Como aproveitar a moratória para baixar a dívida do crédito à habitação

Além de conferir estabilidade e um aumento da liquidez no curto prazo, a nova moratória do crédito à habitação permite também baixar a despesa total de juros, mesmo caso as taxas de juro subam.

A nova moratória do Governo para o crédito à habitação, que foi apresentada há uma semana pelo ministro das Finanças, foi desenhada para mitigar o impacto do aumento das taxas de juro na carteira das famílias, particularmente junto daquelas com taxas de esforço mais elevadas e com dificuldades de liquidez no presente.

A proposta do Governo assume que, durante dois anos, a prestação da casa será constante e inferior à atual. Essa redução é garantida pela substituição do indexante do empréstimo por um indexante correspondente a 70% da Euribor a 6 meses durante dois anos, e assegurando que o montante em dívida não aumenta.

Desta forma, a moratória consegue ir ao encontro das necessidades das famílias que atualmente enfrentam dificuldades de liquidez, porque permite uma poupança imediata de quem tem crédito à habitação. Por exemplo, assumindo as taxas de juro atuais e caso a moratória pudesse ser acionada hoje, esta medida permitiria gerar uma poupança de 14,3% no valor de 77,5 euros por mês durante dois anos na prestação da casa por cada 100 mil euros de financiamento, assumindo um crédito a 30 anos indexado à Euribor a 12 meses com um spread de 1%.

Apesar deste feito, a moratória não se esgota no apoio às famílias com maiores dificuldades nem na geração de uma poupança de curto prazo. Devidamente utilizada, a moratória pode revelar-se numa ferramenta bastante útil para reduzir a dívida do crédito à habitação.

De acordo com cálculos do ECO com base em tudo o que se sabe sobre a moratória, num contrato de crédito à habitação de 200 mil euros a 30 anos indexado à Euribor a 6 meses com um spread de 1%, a adesão à moratória pode valer uma poupança superior a 4.700 euros em juros, considerando que as taxas de juro terão um comportamento no futuro ao que hoje é esperado pelo mercado.

A moratória do Governo permite poupar, tanto no curto como no longo prazo. Mas não só. De acordo com cálculos do ECO, o nível de poupança entre aderir ou não à moratória será ainda maior caso as taxas de juro em vez de baixarem subirem.

Efeito da moratória no crédito à habitação

A subida galopante das taxas de juro do BCE no último ano foi particularmente sentida pelas famílias que contratualizaram créditos à habitação há dois ou mais anos, quando as taxas Euribor negociavam em terreno negativo. Isso é visível pela evolução da prestação da casa desde então.

Por exemplo, uma família que em setembro de 2021 tenha obtido um financiamento bancário de 200 mil euros a 30 anos indexado à Euribor a 6 meses com um spread de 1% para comprar a sua casa, começou a pagar 596 euros pelo crédito. Na altura, a Euribor a 6 meses era de -0,527%.

Um ano depois, a prestação da casa já estava nos 718 euros e agora, este mês, com a revisão contratual da taxa de juro (que assumiu a Euribor a 6 meses média em agosto de 3,945%), a prestação saltou para 1.043 euros. No espaço de dois anos, a prestação da casa desta família aumentou 75%, apesar de o montante em dívida ter baixado 5% para perto de 190 mil euros.

Se até ao final do contrato não forem feitas quaisquer amortizações do capital em dívida e a Euribor a 6 meses apresentar um comportamento ao que é antecipado pelos contratos de futuros da Euribor (que apontam para uma redução gradual até aos 3% até agosto de 2025 e posteriormente constante perto deste nível), este crédito à habitação de 200 mil euros gerará uma fatura superior a 135 mil euros só de juros.

No entanto, se a nova moratória do Governo já estivesse ativa e os mutuários deste crédito à habitação tivessem acionado esta ferramenta, além de conseguirem uma folga mensal no orçamento familiar de 130 euros durante dois anos (como resultado da fixação da prestação durante este período ao abrigo da moratória), a fatura total de juros do crédito à habitação no total dos 30 anos seria inferior a 133 mil euros. Trata-se de uma poupança de 1,95% (ou 2.650 euros), em comparação com o custo que teriam não aderindo à moratória.

Mas as contas não se ficam por aqui. É preciso contabilizar o montante do capital amortizado ao longo do contrato. Assim, enquanto numa situação sem moratória o capital amortizado é equivalente ao montante financiado, ao aderir à moratória é preciso contabilizar o acrescento do capital diferido nos dois primeiros anos da moratória aos 200 mil euros de financiamento inicial.

Desta forma, no nosso exemplo, a vantagem que a moratória oferece na fatura dos juros acaba por ser anulada pelo efeito do capital diferido, fazendo com que ao aderir à moratória, o custo total do empréstimo (juros e capital amortizado) seja 0,14% (cerca de 465 euros) superior ao custo total do empréstimo sem moratória. É o custo a pagar pela redução e estabilização da prestação da casa nos dois primeiros anos da moratória.

Estes números mostram que a moratória do Governo permite poupar no curto assumindo um preço não muito elevado. Mas não só. De acordo com cálculos do ECO, o nível de poupança entre aderir ou não à moratória será o mesmo caso as taxas de juro subam em vez de baixarem.

É certo que, com o aumento das Euribor, a fatura final de juros engorda na carteira das famílias, mas o nível de poupança que a adesão à moratória oferece face a não aderir mantém-se.

Por exemplo, assumindo o exemplo anterior, de uma família que, há dois anos, tenha contratualizado um crédito à habitação de 200 mil euros a 30 anos, indexado à Euribor a 6 meses com um spread de 1%. Caso a taxa de juro suba dos atuais 3,945% para 4% e mantenha esse nível até ao final do contrato, chegaria a 2051 com uma fatura de quase 170 mil euros de juros.

No entanto, se tivesse aderido à moratória, a fatura de juros seria de cerca de 166 mil euros, mesmo considerando que o “bolo” da poupança gerada nos dois primeiros anos da moratória, no valor acumulado de 3.115 euros (130 euros vezes 24 meses), seria adicionado ao montante em dívida no quarto ano após o final da fixação da prestação, ficando assim sujeito a uma capitalização dos juros à taxa de juro da altura até à caducidade do contrato.

Todavia, a amortização do capital teria o mesmo comportamento que o verificado na primeira situação: sem moratória, o capital amortizado seria de 200 mil euros, enquanto que ao aderir à moratória o montante do capital amortizado seria de 203.115 euros — a diferença é criada pelo capital diferido nos dois primeiros anos da moratória.

Esta situação deriva do cálculo financeiro em que assenta a maioria dos contratos de crédito à habitação em Portugal, que pressupõe o pagamento de prestações constantes durante um período de tempo, consoante o indexante contratado (3, 6 ou 12 meses).

Também conhecido como o sistema de amortização francês, este método estabelece que à medida que os anos vão passando, assumindo uma taxa de juro constante, a percentagem de capital amortizado vai aumentando, enquanto o peso dos juros se torna mais diminuto. Assim, em períodos em que o indexante seja mais elevado, a fatia dos juros será maior; e em períodos em que o indexante seja mais baixo (como acontece nos dois primeiros anos da moratória), a percentagem de juros é mais reduzida e a parcela de amortização de capital maior — fazendo com que os juros no futuro sejam também menores, porque o capital em dívida se torna mais baixo.

É isso que também explica que, em agosto deste ano, 57% da prestação da casa da totalidade dos contratos de crédito à habitação correspondia ao pagamento de juros, quando há um ano o peso dos juros na prestação da casa não ia além dos 19%, segundo dados do Instituto Nacional de Estatística.

Aproveitar a moratória para amortizar dívida

Segundo a apresentação das linhas da moratória pelo ministro das Finanças na semana passada, esta medida estará disponível para todas as famílias que tenham contratualizado créditos para a aquisição de habitação própria e permanente com taxa de juro variável ou taxa mista em período de taxa variável, desde que tenham sido celebrados até 15 de março de 2023 e que apresentem um prazo residual igual ou superior a cinco anos.

Desta forma, a moratória pode ser também utilizada pelas famílias que não estando numa situação de aflição financeira no presente pretendam baixar a dívida do crédito à habitação. E a forma de o conseguirem de forma mais eficaz passa por, nos dois primeiros anos da moratória, em que a prestação é fixada para um valor mais baixo face ao que pagam atualmente, aplicarem a poupança gerada mensalmente na amortização do capital em dívida.

O efeito desta estratégia no bolso das famílias traduz-se numa poupança de juros de 3,5% num montante estimado de 4.752 euros no final do contrato, considerando um crédito à habitação de 200 mil euros, celebrado há dois anos por 30 anos e indexado à Euribor a 6 meses com um spread de 1% — e assumindo o comportamento das taxas de juro segundo as expectativas atuais do mercado.

Como esta solução não provoca qualquer aumento do valor total de capital amortizado (mantém-se nos 200 mil euros), o nível de poupança global é também de 3,5%.

As famílias que seguirem este caminho nem sequer têm de se preocupar com custos operacionais deste processo, dado que, também na quinta-feira, o Governo anunciou a isenção da comissão de amortização antecipada no crédito à habitação até pelo menos 2024.

No decorrer da sua apresentação, Fernando Medina referiu que a nova moratória do crédito à habitação visa “reduzir e estabilizar” as prestações do crédito à habitação, para que “ajude as famílias a suportar este momento de taxas de juro muito altas com impacto muito forte nas condições de vida dos agregados familiares.”

No entanto, a moratória vai mais longe que isso. Salvo alterações que possam surgir entretanto até à sua publicação em Diário da República, a moratória permite não só oferecer às famílias com crédito à habitação estabilidade durante dois anos (com a fixação da prestação) e reforçar a sua liquidez no curto prazo (por conta de uma prestação mais baixa face à que têm atualmente), como potenciar uma fatura de juros mais pequena na totalidade do empréstimo à habitação.

Considerando que quase 90% dos contratos de crédito à habitação são atualmente de taxa variável, não será difícil de antecipar uma corrida à moratória por parte das famílias portuguesas. Mais ainda quando a moratória permite também às famílias cancelarem a moratória caso a taxa de juro do seu empréstimo à habitação seja inferior à taxa que fecharam na adesão à moratória (70% da Euribor a 6 meses).

(Gráficos e texto atualizados às 23h30 com dados da amortização do capital)

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