O especialista em seguros da consultora Capgemini considera óbvia a digitalização dos mediadores, mas só isso não chega para ficar no negócio no futuro. Têm de saber ser parceiros das seguradoras.
A Capgemini, consultora global nas áreas das tecnologias e transformação digital, acaba de divulgar O World Insurance Report (WIR) 2021, estudo realizado em parceria com a Efma, instituição que reúne os maiores protagonistas da Finança a nível mundial, em que aborda os desafios que se colocam aos atuais modelos de distribuição de seguros. Revela como a tecnologia pode facilitar e potenciar a eficácia dos canais de distribuição e aumento de prémios. Para este estudo foram inquiridos protagonistas dos negócios, também em Portugal, com resultados obtidos a partir entrevistas e inquéritos realizados a clientes, seguradoras, agentes e corretores.
Diogo Baptista é o representante em Portugal do negócio dos seguros da Capgemini. Com mais de 20 anos de experiência em funções de gestão e de execução operacional, incluindo atividade de consultoria, este engenheiro florestal pelo ISA e mestre pela Universidade do Maine, especializou-se em Programas de Transformação e Excelência Operacional e Tecnológica, com enfoque na interceção entre a atividade Seguradora e Tecnologia. Passou pela AXA e Ageas no seu percurso profissional e contribui para os estudos WIR da Capgemini que este ano focou no papel dos corretores e agentes no futuro da distribuição de seguros. Foi entrevistado por ECOseguros.
Uma das conclusões do WIR 2021 é que nos seguros o canal humano é bom no aconselhamento, o canal digital na conveniência, os novos intermediários digitais no alcance, mas nenhum oferece sozinho o máximo impacto. A solução avançada é o retooling dos canais. O que será isso?
Essa foi uma das grandes conclusões do World Insurance Report 2021, sustentada pelos inquéritos efetuados diretamente a mais de 350 clientes em Portugal. No último ano, a maioria das seguradoras reconheceram o impacto da pandemia no esforço de aquisição de novos clientes e retenção da sua carteira, a par de um aumento nos pedidos de esclarecimento e alteração das apólices, por parte dos tomadores de seguro. Nestas circunstâncias, os clientes procuram Conveniência, através da disponibilidade 24/7 para acesso à informação e gestão das suas apólices. Procuram também outro nível de Aconselhamento, mais personalizado e adaptado às suas necessidades e processo de compra, onde o Cliente pesquisa Online e compra Offline (ROPO), tendo uma maior auto-confiança para decidir. O Alcance e Acessibilidade (Reach) é também crítico, na perspetiva de acesso e pesquisa de informação para decisão e fecho da compra.
Como interessar o cliente de hoje?
A nossa proposta de solução para uma estratégia de distribuição mais eficaz será de assegurar uma jornada CARE (Convenience > Advise > Reach) de forma abrangente. Disponibilizar ferramentas digitais e desenvolver as respetivas competências de utilização e dinamização, torna-se essencial para os Mediadores alargarem a sua presença, tirando partido da já reconhecida capacidade de aconselhamento. Este retooling pode incluir, por exemplo, a disponibilização de bots, onde o cliente obtém uma resposta imediata ao seu pedido, com a marca do mediador e integrando com os processos de suporte por parte da Seguradora associada à sua apólice.
Considera os agentes e corretores como os canais que conduzem ao crescimento dos negócios, mas que têm de oferecer um modelo Phygital2phygital. No caso dos mediadores multimarca, isso interessa às seguradoras?
Ainda nos dias de hoje e não obstante toda a aceleração de transformação digital, o principal fator de decisão na compra de um produto de seguros, é o aconselhamento por amigos, familiares e colegas. Ou seja, “as pessoas preferem as pessoas e confiam nas pessoas”. Daí termos a preferência por um modelo híbrido, de aconselhamento humano associado a uma conveniência e envolvência digital: Phygital2Phygital. Sendo este o modelo mais valorizado pelos clientes, será também o modelo que mais interessa aos principais intervenientes desta cadeia de valor, incluindo mediadores e seguradoras. A questão poderá estar no equilíbrio associado ao investimento e desenvolvimento das boas práticas comerciais. Seja na infra-estrutura, desenvolvimento aplicacional ou na conversão de leads, onde as seguradoras terão uma preferência por apoiar mais ativamente a sua rede de mediação exclusiva. Os mediadores multi-marca têm, neste contexto, um desafio acrescido na capacidade de desenvolver e afirmar a sua presença, através das valências mais digitais.
Convida à expansão do ecossistema através de criação de plataformas digitais comuns. Como podem conviver distribuidores concorrentes num mesmo espaço digital?
Hoje em dia já convivem e competem no mesmo espaço digital, da world wide web e social media. Acresce o facto de mais de 30% dos consumidores portugueses terem indicado, em 2020, estarem dispostos a adquirir um produto de seguros a partir das BigTechs. A abordagem Open Insurance onde as seguradoras disponibilizam plataformas digitais baseadas numa arquitetura de serviços, permite alargar a capilaridade da cadeia de valor, deslinearizando a relação entre Seguradoras, Mediadores e Clientes.
Isso é mudar o modelo de negócio…
Esta abordagem permite alterar o paradigma de uma distribuição centrada na venda do produto para um modelo de disponibilização de proteção e serviços no quotidiano da vida das pessoas e principais momentos da vida, incluindo affinities (grupos com interesses profissionais ou pessoais comuns). A seguradora assume, desta forma, um papel de orquestrador num ecossistema de parceiros, onde a mediação pode aceder, ela própria, a outra escala de informação, pontos de contacto e oportunidades de concretização de negócio. Permite também facilitar um percurso de especialização e diferenciação da própria rede de distribuição.
Os mediadores de menor dimensão tenderão a fazer escolhas: se quiserem ficar como multi-marca irão consolidar a sua atividade, incluindo com corretores. Outros, poderão optar por se associar a uma Seguradora em regime de exclusividade
A Capgemini prevê que 95% das interações com clientes serão realizadas através da AI (Inteligência Artificial) em 2025. Realidade virtual, realidade aumentada e 5G serão ferramentas dessa interação. Considera possível existir tecnologia acessível aos mediadores comuns, ou já se está a fazer uma radical seleção natural dentro dos mediadores?
A inteligência artificial e demais soluções cognitivas permitem-nos dar um salto de nível na dimensão de customer engagement, indo muito além da eficiência e disponibilidade. Esta evolução implica uma maior capacidade de investimento e conhecimento que, porventura, nem todos os mediadores terão capacidade de acompanhar. Os de menor dimensão tenderão a fazer escolhas: se quiserem ficar como multi-marca irão consolidar a sua atividade, incluindo com corretores. Outros, poderão optar por se associar a uma Seguradora em regime de exclusividade, como forma de aceder a outra escala de meios e apoio à sua atividade. Convém realçar que o desafio inclui também a revisão do modelo de relação entre os mediadores e as seguradoras. Aqui, é fundamental o mediador identificar o seu próprio valor e posicionamento, como forma de reequilibrar a relação e poder diferenciar-se.
Segundo a abordagem CARE por canal, o estudo conclui que os portugueses colocam agentes, corretores e canais diretos às seguradoras como os preferenciais em aconselhamento. Os resultados mostram uma confiança no aconselhamento por bancos, pelas próprias seguradoras, para além dos mediadores. Será que os canais 100% digitais terão dificuldades acrescidas a penetrar no mercado português, versus prestígio das marcas históricas?
Os canais digitais acompanharão muito provavelmente as preferências dos consumidores portugueses, numa perspetiva de maior conveniência e acessibilidade. Podemos recordar o impulso que a situação da pandemia trouxe ao e-commerce em Portugal. Por exemplo, na relação com o setor segurador, resultados de 2020 mostravam que a maioria dos consumidores já realizavam transações de forma digital e de forma transversal às diversas gerações. Neste sentido, a tendência antecipada será as marcas capitalizarem a sua confiança junto dos clientes (particulares e empresas), disponibilizando a conveniência e serviço através de canais digitais, de forma direta ou em parceria.
As seguradoras 100% digitais ocupam um espaço muitas vezes associado a novas preferências e estilos de vida (por exemplo, mais utilização e menos propriedade). Em Portugal, temos cerca de 24% dos clientes no quadrante de “pioneiros” que poderão optar facilmente por estas seguradoras
Qual o desenvolvimento previsível das seguradoras apenas digitais?
À semelhança de outros países, as seguradoras 100% digitais ocupam um espaço muitas vezes associado a novas preferências e estilos de vida (por exemplo, mais utilização e menos propriedade). Em Portugal, temos cerca de 24% dos clientes no quadrante de “pioneiros” que poderão optar facilmente por estas seguradoras, assim exista oferta e sobretudo, confiança na marca. Por outro lado, o estudo revela um gap significativo entre a necessidade de aconselhamento para compra de um seguro, por parte dos Clientes, e a perceção da necessidade desse mesmo aconselhamento, por parte das Seguradoras. Ou seja, digital oferece conveniência na transação, mas tem necessidade de ser bom e diferenciador no aconselhamento.
Também nas linhas comerciais se nota uma apetência maior por canais diretos e digitais. Significa que os mediadores não estão a dar atendimento correto às empresas que preferem tratar diretamente?
Os mediadores têm um papel reconhecido na capacidade de aconselhamento, em contexto das linhas de Particulares e Empresas. Mas, as empresas têm também acompanhado a via da digitalização como forma de ganhar escala, eficiência e qualidade de serviço. Deste modo, a tendência será de estarem associadas a parceiros que acompanhem, eles próprios, esta jornada de modernização. A conveniência nas Empresas corresponde, acima de tudo, à eficiência na gestão da relação e dos contratos. E esta é uma boa oportunidade e incentivo à digitalização dos mediadores, seja de forma direta ou associados às Seguradoras. O reforço das valências e funcionalidades digitais permite, por outro lado, criar as bases para uma relação mais acionável, do ponto de vista de oportunidades de negócio e serviço de aconselhamento. O digital significa, acima de tudo, um acesso a mais pontos de contacto, respetivos dados e informação. Depois de estar lá, é necessário que o mediador consiga marcar a diferença, seja através da sua especialização seja por complementaridade de serviços, como por exemplo de aconselhamento na mitigação do risco.
Que pontos considera mais expressivos no processo CARE. Onde nota situações relevantes na área das seguradoras e dos mediadores, que estão a condicionar ou vão condicionar o seu desenvolvimento e a organização futura do mercado segurador?
Há três grandes conclusões, cruzando os resultados do estudo em Portugal com as reflexões realizadas com os Mediadores e Seguradoras:
A transformação digital em curso e muito acelerada pela pandemia, vem colocar pressão nas opções e dilemas da Mediação: Multimarca vs. Exclusivo, realçando a necessidade de ter escala para acompanhar os novos desafios; Partilhar informação para crescer vs. Reter, mantendo uma relação de desconfiança latente; Manter-se distribuidor de Seguros, numa ótica de retalho vs. Diferenciar-se por diversificação e especialização da sua atividade , ser mais parceiro e menos distribuidor.
Uma segunda conclusão aponta para uma abordagem com Plataformas de Distribuição Digital e Open Insurance, abrindo o acesso dos parceiros do ecossistema a jornadas de Cliente mais abrangentes e diversificadas. A orquestração destes marketplaces permite posicionar “proteção e prevenção” na vida quotidiana das pessoas, alargando o potencial de cross-information / cross-sell.
Finalmente, a melhoria da eficácia comercial na conversão de leads, disponibilizando ferramentas de CRM Digital e Visão 360 do Cliente, permitiria potenciar a já reconhecida capacidade de aconselhamento por parte dos Mediadores. Aqui importa realçar a necessidade de complementar soluções tecnológicas e de qualidade dos dados, com boas práticas comerciais, numa dinamização constante da relação com o Cliente e como forma de converter as leads em negócio.
O estudo World Insurance Report (WIR) 2021 pode ser consultado aqui .
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Diogo Baptista (Capgemini): Mediador tem de encontrar a sua diferenciação para equilibrar relação com seguradoras
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