A crise da habitação, um fenómeno europeu agravado em Portugal

Pedro Siza Vieira, advogado e ex-ministro da Economia, escreve um ensaio sobre a crise da habitação em Portugal, aponta decisões de política pública e avalia o Mais Habitação.

Durante o verão, enquanto discutíamos o pacote Mais Habitação, o Financial Times publicou uma série de reportagens sobre a crise da habitação na Europa. Também no verão, a Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS) divulgou um policy paper, sobre o problema da habitação, com base em políticas adotadas noutros países e na avaliação do mercado, assente num estudo da Nova SBE.

A série do Financial Times é muito significativa porque ilustra com exemplos concretos a dimensão continental do problema: Em quase toda a Europa, os preços das casas e as rendas estão a aumentar muito acima do crescimento dos rendimentos das pessoas. Com oferta escassa, os poucos espaços disponíveis estão a ser disputados por novos competidores: estrangeiros e imigrantes mais ou menos qualificados; alojamento local; ou famílias que, não podendo suportar o aumento dos custos, procuram mudar para espaços mais pequenos. O maior problema é a escassez de oferta: Em toda a Europa, as regras de ordenamento do território e a resistência da população ao aumento da urbanização tornam muito difícil a construção nova. E, conjunturalmente, a subida das taxas de juro e a limitação no acesso ao crédito (que é uma decisão do BCE para toda a Europa) fez subir custos para proprietários residentes e para senhorios.

O problema atinge muito desigualmente a população: Quem já tem habitação, e, sobretudo, quem reside em casa própria já substancialmente paga, está mais rico pelo aumento exponencial do valor da sua casa; Quem procura casa, pelo contrário, não consegue encontrar habitação a custo compatível com os seus rendimentos. Por isso, em todos os países da Europa, os jovens vêm permanecendo mais tempo em casa dos pais e aumenta o número de pessoas a viver em casas sobreocupadas.

Os fatores identificados pelo FT parecem todos ocorrer em Portugal ao mesmo tempo e em grande escala:

  • O país atrai cada vez mais residentes estrangeiros;
  • O alojamento local cresceu quase sem limitações e, segundo o Eurostat, Portugal é o país da Europa onde é maior a percentagem de dormidas em AL;
  • Grande parte dos empréstimos à habitação são a taxa variável e por isso afetados pela subida de juros; a produção de habitação caiu significativamente nos últimos 15 anos. É como se fosse a tempestade perfeita, que faz subir rendas e preços de imóveis muito acima do crescimento dos rendimentos;
  • Limita o acesso à habitação, particularmente aos mais jovens; e acentua as clivagens geracionais e as desigualdades sociais.

Fonte: Banco de Portugal

Por seu turno, o policy paper da FFMS coincide com aquelas conclusões e recomenda para Portugal políticas focadas na oferta e no longo prazo, designadamente nos regimes dos licenciamentos e ordenamento do território e transportes, na política fiscal e na promoção pública de habitação, mas recorda que é necessário atuar no curto prazo, com políticas de apoio às famílias, na contenção do alojamento local ao nível das freguesias, e no controlo de rendas.

Neste artigo, proponho-me refletir sobre possibilidades de desenho de políticas públicas à luz destas reflexões e das sugestões da FFMS, e também avaliar o pacote Mais Habitação em função dessa análise.

A carência de habitação em Portugal – uma nova realidade

Em Portugal, como nos outros países do sul da Europa, a grande maioria da população reside em habitação própria (entre nós, mais de 70%), sendo reduzida a percentagem de população que vive em habitação arrendada. O parque público quase se reduz à habitação social, dirigida à população de rendimentos mais baixos. O crescimento da população em residência própria verificou-se a partir dos anos 1980; o mercado de arrendamento para a classe média foi-se reduzindo a partir dos anos 1970 – o crescimento da inflação fez com que o valor real das rendas fosse significativamente reduzido; investidores institucionais (companhias de seguros; caixas de previdência) saíram do mercado; investidores particulares passaram a ter alternativas de aplicação financeira e a perceber o arrendamento como aplicação de risco.

Após os anos 80, portanto, o acesso à habitação passou a depender da aquisição de habitação própria, com recurso a financiamento bancário a promotores e compradores. Neste modelo, o papel do Estado consistia na facilitação do acesso ao crédito à habitação pelas classes médias. Primeiro, pela bonificação dos juros dos empréstimos, depois, pelos benefícios fiscais concedidos aos adquirentes dos imóveis. A partir da adesão ao euro, a redução das taxas de juro tornou dispensáveis estes apoios. Para o sistema bancário, o crédito à habitação era uma forma de aumentar resultados sem penalizar o capital, uma vez que os empréstimos à habitação são ponderados para efeito de consumo de capital apenas em 50%. Com base neste modelo, o parque habitacional e as áreas urbanas cresceram significativamente nos 30 anos anteriores à crise financeira. Nos anos 90, os poderes públicos procuraram moderar a ocupação do território, impondo a elaboração de planos de ordenamento que condicionam a expansão urbana.

A crise financeira global e os problemas no sistema bancário vieram já neste século a pôr em crise este modelo. Concorreram para isso a redução do rendimento disponível da população e a situação da banca, com carências de capital e um volume elevado de crédito malparado, levando à redução do financiamento de novas promoções. Durante alguns anos, algumas políticas dinamizaram o investimento na reabilitação em detrimento da construção nova (reforma do regime da reabilitação urbana de 2008) e uma breve recuperação do mercado de arrendamento (novo regime do arrendamento urbano de 2013). A recuperação de rendimentos das famílias e a melhoria da situação do sistema bancário a partir de 2016 levaram o setor imobiliário a recuperar.

Porém, verificaram-se ao mesmo tempo alterações profundas na procura de imobiliário e na política monetária que, conjugadas com a redução da oferta de imobiliário, tiveram como efeito um aumento significativo dos preços da habitação para níveis incomportáveis para a classe média.

  • Alterações na procura de imobiliário: a última década coincidiu com a atração de investidores estrangeiros para o país, para primeira ou segunda habitação. Isto levou a que parte importante do parque disponível no centro das áreas metropolitanas, designadamente o que recebeu obras de reabilitação, fosse adquirido por cidadãos estrangeiros com maior capacidade aquisitiva, ou ocupado por novas formas de utilização, como é o caso do alojamento local. Além disso, nos últimos anos o crescimento significativo da população imigrante também tem levado a um aumento de procura de imóveis para arrendamento. Finalmente, o aumento do número de agregados familiares em Portugal (de 3,5 milhões no início do século para 4 milhões em 2020) também levou a aumento da procura.
  • Redução da oferta de imobiliário: de 1995 a 2007, a oferta de novos fogos no nosso país esteve sempre acima de 65.000 por ano, com picos entre 1999 e 2002, em que esteve acima de 110.000 fogos por ano. A partir da crise financeira global o número de novos fogos (entre construção nova e reabilitação) caiu a pique, tendo estado sempre abaixo de 15.000 entre 2013 e 2019 (em 2015 e 2016 valores na casa de 7.000 novos fogos por ano). A recuperação ligeira a partir de 2020 não assegurou mais do que 19.000 novos fogos em 2021 e 2022 – e parte da nova oferta é de segunda habitação. Uma oferta reduzida face ao volume de transações faz com que o stock disponível se dirija para os segmentos com maior poder aquisitivo, fazendo subir os preços, o que induz os promotores a reorientarem o seu produto para as preferências desses segmentos – designadamente ao nível de áreas e acabamentos.
  • Alterações na política monetária e de crédito: após a crise financeira global, as taxas de juro reduziram-se significativamente no mundo. A Euribor a 12 meses, que no final de 2007 estava a 4,7%, reduziu-se em 2012 para 0,57% e após 2016, passou a ser negativa, sendo no final de 2021 -0,505%. O impacto de um período prolongado de taxas de juro baixas foi muito significativo, fazendo disparar o valor dos ativos, em particular o imobiliário. A subida recente dos juros deveria corrigir os preços, mas dado o desequilíbrio entre oferta e procura isso não parece estar a suceder. Por outro lado, a concessão de crédito tornou-se mais restritiva, fazendo com que os adquirentes tenham de dispor de mais fundos próprios e maior rendimento para obter um empréstimo para habitação. Isso faz igualmente que as vendas nos anos recentes tenham sido feitas aos segmentos com maiores rendimentos.

Ainda assim, importa bem delimitar a que é que chamo crise da habitação. Trata-se sobretudo de uma crise no acesso à habitação para quem ainda não a tem: Sobretudo os jovens e os imigrantes.
Na verdade, a subida das taxas de juro tem levado a que se comente o problema do aumento das prestações do crédito à habitação como um sinal da crise que afetará a habitação. Mas não é assim.
Não existe um problema para a grande maioria da população portuguesa: Dos mais de 70% de agregados que residem em casa própria, 61,5% – mais de dois milhões de família! – tem a casa paga, e os 38,5% que ainda têm dívida associada têm em média 63.555 euros em dívida, sendo a prestação média do crédito à habitação em agosto 379 euros, segundo os dados do INE.

Em 2009, a prestação média era de 409 euros — e o rendimento disponível das famílias era inferior!
É verdade que as famílias que adquiriram casa nos últimos anos, a preço mais elevado e com capital em dívida mais significativo, estão a sofrer a sentir as prestações aumentar muito. Mas a verdade é que são estatisticamente poucas e, dadas as restrições no crédito bancário dos últimos tempos, são normalmente famílias com folga para fazer face ao acréscimo do serviço da dívida. Para a grande maioria das famílias – dois milhões de agregados familiares! -, o aumento do preço da habitação aumenta o valor do seu património. O problema está em quem pretende aceder a nova habitação.

Foquemo-nos, então, nas medidas que visam atuar no acesso à habitação.

Atuar do lado da oferta

A resolução do problema da habitação é, por definição, lenta. Se está em causa um desequilíbrio entre oferta e procura, e se não faz sentido reprimir a procura, então haverá que atuar no lado da oferta. Mas a construção de habitação nova ou a reafetação de imóveis para habitação só produz efeitos a prazo longo. É por isso demagógico dizer que é necessário aumentar a oferta e exigir que o problema seja resolvido de imediato. Por isso, vários governos na Europa têm procurado intervenções imediatas no mercado, para reduzir o crescimento dos preços, e o próprio policy paper da FFMS não as afasta nas suas recomendações.

Mas não cabe dúvida que a atuação de fundo tem de ser mesmo do lado da oferta e tem de ser de longo prazo. E para isso, os instrumentos de política pública têm de atuar sobre os constrangimentos à oferta; e ser orientados, em primeiro lugar, para dirigir a oferta para o arrendamento acessível. Estou convencido que sem um tal aumento decidido nos próximos anos, será muito difícil responder a este problema e viabilizar a fixação e atração de talento no país. É assim importante criar as condições para que promover oferta de habitação em arrendamento acessível seja percebido como investimento atrativo por investidores de longo prazo.

Portugal tem uma flagrante diferença relativamente aos países em que o arrendamento tem mais peso: é que, em Portugal, estão ausentes do arrendamento habitacional os investidores institucionais que investem a longo prazo, como companhias de seguros ou fundos de pensões. São estes que dinamizam o mercado de arrendamento (e já o fizeram no passado), seja investindo diretamente, seja indiretamente como acionistas de fundos ou companhias imobiliárias. Em Portugal, estes investidores estão presentes no arrendamento comercial mas não investem no arrendamento habitacional. Fala-se muito dos «fundos» especulativos que adquirem empréstimos hipotecários ou imóveis ao setor bancário, mas estes são sobretudo fundos de private equity, que investem no curto ou médio prazo. Para dinamizarmos o mercado do arrendamento para habitação precisamos de ser capazes de atrair investidores com capacidade financeira e horizonte de longo prazo.

Por outro lado, precisamos de lhes dar produto para investir. Quando se discute com atores do setor, estes explicam o desinteresse dos investidores na habitação dirigida à classe média com base nos elevados custos de produção; por isso, o escasso volume de oferta dirige-se a um reduzido número de compradores com disponibilidade para pagar preços que cubram esses custos. Os elevados custos de produção são, por sua vez, imputados a temas como a escassez de solo para construção (ou de imóveis para reabilitação); aos tempos demorados de licenciamento; e à elevada fiscalidade sobre o imobiliário. Nestes três fatores, o Estado – Administração Central e Municípios – tem influência decisiva e pode alterar o panorama atual.

1) Aumentar a oferta de habitação – promoção pública de habitação

Portugal é o país da Europa com mais baixa percentagem de fogos de propriedade pública no conjunto do parque habitacional – cerca de 2%. Estes são sobretudo dirigidos à população mais carenciada. Nos últimos anos, os Municípios de Lisboa e do Porto iniciaram programas de disponibilização de habitação acessível, mas só agora começam a chegar aos utilizadores esses fogos. Parece consensual que a promoção pública deva ser reforçada.

É verdade que estão agora a ser lançados um conjunto de fogos de promoção municipal com financiamento pelo PRR (cerca de 26.000). Porém, a minha convicção é que esses fogos vão ter pouco impacto na classe média e não irão dar resposta rápida à crise. Por um lado, porque são essencialmente dirigidos aos segmentos mais desfavorecidos da população (trata-se de reforço do programa 1.º Direito e da construção de habitação de emergência); por outro lado, porque o ritmo de execução do investimento público determinará que decorram alguns anos até que os primeiros fogos construídos ao abrigo do PRR sejam efetivamente disponibilizados. Há também alguns fogos em promoção pelo IHRU, mas parece claro que este esforço público, que mobilizará grande parte da capacidade de execução do Estado e das autarquias nos próximos anos, demorará muito tempo a ser executado e não chegará à classe média. A título de exemplo, recorde-se que o último grande programa de promoção pública – o PER, lançado há 30 anos como «Programa de Erradicação de Barracas» – que procedeu à construção de cerca de 34 mil fogos, foi executado ao longo de cerca de dez anos (numa altura em que as regras urbanísticas e de contratação pública eram bem mais simples que agora).

Deste modo, haverá que aumentar a oferta de fogos pelos setores privado e cooperativo, e para isso as políticas públicas têm de contribuir decisivamente para a redução dos custos de produção do imobiliário habitacional.

2) Reduzir os custos de produção da habitação acessível – fiscalidade

Uma parte significativa dos encargos associados à promoção imobiliária no nosso país tem a ver com a fiscalidade. A promoção imobiliária residencial compreende 4 fases, sobre as quais incidem encargos distintos. Na aquisição do terreno incide IMT, bem como Imposto de Selo. No desenvolvimento dos projetos e no licenciamento incidem IVA e taxas urbanísticas. Na empreitada é liquidado IVA à taxa de 23% que, não sendo dedutível, é integralmente repercutido no preço do imóvel. No final, com a venda do imóvel, os resultados são tributados em sede de IRS ou IRC.

Por outro lado, o investidor que adquire um imóvel para o arrendar para a habitação, tem de pagar IMT na aquisição e IRS ou IRC sobre os rendimentos provenientes do arrendamento. No seu conjunto, a fiscalidade pode chegar a representar mais de um terço do valor do investimento associado à construção de novos fogos, e parte significativa do rendimento do proprietário. Pior: segundo a OCDE, Portugal é dos países em que a carga fiscal que incide sobre a habitação arrendada é muito superior do que a que incide sobre quem reside em casa própria! É como se se quisesse deliberadamente penalizar o investimento em habitação para arrendamento.

Por isso, a redução da fiscalidade sobre o investimento imobiliário, aumentando o retorno para o investidor, é um instrumento poderoso para direcionar investimento para determinados objetivos públicos e foi já utilizado no passado. O exemplo mais significativo é o da reabilitação urbana. Em 2008 foram aprovados incentivos fiscais à reabilitação de edifícios e nos últimos anos cresceu muito o investimento na reabilitação e reconstrução de edifícios; múltiplos fatores explicam este fenómeno, mas parece evidente que o incentivo fiscal teve impacte nas opções de promotores e investidores.

Já existe um instrumento fiscal importante: o Programa de Arrendamento Acessível destina-se a agregados cujo rendimento bruto seja inferior a valores pré-definidos, permitindo-lhes aceder a fogos cuja renda seja 80% inferior à mediana da zona e se contenha abaixo de 35% do rendimento do agregado. Nesse regime, as rendas auferidas pelos senhorios ficam isentas de tributação em IRS e IRC. Mas para que aumente a promoção de nova habitação acessível parece necessário ir mais longe. A redução da fiscalidade inerente às atividades de promoção para arrendamento acessível permite compensar a diminuição do retorno para o promotor e para o investidor pelo facto de estes receberem uma receita mais baixa do que a de mercado.

Ora, a redução da fiscalidade sobre o arrendamento acessível é precisamente um dos aspetos centrais do pacote Mais Habitação, que determina a isenção de IMT na aquisição de edifícios ou terrenos para a promoção de habitação para arrendamento acessível, e reduz para 6% o IVA sobre as empreitadas de construção ou reabilitação para a mesma finalidade. Mantém-se, além disso, a isenção total de tributação das rendas auferidas pelos senhorios em arrendamento acessível.

Trata-se de um instrumento poderoso de atração do investimento privado, pela eliminação de uma fatia importante dos custos de tributação. E faz sentido que o esforço financeiro público, sob a forma de incentivos fiscais, se dirija em exclusivo à habitação acessível.

3) Aumentar a oferta de habitação – licenciamentos e instrumentos de gestão territorial

Um segundo fator que onera o custo da habitação é a morosidade dos licenciamentos, que se reflete em encargos financeiros acrescidos. Além disso, os planos municipais de ordenamento foram elaborados há muito tempo e contêm restrições às mudanças de uso do solo, e a sua revisão implica um procedimento pesado. Deste modo, o aumento da oferta também implica intervir ao nível do ordenamento do território, vencendo resistências para que sejam encontrados novos espaços para habitação – seja por alargamento das áreas urbanas, seja pela possibilidade de reconverter para habitação espaços e edifícios atualmente destinados a outros usos.

Aliás, os problemas mais sérios em Portugal nos processos de licenciamento não decorrem só da inércia municipal ou de procedimentos complexos: são sobretudo o resultado da sobreposição sobre uma mesma parcela de território de múltiplas regras e restrições provenientes de muitas fontes e sujeitas ao controlo de diversas entidades, que tornam muito complexa a apreciação dos projetos pela simples dúvida na determinação das normas aplicáveis e na sua interpretação – ainda por cima quando a violação dessas regras pode ser objeto de sanção penal através do crime de «violação de regras urbanísticas».

São conhecidos muitos exemplos de incapacidade de reconversão de edifícios para outros fins, por dificuldades de apreciação municipal ou de compatibilização com planos urbanísticos. Um dos mais comentados ultimamente tem sido o do antigo edifício do Ministério da Educação na Avenida 5 de Outubro em Lisboa, que o Governo anunciou pretender reconverter para residência estudantil em 2018, mas cujo projeto foi indeferido pela Câmara de Lisboa e que continua por licenciar.

O pacote Mais Habitação inclui uma lei de autorização legislativa – já promulgada pelo Presidente da República – que permite ao governo proceder a um conjunto de alterações legislativas de relevo que promoverão, espera-se, a simplificação desses processos, designadamente reduzindo a margem de decisão e regulamentação das câmaras municipais, isentando de controlo prévio municipal a construção de habitação com promoção pública, uniformizando procedimentos e regras de instrução de licenciamentos nos vários municípios, simplificando a conversão de solo rústico em solo urbano para fins habitacionais e simplificando igualmente a revisão de planos urbanísticos para permitir a reclassificação de usos para a habitação.

Tenho visto críticas ao novo regime, designadamente invocando o risco para a segurança dos novos edifícios ao dispensar-se a análise dos projetos pelos municípios. É uma crítica absurda: desde 1991 que os municípios não apreciam os projetos de estabilidade dos edifícios, que são executados sob responsabilidade dos projetistas. A minha crítica é outra: o regime devia permitir a utilização imediata de espaços e edifícios de serviços para fazer habitação, sem necessidade de alterar os planos, e não apenas simplificar o processo de alteração. Veremos que impacto as medidas terão.

4) Aumentar a oferta de habitação – reconversão de edifícios públicos

Uma das formas por que o Estado pode contribuir decisivamente para o aumento da oferta e a redução de custos é a disponibilização de solos e edifícios públicos para habitação a custo reduzido. Como o solo urbano é escasso, se o Estado disponibilizar o património de que dispõe a custos reduzidos pode contribuir para a redução dos custos da habitação.

É verdade que o Estado já fez anúncios nesta matéria. Em 2016 foi lançado um programa para a reconversão de edifícios públicos para habitação, integrando-os num fundo imobiliário gerido pela Fundiestamo. Não tenho conhecimento de que tenham sido já disponibilizados quaisquer fogos detidos pelo Fundo, o que além de ser inadmissível face à premência da crise, lança um enorme descrédito sobre a capacidade de execução pública.

O Estado tem várias dificuldades na execução de investimento público, do que falarei adiante. Por isso, importa permitir a cessão de solos ou edifícios públicos a outros promotores, designadamente do setor privado, para multiplicar a capacidade de execução. O pacote Mais Habitação, numa das principais alterações que resultou da discussão pública, prevê que o Estado possa ceder ao setor privado e cooperativo terrenos para construção ou edifícios públicos, ficando os adjudicatários vinculados a colocar os fogos integrados nos edifícios que viessem a construir no regime de renda acessível.

Esta é uma excelente medida, que aumenta a capacidade de execução ao distribuir a responsabilidade pela gestão dos projetos e ao abreviar os tempos de execução. O impacte da mesma, porém, dependerá da capacidade de rapidamente fechar contratos – por concurso público ou por hasta pública? Por que valor? A verdade é que nos anos mais recentes o Estado tem alienado direitos sobre imóveis com base no seu valor de mercado – que está inflacionado. Desse modo, nas vendas de imóveis o Estado tem contribuído para a subida de preços num mercado já quente, em vez de subsidiar a habitação acessível. O património público, já amortizado, pode ser cedido em direito de superfície ou em concessão sem cobrança de um preço de mercado, mas vinculando a afetação dos imóveis ao arrendamento acessível, e procedendo à seleção dos promotores não com base no preço mas na baixa renda que se comprometam a praticar.

Josh Olalde/Unsplash

 

Atuar do lado da procura – eficácia reduzida e efeitos perversos

Uma parte das medidas do pacote Mais Habitação visa atuações do lado da procura – no apoio ao rendimento das famílias mais penalizadas pelo aumento dos encargos do crédito ou de rendas; mas também na regulamentação dos contratos de arrendamento.

As medidas de apoio ao rendimento das famílias têm pouco a ver com política de habitação. São medidas de caráter social, através de transferências financeiras de natureza temporária, que apoiam quem já tem habitação mas vê o seu custo aumentar. Estas medidas não resolvem o problema do acesso à habitação e podem mesmo ter efeitos contraproducentes. Aumentar o acesso ao subsídio de renda ou repor benefícios fiscais à habitação pode momentaneamente aliviar o problema, no entanto, se não houver expansão da oferta, conduzirá a prazo a novo aumento de preços.

O mesmo sucede com as medidas que visam intervir nos contratos de arrendamento em vigor – limitações aos aumentos de rendas ou ao crescimento das rendas em novos contratos, etc.. O próprio policy paper da FFMS admite que se possam adotá-las, ao referir que “a gravidade do problema de acessibilidade exige medidas de curto prazo de apoio à acessibilidade do lado da procura que apoiem as famílias em situações mais débeis. Assim, parece-nos possível que se conceba adotar (…) eventual controlo de rendas [que] deve ser de curta duração, circunscrevendo-se à limitação do aumento de rendas”. A versão final da proposta votada na Assembleia da República parece conformar-se com esta recomendação; designadamente, porque o famoso limite de 2% de aumento na celebração de novos contratos limita-se aos casos em que os imóveis hajam sido arrendados há menos de cinco anos, e circunscreve-se ao primeiro contrato após a entrada em vigor do diploma.

Ainda assim, parecem-me estas medidas incorretas e mesmo injustas. Em primeiro lugar, porque são grande parte dos arrendamentos são antigos e localizados nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto. Assim, estas medidas terão efeito sobre parte reduzida do mercado, beneficiando aqueles que já habitam num fogo arrendado mas não aqueles que pretendem aceder à habitação; para estes, o aumento da perceção do risco regulatório pelos proprietários poderá levar à redução da oferta nova ou a novo aumento de rendas para cobrir esse risco, como sucedeu noutros países que adotaram idênticas medidas. Além disso, estas medidas – como também a assunção que os contratos antigos já não transitarão para o NRAU – são também dirigidos a arrendatários com rendimentos francamente acima da mediana, acabando por ser socialmente injustos. Melhor seria que o Estado alargasse o subsídio de renda.

O alargamento do arrendamento coercivo – alcance e eficácia reduzidos

Uma das medidas mais criticadas no pacote Mais Habitação foi o alargamento do regime de arrendamento de fogos devolutos. Desconsiderem-se as críticas inicialmente suscitadas a propósito deste regime dito “comunista”, que afinal não parece suscitar dúvidas de constitucionalidade. Também já desapareceram as dúvidas totalmente infundadas sobre o que seriam imóveis devolutos: o conceito existe na lei desde 2006, quando foi fixado o regime de IMI agravado para fogos devolutos, e foi atualizado em 2019. As dúvidas que o regime me suscita têm sobretudo a ver com a sua capacidade de operar alterações no setor.

É certo que uma política pública de habitação não pode deixar de se debruçar sobre a grande quantidade de fogos vazios existentes no nosso país, que segundo os últimos censos são cerca de 700.000. Este número, porém, é enganador. Grande parte desses 700.000 fogos está concentrada em municípios do interior, em perda demográfica. Nas áreas metropolitanas, a percentagem de fogos desocupados é muito baixa, com exceção dos municípios de Lisboa e Porto, onde essa percentagem é mais significativa. Para efeitos de cobrança de IMI agravado, estão identificados no país inteiro 11.000 fogos, dos quais cerca de 2000 em Lisboa.

Ter património imobiliário devoluto em Lisboa e no Porto é totalmente irracional, a não ser por razões especulativas – esperar para ver se o preço sobe – ou se existirem razões que impedem o seu aproveitamento (heranças indivisas; regras de reconstrução inaplicáveis, proteção de património cultural; falta de recursos dos proprietários). Não sabemos quais os motivos por que estes fogos permanecem devolutos – e provavelmente cada caso terá explicações diferentes – mas parece claro que os seus proprietários não têm incentivo suficiente para lhes dar aproveitamento e os colocarem a render.

A estratégia de agravamento do IMI claramente não foi suficiente para mobilizar os proprietários a vender ou dar aproveitamento aos imóveis, provavelmente porque o valor patrimonial tributário destes imóveis é muito baixo, pelo que o IMI, mesmo agravado, também será baixo. Será a ameaça do arrendamento coercivo suficiente capaz de inverter a situação? Desconfio que não. O recurso ao arrendamento coercivo será pesado e conflitual para os municípios, e dada a controvérsia que a aprovação do regime suscitou julgo que poucos quererão recorrer à figura – e se os proprietários não recearem a intervenção municipal continuarão a manter os imóveis vagos.

Ainda assim, algo tem de ser feito. Penso que seria preferível avançar com um agravamento fiscal verdadeiramente pesado para a existência de imóveis devolutos – mais fácil de aplicar que o arrendamento coercivo – que pudesse levar os proprietários não ativos a modificar comportamentos.

A limitação ao alojamento local – uma necessária pausa para respirar

Um dos aspetos mais controversos do pacote Mais Habitação foram as novas limitações ao alojamento local (AL). Apesar das críticas, parece-me evidente que faz sentido introduzir um standstill no AL no nosso país.

Portugal tinha um dos regimes mais liberais de funcionamento de AL: Qualquer fogo licenciado para habitação podia registar-se como AL, sem necessidade de decisão administrativa ou do condomínio e sem limite de tempo; e beneficiava de um regime fiscal simplificado. Se, nos primeiros tempos, o regime permitiu trazer para a economia formal muitas camas paralelas, e se muitos fogos vagos foram reabilitados para utilização como AL, contribuindo para a recuperação das cidades, a verdade é que nos últimos tempos a oferta cresceu desmesuradamente.

Em 2018, a lei foi alterada, permitindo que os municípios pudessem restringir novos registos, mas ainda assim a oferta continuou a crescer – de 47.000 registos em 2017, para 82.000 em 2019, 98.000 em 2021 e cerca de 110.000 atualmente. Hoje, sabemos que muitos desses milhares de fogos estavam antes afetos a habitação permanente. E o peso do AL é muito significativo. Segundo a associação do setor (ALEP), as dormidas em AL em 2019 em Portugal representavam 40% do total de dormidas. Segundo o Eurostat, Lisboa era em 2022 a terceira cidade europeia com maior número de noites em AL – depois de Paris e Barcelona – e o Porto a sétima, e Portugal um dos países da Europa em que o AL mais peso tem no alojamento turístico.

O pacote Mais Habitação impõe uma pausa nos registos de AL em frações autónomas até decisão municipal em contrário; Introduz uma limitação temporal dos registos existentes e restrições à sua transmissibilidade; estabelece a possibilidade de o condomínio recusar a instalação ou funcionamento de um AL; aprova uma contribuição extraordinária e cria incentivas reconversão do AL para AL. Não se revogam registos e deixa-se em funcionamento o que está. O regime proposto pode ser criticado: seguramente o problema não tem o mesmo impacto na oferta de habitação em todo o país (o policy paper da FFMS sugere que as restrições sejam feitas ao nível local); é diferente a situação nas áreas metropolitanas e nas zonas de vilegiatura; não tem o mesmo impacto o proprietário que coloca a casa onde reside em AL em períodos limitados do ano e a empresa que explora centenas de fogos a tempo inteiro.

Ainda assim, faz sentido parar para pensar, não só do ponto de vista do tipo de turismo que queremos, mas também sob a perspetiva das implicações para a habitação. Mas a experiência internacional mostra que é extremamente difícil conter o fenómeno, como mostram os exemplos de Paris, Berlim ou Nova Iorque. Como atividade que deixou de ser marginal e quase caseira para assumir um relevo económico e urbanístico muito significativo, acho que era inevitável que o AL passasse a ser mais regulado, limitado e tributado. Duvido, ainda assim, que se consiga recuperar para a habitação muitos fogos atualmente afetos ao AL.

Paula Nunes / ECO

 

Três temas críticos; três escolhas políticas

Como refere o policy paper da FFMS, a acuidade do problema da habitação torna incontornável que os governos atuem do lado da procura e procurem regular o mercado de arrendamento. Essas medidas devem ser temporárias e excecionais, como parece ser o caso das medidas previstas no pacote Mais Habitação. Mas o caminho de fundo só pode passar por intervenções cujos efeitos só no longo prazo se farão sentir, e que passam pelo aumento da oferta de habitação. As medidas do pacote Mais Habitação apontam à promoção pública para as classes mais desfavorecidas e aos incentivos aos setores privado e cooperativo para promoverem habitação acessível dirigida à classe média, o que me parece ir no caminho certo. Mas há três questões de fundo que me parece deverem ser equacionadas para que, a longo prazo, possamos vir a encontrar um ponto de equilíbrio entre a procura de habitação e a oferta disponível.

A primeira questão diz respeito às capacidades e competências da Administração Pública.

Nas últimas décadas a Administração perdeu capacidade de atrair e motivar quadros qualificados, e perdeu competências de gestão. Creio que Portugal necessita de investir em recursos qualificados na Administração Pública para a realização de tarefas críticas. Além disso, as regras de funcionamento da Administração impedem a sua atuação eficaz e eficiente. O Código da Contratação Pública torna impossível a realização atempada de projetos públicos e determina sempre soluções mais caras para os problemas. As regras de controlo da atividade administrativa foram formuladas com base no princípio da suspeita, de tal maneira que a motivação mais forte de muitos decisores e gestores públicos é o medo. Neste contexto, a decisão mais racional é não decidir, e nunca assumir riscos. Estou convicto que, se há trinta anos estivesse em vigor o Código dos Contratos Públicos, o PER não teria sido executado em dez anos, enredado em providências cautelares e concursos desertos, e nunca teríamos realizado a EXPO 98. Não se fazem omeletes sem ovos. Teremos vontade de permitir à nossa Administração recrutar trabalhadores qualificados e bem remunerados, de acordo com o seu desempenho, e que atuem segundo regras que, sendo transparentes e que os responsabilizem pelas suas decisões, não os impeçam de executar as tarefas de serviço público que lhes exigimos?

A segunda questão diz respeito à fiscalidade do imobiliário.

Não falo já das medidas para baixar os custos de produção da habitação. Falo antes da fiscalidade associada à detenção da propriedade. O nosso sistema fiscal incide sobretudo sobre o consumo e sobre os fatores de produção – capital e trabalho. Mas, por outro lado, a tributação da detenção de património é muito baixa – apesar da introdução do “Imposto Mortágua” – quando comparada internacionalmente: segundo a OCDE, 1,586% do PIB em 2021, contra 2,543% em Itália, 2,732% em Espanha, 3,823% em França ou 3,815% no Reino Unido.

Isso significa que a carga fiscal penaliza excessivamente quem trabalha e quem investe e assim contribui para o crescimento da economia, mas poupa comparativamente quem detém imóveis – curiosamente aqueles que mais têm beneficiado com a subida dos preços. E este benefício relativo, além de economicamente irracional, tem duas consequências adversas. A primeira é que torna o mercado rígido: se custa pouco deter um imóvel, não há incentivo em colocá-lo no mercado e dar-lhe utilização, vendendo ou arrendando. A segunda é que contribui para uma injustiça geracional: quem acedeu à propriedade imobiliária quando esta era relativamente barata está a ver o seu património aumentar sem ter contribuído para isso e sem por isso ser tributado, e mantém-se a residir em imóveis que por vezes até se tornam grandes para uma família que foi ficando mais pequena; quem procura aceder a habitação não consegue encontrar habitação disponível no mercado. Teremos a vontade de rever a tributação da propriedade imobiliária, exigindo mais de quem mais beneficia com a valorização dos imóveis e criando incentivos para a colocação de imóveis no mercado?

A terceira questão diz respeito às cidades que queremos.

Se achamos que temos de aumentar a oferta, temos de saber onde vamos construir os novos fogos. Em Portugal praticamente congelámos a possibilidade de expansão urbana. Onde vamos construir mais casas? Muitos respondem que é necessário ocupar as casas não aproveitadas. Mas os 500.000 agregados familiares que o país ganhou nos últimos 20 anos – e os mais que se lhes vão somar – precisarão de casas novas.

As cidades crescem para cima ou para os lados. Ou permitimos a construção em altura, densificando a malha urbana e aumentando a capacidade de alojamento; ou permitimos a expansão dos aglomerados urbanos, pela reconversão de espaços ou pela expansão de espaços urbanos. E os portugueses não gostam de nenhuma das hipóteses. Restringimos a construção em altura, e congelámos as áreas urbanas. Uma operação como a da Expo 98 seria possível hoje? Recordo o projeto de uma nova urbanização com 629 fogos de habitação acessível que o Município de Lisboa tentou lançar em 2021 no Restelo, e que ainda não foi aprovado por oposição dos moradores da zona, numa manifestação dessa doença da cidadania que é o NIMBY. A expansão urbana é altamente impopular nas opiniões públicas ocidentais, e é favorável aos interesses daqueles que já são proprietários, que vêm as propriedades valorizar-se pela falta de oferta. Teremos a vontade de repensar as nossas cidades, densificando a malha urbana, permitindo a construção em altura e preenchendo os vazios urbanos, ou continuaremos a querer preservar a cidade que existe, que não acomoda os novos residentes?

Conclusão

Nos últimos anos, instalou-se rapidamente e de forma muito significativa em toda a Europa uma crise no acesso à habitação. O preço das casas aumentou muito acima do crescimento dos rendimentos das famílias, sendo causa de clivagem social e geracional. O conforto da maioria dos que já são proprietários, e que beneficiam com o crescimento dos preços, confronta-se com a frustração dos que procuram aceder à habitação – e serve de pasto a todos os populismos de esquerda e de direita. Só o aumento da oferta pública e privada poderá corrigir o problema; medidas de curto prazo tendem a ser, por todo o mundo, paliativos que se revelam ineficazes e por vezes contraproducentes.

O pacote Mais Habitação contém medidas muito positivas para estimular a oferta, mas as medidas mais controversas – as medidas de curto prazo, incidindo na procura – arriscam-se a ser ineficazes ou até contraproducentes.

A discussão do problema da habitação tem suscitado paixões e combate político, mas estes não nos devem desviar do foco. Tendo em conta as características do setor imobiliário, atuar do lado da oferta só produz resultados a longo prazo e precisa de consistência de políticas ao longo do tempo: Pretender o contrário é demagogia.

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A crise da habitação, um fenómeno europeu agravado em Portugal

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