórum para a cooperação e desenvolvimento Portugal-China & Europe-China.
Neste contexto de aprofundamento das relações económicas, Paulo Rangel, ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros do Governo português, tem planeada uma visita a Pequim e Macau no final deste mês, que poderá dar novo impulso à cooperação bilateral dos dois países.
Questionado sobre os motivos da atratividade de Portugal para os investidores chineses, Jorge Chang afirma que “após a crise da Covid-19 e com a guerra comercial com os EUA, o governo chinês foi incentivando as empresas a ir para o mercado internacional”.
O advogado revela que “as empresas privadas também querem explorar o mercado europeu e Portugal tem uma vantagem histórica, das ligações com a China, e fica fora do centro de conflitos, digamos assim. Tem um regime político estável e é uma boa entrada para a Europa, na minha opinião”, sublinhou o jurista ao ECO.
Nas duas últimas décadas, o investimento chinês em Portugal evoluiu de forma notável, tanto em volume como em diversidade setorial. De uma presença praticamente inexistente no início do século, a China transformou-se num dos principais investidores estrangeiros no país, com participações em setores estratégicos como energia, infraestruturas, finanças e, mais recentemente, em indústrias de elevado valor acrescentado como a produção de baterias para veículos elétricos.
Esta trajetória reflete não apenas mudanças na economia global, mas também o posicionamento estratégico de Portugal como porta de entrada para a Europa e ponto de ligação com os países lusófonos. E reflete também não apenas o interesse chinês em Portugal como porta de entrada para o mercado europeu, mas também a crescente importância da China na economia global.
Para Portugal, estes investimentos têm representado não só uma importante fonte de capital em momentos críticos, como também a oportunidade de integração em cadeias de valor globais e acesso ao mercado chinês para as empresas portuguesas. O investimento da CALB em Sines, que poderá representar mais de 4% do PIB quando estiver a operar na plenitude, é demonstrativo do potencial transformador que estas parcerias podem ter na economia nacional.
À medida que a relação económica entre Portugal e China continua a aprofundar-se, o desafio será encontrar o equilíbrio entre a abertura ao investimento chinês e a salvaguarda dos interesses estratégicos nacionais e europeus.
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A extensa teia de investimentos chineses em Portugal que ganhou um novo filão
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