• Especial por:
  • Gonçalo Aguiar

Mitos sobre a energia eólica

Neste Especial, o autor responde a Luís Mira Amaral, que desvalorizou o papel da energia eólica na mitigação do aumento dos preços da electricidade. Gonçalo Aguiar vem agora provar o contrário.

Foi bastante satisfatória a resposta do Engenheiro Luís Mira Amaral (LMA) ao meu artigo da edição do Expresso de 17 de setembro, pois admitiu que serão necessárias mais energias renováveis, em particular solar fotovoltaico, para fazer descer o preço da eletricidade. Satisfatória não especificamente porque concordou comigo, mas sim porque isto se traduz numa evolução da sua opinião. Há pouco mais de um ano, no manifesto que assinou intitulado “Tertúlia Energia”, afirmara-se contra o plano nacional de instalação de 11 GW de renováveis até 2030, que incluem mais de metade de solar. Qual será então a capacidade instalada de solar que LMA considera aceitável?

“Temos capacidade instalada excessiva”

Por falar de capacidade instalada, LMA diz no seu artigo de resposta que “não devíamos ter ultrapassado os 2500 MW” de potência eólica instalada e que as eólicas são um investimento desperdiçado pois “só trabalham 25% a 30% do tempo, muito pouco para máquinas de capital intensivo”.

A potência instalada de uma turbina eólica é apenas o máximo teórico que a turbina pode produzir num certo instante, que na realidade quase nunca se atinge. O investidor não investe na capacidade de gerar à potência máxima, mas sim no potencial de geração de uma certa quantidade de energia conforme as condições de vento do local, o que em Portugal tipicamente é equivalente a um funcionamento de 27% do tempo à potência instalada. Esta relativamente baixa utilização da potência instalada é perfeitamente normal para as energias renováveis.

É claro que quanto maior é este número, melhor, pois a mesma turbina pode produzir mais energia. É por isso que se constroem parques eólicos em locais ventosos, como no topo de montanhas, de modo a aumentar a utilização, que ainda assim a nível global é em média 36%. Já agora existem outras “máquinas de capital intensivo”, que LMA defende e bem, que só produzem em média 16% da potência instalada: as centrais solares fotovoltaicas.

Além disso nenhum país adotou como estratégia limitar a integração de energia eólica comparando a sua potência instalada total com o consumo em períodos de vazio. Porquê apenas os 2500 MW de potência eólica instalada? Como é que isto casa com a expectativa de aumento do consumo, devido à eletrificação da economia e integração do veículo elétrico?

“Nas horas de muito vento o consumidor paga energia eólica não consumida”

LMA diz também que não consigo desmontar o seu argumento que “nas horas de muito vento e pouco consumo o consumidor paga um valor muito elevado pela eólica excedentária não consumida”. Antes de tudo, energia excedentária não consumida não existe, pois toda a energia produzida tem de ser consumida, nem que seja em sistemas de armazenamento.

Para além disso, observar-se geração eólica em excesso do consumo é um fenómeno raríssimo, sem expressão significativa em Portugal. Desde 2010 até final de 2019 (10 anos) só aconteceu 6 vezes, num total de 26 horas das 87 648 horas deste período, isto é, 0.03% do tempo.

É factual que o consumidor paga às eólicas a diferença entre o preço de mercado e a tarifa garantida (tarifa feed-in). É válido não concordar com este regime, e com o valor das tarifas, mas existe pouco que se possa fazer hoje para o reverter. Rasgar contratos não pode ser uma opção para um país de estado de direito que queira atrair investimento estrangeiro.

Espanha tentou fazer isso e deu-se muito mal, tendo sido condenada a pagar milhões de euros em compensações. A lição a tirar para o futuro é que será sempre preferível o preço ser ditado pelo mercado, por intermédio de leilões como foi feito para as novas solares, do que ser definido na secretaria por decreto.

Custos de Interesse Económico Geral (CIEG) vs Sobrecusto com renováveis

Em relação aos Custos de Interesse Economico Geral (CIEG), também foi positivo LMA ter clarificado que os CIEG anuais de €2000 milhões não correspondem apenas às renováveis solares e eólicas. Faltou admitir que, em 2021, estas contribuem apenas um terço dos CIEGs (€650 milhões, conforme o quadro 4-66 do documento da ERSE “Proveitos Permitidos e Ajustamentos 2021” aqui transcrito na figura 1), e que no sobrecusto com os Produtores em Regime Especial (PRE) também estão incluídas a biomassa, que LMA defende, e que é paga com tarifa feed-in média de 118 €/MWh (mais alta que 90 €/MWh das eólicas, como se pode ver a figura 2). Para clarificar também: a taxa audiovisual não é (felizmente) um CIEG, ao contrário do que foi afirmou LMA.

Figura 1 – Cálculo do sobrecusto dos PRE para 2021 (Fonte: Proveitos e Ajustamentos 2021, ERSE)

 


Figura 2 – Tarifas garantidas médias por tipo de produtor 2021 (Fonte: Proveitos e Ajustamentos 2021, ERSE)

“Eólicas não podem ser vantajosas para o consumidor”

LMA diz que é uma falsidade eu insinuar que ele defende que as eólicas fazem aumentar o preço da eletricidade. No entanto recordo que LMA escreveu inequivocamente no artigo de resposta, que nas horas de pouco vento os consumidores têm de pagar preços altos das térmicas nos mercados grossistas.

Ou seja, admite que se não houvesse eólicas, os consumidores pagariam mais. Imagine-se então que era esse o caso e que Portugal se tinha limitado a instalar apenas os tais 2500 MW de eólicas ou que até não tivesse instalado uma única turbina eólica. Neste cenário o que interessava se fosse um período de baixo vento ou não? De qualquer forma os preços grossistas seriam altos porque são marcados pelas térmicas, como LMA afirmou e bem. Não tem cabimento argumentar que temos uma capacidade excessiva de eólicas e ao mesmo tempo afirmar que nas horas de pouco vento pagamos mais porque não temos vento…

Outra afirmação que tem sido recorrentemente utilizada é a impossibilidade das eólicas terem sido benéficas para o consumidor, pois custam 90 €/MWh, quando os preços de mercado da eletricidade antes destas entrarem eram entre 30 e 40 €/MWh. É verdade que esta era a situação há 15 anos, não digo o contrário. Importa referir que nessa altura as taxas de carbono estavam abaixo de 20 €/tCO2.

Hoje em dia as taxas de carbono estão acima de 60 €/tCO2, sem perspetivas de descer, pois o número de licenças gratuitas descerá 2.2% por ano até 2030.

As licenças de CO2 a este valor traduzem-se num custo acrescido para eletricidade produzida através de gás (ciclos combinados) e o carvão de 30 e 55 €/MWh, respetivamente. Com os futuros do gás para o final do ano de 2022 nos 45 €/MWh, o custo da eletricidade à saída de uma central a gás de ciclo combinado nunca será menor que 110 €/MWh (ver figura 3), ou seja, as eólicas continuarão a gerar um proveito pois a sua tarifa feed-in é inferior (média 83.9 €/MWh). Como expliquei no meu artigo, as eólicas poupam agora dinheiro aos consumidores, facto que não tem sido admitido por LMA.

Figura 3 – Comparação de custos de eletricidade: Carvão, Gás natural e tarifas feed-in eólicas (fontes: ERSE, barchart.com)

Dívida tarifária

Fui acusado de ignorar a dívida tarifária. Não discordo que esta artimanha financeira perpetrada no tempo do governo Sócrates seja um grave problema. Não a mencionei por não ter pontos a contrapor ao seu artigo. Mas perante a insistência, digo o seguinte: a dívida tarifária combate-se reduzindo os CIEGs.

Foi com a redução destes de 2014 até 2019, que foi possível reduzir a dívida de €5080 milhões para €2750 milhões em 2021 (ver figura 4 e 5). E o que é que se pode fazer no futuro para reduzir ainda mais os CIEGs e a dívida tarifária? Mais uma vez: apostar em energias renováveis mais baratas que o preço de mercado, tornando o sobrecusto num proveito e o défice tarifário num superavit tarifário.

Figura 4 – Comparação do sobrecusto com os PRE e os CIEG (fonte: ERSE)
* Inclui Micro/Mini/UPAC/UPP, Cogeração, Resíduos Sólidos Urbanos, Eólica Offshore, Biomassa, Biogás, Hídricas.

 

Figura 5 – Evolução da divida tarifária 2009 a 2021 (fonte: ERSE)

Em suma e apesar dos seus argumentos de autoridade, gostaria de afirmar que não pretendo alimentar guerras, mas simplesmente contextualizar alguns números e factos. Como referi, é positivo que LMA tenha expressado apoio pela energia solar como forma de reduzir custos para os consumidores.

Seria agora interessante que evoluísse também na sua opinião em relação ao hidrogénio azul, que recentemente foi provado emitir mais carbono do que queimar gás natural diretamente [1], e em relação ao aumento da capacidade instalada de eólicas acima dos 2500 MW.

Por fim deixo a seguinte pergunta para um eventual debate sobre o tema: o que propõe para reduzir a dependência energética e as emissões do sector energético em Portugal, principalmente nas horas sem sol, cumprindo com o acordo de Paris e com as metas a que nos comprometemos?

[1] How green is blue hydrogen? Robert W. Howarth, Mark Z. Jacobson, 12 Agosto 2021

(A opinião do autor não reflete a visão da sua entidade empregadora)

  • Gonçalo Aguiar
  • Engenheiro Eletrotécnico

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