Hidrogénio verde está a chegar às redes. Floene recebeu 72 pedidos de ligação para injeção até janeiro

Floene recebeu 72 pedidos de ligação à rede para injetar hidrogénio entre março de 2021 e janeiro deste ano.

É no Seixal, fora do alcance da vista do comum transeunte, que o hidrogénio verde está a começar a trilhar o seu caminho. É nesta cidade que, pela primeira vez, o hidrogénio de fonte renovável estará a circular na rede de gás, uma experiência que pode dar a confiança necessária para que vários projetos, que estão a florescer um pouco por todo o país, ganhem espaço para crescer. Esta terça-feira, o primeiro-ministro, António Costa, vai estar presente no evento que marca a estreia deste gás “verde” nas redes.

Nas redes do Seixal está em curso um projeto para misturar uma percentagem de hidrogénio verde – entre 2% a 5% – com o gás natural que nelas circulam. O projeto foi desenvolvido de raiz, sobretudo nos aspetos respeitantes à Estação de Mistura e Injeção (EMI), já que são poucos os exemplos na Europa. “O êxito deste projeto e a confirmação das soluções desenvolvidas são fundamentais para o desenvolvimento de projetos comerciais”, indica a Floene, a maior operadora de distribuição de gás em Portugal e a responsável pela gestão da rede de distribuição de média e baixa pressão. O objetivo é os testes permitam ascender de uma fatia de 2 a 5% na rede para uma de 20%.

Entre março de 2021 e meados de janeiro deste ano, a Floene recebeu 72 pedidos de ligação à rede com o fim de injetar hidrogénio e prevê que a estreia da produção e injeção de hidrogénio nas redes por outras empresas se dê até ao final de 2023, indica a distribuidora ao Capital Verde.

Sines, o grande pólo

5.382 milhões de euros. Este é o investimento total previsto para o hidrogénio verde na Zona Industrial e Logística de Sines (ZILS), de acordo com Filipe Costa, CEO da Aicep Global Parques. Aqui não estão contabilizados parques solares, eólicos, subestações elétricas ou os projetos de indústria descarbonizada que em parte vão usar esse hidrogénio.

Na ex-central termoelétrica de Sines da EDP Produção, a EDP, Galp, Engie, Bondalti, Martifer, Vestas, McPhy e Efacec são algumas das entidades que sustentam o GreenH2Atlantic, um dos maiores projetos em Sines. Terá uma capacidade de 100 megawatts (MW), um investimento superior a 150 milhões de euros e entrará em operação no final de 2025. De acordo com a Galp, este projeto está em “fase avançada de estudos de engenharia”. A petrolífera sublinha que “um eletrolisador verde de 100 MW é um gigaprojeto a nível europeu – o maior atualmente em funcionamento é de 20 MW”.

A Galp tem um interesse duplo no desenvolvimento da indústria do hidrogénio: por um lado, quer descarbonizar os próprios ativos industriais, como a Refinaria de Sines, na qual usa hoje em dia o hidrogénio cinzento (fóssil) para a produção de combustíveis convencionais. Substituí-lo por hidrogénio verde reduziria “significativamente” as emissões de CO2 associadas à refinaria e reforçaria “a sustentabilidade e competitividade deste complexo energético”, afirma a empresa ao Capital Verde.

Em paralelo, pretende apoiar a transição energética dos respetivos clientes. Para já, tem um projeto-piloto, com um electrolisador de 2 MW, que deverá iniciar a produção no início de 2024. Ainda em fase de decisão está o investimento no primeiro electrolisador de 100 MW do projeto industrial. Depende do quadro regulamentar em Portugal e na Europa.

Existem outros dois projetos que já têm terrenos contratados com a ZILS. A empresa canadiana Neogreen Hydrogen tem um contrato de reserva do direito de superfície para um terreno de 10,5 hectares, com o objetivo de começar a produzir hidrogénio verde em 2026, num investimento que começa nos mil milhões de euros e pode triplicar, noticiou o Expresso. Já a Madoqua Renewables associou-se à holandesa Power 2X e à dinamarquesa Copenhagen Infrastructure Partners para estudar a instalação em Sines de um projeto de hidrogénio verde, para produzir anualmente 50 mil toneladas deste gás. O chamado MadoquaPower2X H2 prevê um investimento de 400 milhões numa capacidade de eletrólise de 500 MW.

Além destes, há outros quatro potenciais projetos de produção de H2 verde em perspetiva. O H2Sines.RDAM, o KEME Energy, um da Fusion Fuel e finalmente da WinPower, aponta ainda o CEO da Aicep Global Parques.

Por entre estas instalações, a REN está a criar infraestrutura no âmbito do projeto H2GBackBone, “que conectará os produtores de H2 verde com consumidores e com dois pontos de injeção no gasoduto Sines – Setúbal”, indica Filipe Costa.

Mas há muito para lá de Sines

Sines foi a primeira e mais falada localização para receber os projetos de hidrogénio a nível nacional, mas não é, de todo, a única opção.

O H2Driven é o segundo projeto com maior investimento entre os 64 que se candidataram ao apoio das agendas mobilizadoras, no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência. Está estimado em 925,5 milhões de euros, é liderado pela Efacec e conta com empresas como a Dourogás Renovável, a Navigator, a Bondalti e Sonae como parceiros. Neste caso, não se fala de um projeto apenas de hidrogénio, mas sim de uma espécie de “evolução”: está prevista a construção de uma fábrica de metanol verde em Mangualde, estimada em 300 milhões de euros, “para a qual estaremos em vias de assinar o financiamento com o IAPMEI”, afirma Nuno Moreira, presidente da Dourogás. O objetivo é produzir hidrogénio verde que, em conjunto com o CO2 captado na central de biomassa da Sonae em Mangualde, vai dar origem ao metanol verde, um combustível sustentável que serve para abastecer navios – cerca de 10 numa fase inicial, em 2026.

A Bondalti tem outro projeto, o H2Enable, um pouco mais a norte: vai instalar-se no Complexo Químico de Estarreja. Está planeada uma capacidade instalada de 40 MW e deverá entrar em operação no final de 2025. Está enquadrado nas agendas mobilizadoras do PRR, com um investimento total aprovado de 140 milhões de euros, e foi-lhe recentemente atribuído o estatuto de Projeto Importante de Interesse Comum Europeu (IPCEI) pela Comissão Europeia. Ambos os projetos, o GreenH2Atlantic e o H2Enable “estão a avançar como planeado, estando neste momento em fase de desenvolvimento”, afirma a Bondalti, em declarações ao Capital Verde.

O Nazaré Green Hydrogen Valley (NGHV) está a ser criado por um consórcio de empresas da Nazaré, Marinha Grande e Leiria, que pretendem descarbonizar os processos industriais da região. A Rega Energy lidera o consórcio, que conta também com as vidreiras BA Glass, Crisal e Vidrala e as cimenteiras Cimpor e Secil. Querem vender hidrogénio diretamente ou “indiretamente”, isto é, injetando na rede de gás natural. O investimento está estimado em 170 milhões de euros. Numa fase inicial, querem instalar uma potência de 40 MW, e mais tarde chegar à meta de 600 MW. O consórcio representa cerca de 10% do total de emissões de CO2 do setor da indústria e 2,5% do total das emissões de CO2 de Portugal.

É em Monforte que a Dourogás Renovável e a Lightsource bp estão a erguer aquele que creem ser “um dos projetos mais avançados no país do ponto de vista de todo o seu licenciamento”, afirma Nuno Moreira. Está prestes a ser adjudicado, ou seja, encomendada a construção. “O projeto poderá estar terminado em dezembro de 2023 conforme previsto”, assinala o mesmo responsável. A capacidade é de 5 MW.

Mas, havendo “uma aposta muito forte do grupo neste setor”, a Dourogás e a Lightsource bp não se ficam por aqui. Ao todo, têm na calha oito projetos, um investimento de 300 mil milhões, que esperam concretizar até 2026, e cujo investimento, dentro do mesmo prazo, pode até duplicar – depende da escala que decidam implementar. A potência instalada de eletrolisadores pode oscilar entre os 200 MW e os 400 MW. Vão estar espalhados por todo o país, em localidades próximas das válvulas da rede de gás.

E vale a pena?

“Os gases renováveis são fundamentais para a economia portuguesa, numa ótica de diversificação de portfólio energético e subsequente independência nacional”, defende a Floene. No caso do hidrogénio verde, a mesma entidade acredita que “Portugal tem condições competitivas para a produção”: a Hydrogen Europe estima que, por cá, o custo de produção deste gás seja de 90 euros por MWh quando produzido numa ótica integrada com projetos de eletricidade renovável dedicada, subindo para os 144 euros/MWh quando utilizando o mix de geração do sistema elétrico através da ligação à rede.

Olhando para o preço médio do gás natural em 2022, o hidrogénio verde já seria competitivo ao dia de hoje, observa a Bondalti, reconhecendo, contudo, que não é expectável que o gás natural se mantenha em valores tão elevados em anos futuros.

Portugal tem condições competitivas para a produção [de hidrogénio verde].

Floene

Fonte oficial

Mas não é só uma questão de preço, continua a empresa. “A competitividade do hidrogénio verde em relação ao gás natural deve ter em conta, não só o preço do gás natural, mas também o preço do CO2 emitido quando o gás natural é queimado”. Além disso, o hidrogénio verde será produzido com recursos endógenos nacionais (água, sol, vento), o que evita que o custo seja afetado por eventos geopolíticos ou de mercado, e promove a segurança de abastecimento e a diminuição de importações.

O presidente da Dourogás sublinha que “o gás natural não é uma solução no futuro, porque é carbónico. Então não podemos comparar o preço do hidrogénio verde com o preço do gás. (…) Nós procuramos fabricar hidrogénio o mais barato possível para que a economia do mundo não tenha essa disrupção”.

O Governo lançou recentemente as bases do primeiro concurso em Portugal para a compra centralizada de gases renováveis, embora ainda falte a publicação do regulamento específico. No caso do hidrogénio verde, o preço base de licitação é de 127 euros por MWh, o que, de acordo com a Floene, “alinha com os custos estimados no mercado português”. Esta mesma empresa, considera que “seria benéfico um maior valor nas quantidades a leilão”, tendo em conta a oferta que se antecipa. Galp e Bondalti dizem que têm ainda de avaliar esta oportunidade, embora esta última já reconheça o concurso como “um importante mecanismo de incentivo à produção”.

Então, o que falta para darem o salto?

Tecnologicamente “o hidrogénio está numa fase de crescimento e maturação tecnológica”, que significa por exemplo reduzir custos de produção dos eletrolisadores, diz a Floene. Já a rede de gás está preparada para receber gases renováveis, mas existe alguma incerteza sobre como isto será concretizado. A digitalização e otimização de redes é chamada para gerir de forma segura a descentralização do sistema de gás.

Mas o grande impulso seria outro: a obrigação dos grandes comercializadores de incorporarem gases renováveis, aponta a Dourogás. A Floene acusa falta de clareza no estabelecimento de objetivos da percentagem de gases renováveis (hidrogénio, biometano e gás de síntese) no Sistema Nacional de Gás.

Além disto, Nuno Moreira indica que falta o Banco Europeu do Hidrogénio, para que haja um desenvolvimento em massa. Por fim, a Floene acredita que o sistema de Garantias de Origem para gases renováveis “é fundamental para a transação do gás” no mercado. Está em consulta pública e deverá ter um desfecho durante o segundo trimestre deste ano.

A Bondalti considera “absolutamente normal” e “recomendável” que existam incentivos financeiros que acelerem a curva de crescimento desta nova tecnologia, os quais deverão desaparecer assim que a mesma atinja um estado avançado de maturação. O mínimo necessário varia de projeto para projeto, sendo que um dos componentes mais impactantes é o custo da eletricidade de fontes renováveis, que poderá representar algo como 70% do custo final de produção.

A Galp indica que a articulação dos mecanismos de incentivo que estão a ser desenvolvidos a nível europeu e nacional será “decisiva” para a cadeia de valor, mas terão de ser vistos caso a caso. Por isso, apela a “um contexto regulamentar claro e estável” que dê visibilidade dos retornos. A nível europeu, preocupa a petrolífera o nível de exigência no que diz respeito à energia renovável que pode ser usada na produção de hidrogénio. Em Portugal pedem-se condições adequadas do ponto de vista regulatório e fiscal.

A Floene defende apoios na redução de incerteza do lado do consumo, nomeadamente no sobrecusto do hidrogénio face ao gás natural, que tenha um impacto positivo no investimento do lado da produção, assim como apoios para a adaptação tecnológica associada a gases renováveis e apoios para formação técnica específica de recursos humanos e de inovação.

(A segunda edição do Yearbook, a revista anual do Capital Verde, está quase aí. Este é um dos artigos que nela poderá encontrar. Nesta revista, poderá saber mais sobre esta e outras energias em desenvolvimento)

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