Governo quer deixar na lei do trabalho possibilidade de os trabalhadores "comprarem" dias de férias adicionais, mas já há várias empresas que o permitem, do retalho à tecnologia.
Se pudesse, trocaria uma parte do seu salário por dias de férias adicionais? O Governo quer deixar clara na lei a possibilidade de os trabalhadores adquirirem dias extra de descanso, sendo que o Código do Trabalha hoje nem a trava, nem a regula. Mas, mesmo com esse “vazio legal”, várias empresas em Portugal já permitem aos seus trabalhadores “comprarem” mais dias de férias, do retalho à banca.
Um desses empregadores é a Leroy Merlin. Consciente de que, nos estudos de mercado, esse é um benefício que “a maior parte” dos trabalhadores valoriza, a retalhista decidiu abrir esta possibilidade no início do ano passado. Desde então, os trabalhadores com, pelo menos, dois anos de antiguidade podem comprar até três dias de férias extra, sendo o valor de cada dia descontado do salário.
“Em 2024, tivemos 123 colaboradores (cerca de 2,8% dos colaboradores elegíveis) que compraram um total de 285 dias. Em 2025, só nos primeiros meses, já temos 31 colaboradores que compraram, até ao momento, um total de 47 dias“, adianta fonte oficial da Leroy Merlin, que salienta que esta política é também uma forma de diferenciar a empresa do ponto de vista da atração de talento.
“São várias as vantagens que reconhecemos nesta medida, mas podemos destacar a diferenciação relativamente ao restante setor do retalho, o alinhamento com as melhores práticas de mercado e, claro, o mais importante, contribuir para que o nosso colaborador possa gerir o seu descanso e necessidades pessoais”, sublinha a mesma fonte.

Também no retalho, mas mais recentemente, a Decathlon anunciou no início desde ano que os seus trabalhadores já podem adquirir até quatro dias de descanso extra por ano civil, que são deduzidos do salário “sem qualquer perda de direitos laborais ou impacto nos benefícios associados à assiduidade“.
“Esta medida permite uma maior flexibilidade na gestão do equilíbrio entre a vida pessoal e profissional, mantendo intactos todos os demais benefícios oferecidos pela empresa”, esclareceu fonte oficial ao ECO.
Também a Sonae garante ao ECO que já oferece a possibilidade de os trabalhadores adquirirem dias de férias extra “há vários anos”, no quadro de “políticas de flexibilidade mais amplas, onde se incluem, por exemplo, licenças sem vencimento, trabalho híbrido ou horários flexíveis”-
“As nossas políticas de flexibilidade têm como propósito o aumento do bem-estar das nossas pessoas, permitindo uma maior adaptação e articulação entre as vidas pessoal e profissional. São políticas muito apreciadas e valorizadas internamente, algo confirmado pelos estudos regulares que fazemos junto das nossas equipas”, frisa Miguel Tolentino, head of people da Sonae
Já na KLx, o campus tecnológico do Crédit Agricole em Portugal, o modelo é diferente, segundo a head of people & talent, Sara Mendes: o trabalhador tem a possibilidade de adquirir até três dias de férias extra por ano, trocando o valor disponível para benefícios por este descanso extra.
Em 2024, integrámos na nossa plataforma de benefícios a opção de compra de dias de férias — uma forma de proporcionar ainda mais flexibilidade e bem-estar.
“Na KLx, oferecemos aos colaboradores 22 dias de férias, acrescidos de três dias associados à assiduidade, o dia de Carnaval (feriado facultativo) e ainda um dia adicional, à escolha do colaborador, no Natal ou no Ano Novo. Sabemos que o tempo de descanso é altamente valorizado. Por isso, em 2024, integrámos na nossa plataforma de benefícios a opção de compra de dias de férias — uma forma de proporcionar ainda mais flexibilidade e bem-estar“, detalha a responsável.
Ainda que reconheça vantagens nesta política, Sara Mendes não esconde que há também “alguns desafios“. “O principal tem sido garantir que existe uma comunicação clara sobre como funciona e que existe uma utilização equilibrada, sem comprometer o funcionamento das equipas“, indica.
“Mas, de forma geral, o balanço tem sido muito positivo e queremos continuar a acompanhar de perto o impacto real desta medida”, ressalva.

De acordo com Rui Teixeira, diretor-geral do braço português da consultora ManpowerGroup, estes três exemplos não são exemplos isolados. “Em Portugal, há já algumas empresas que estão a oferecer este nível de flexibilidade aos seus trabalhadores, sempre com base num acordo entre os colaboradores e a entidade empregadora. São medidas que traduzem um benefício adicional que é atribuído ao trabalhador, reforçando a experiência do talento e contribuindo para a sua diferenciação no mercado de trabalho“, argumenta o especialista.
Rui Teixeira acrescenta que, sobretudo no setor tecnológico, há também empresas que oferecem férias ilimitadas, desde que o trabalhador cumpra os seus objetivos, no tempo de trabalho disponível.
“Seja em casos mais extremos ou em modelo mais limitados e condicionados pela realidade da operação de cada empresa, os objetivos estão sempre vinculados ao reforço da proposta de valor do empregador, mediante um alinhamento com as atuais preferências dos trabalhadores, maior satisfação dos mesmos e, consequentemente, maior fidelização à organização e maior competitividade na atração de talento”, explica o diretor-geral.
Vender férias, em vez de comprar?

Em contraste com a possibilidade de comprar dias extra de férias, há também empresas que permitem a venda de alguns dias de descanso (os que são atribuídos além dos 22 obrigatórios por lei). Isto é, o trabalhador goza de menos dias do que aqueles que lhe são disponibilizados e converte esse tempo em dinheiro ou benefícios.
Na tecnológica Zühlke Portugal, os trabalhadores têm direito, além dos tais 22 dias de férias assegurados pela lei, a três dias adicionais. “São os designados creative days” [dias criativos], adianta Ana Correia, human resources & employer branding lead.
“Os creative days podem ser usados como dias de folga remunerada, ou convertidos num montante fixo em dinheiro, pago como bónus. O valor é igual para todos e o colaborador pode escolher se quer receber o bónus juntamente com o salário ou se prefere transferir esse valor para a plataforma de benefícios flexíveis que temos”, esclarece a responsável.
Os ‘creative days’ podem ser usados como dias de folga remunerada, ou convertidos num montante fixo em dinheiro, pago como bónus.
“Se optar por esta transferência, na plataforma, pode utilizar o valor, de forma total ou parcial, no benefício que mais lhe convier, desde aquisição de material informático, PPR, cheque infância, despesas saúde e/ou educação, formação, avenças de parques estacionamento e/ou transportes públicos“, enumera Ana Correia.
No âmbito desta política que já vigora na Zühlke Portugal desde 2023, mais de 75% dos trabalhadores têm optado por converter os dias em bónus, sendo que, destes, mais de metade escolheu transferir o valor para a plataforma de benefícios, que “permite obter uma maior otimização fiscal“.
Para já, Ana Correia não admite adotar a medida inversa (a compra de férias extra), até porque, observa, a Zühlke Portugal já garante “diversas opções que garantem flexibilidade e bem-estar sem impacto na remuneração“, como a possibilidade de os profissionais solicitarem uma licença sabática uma vez por ano.
Ainda assim, a responsável atira: “revemos as nossas políticas com regularidade e, caso identifiquemos que são necessários ajustes para responder melhor às necessidades dos nossos colaboradores, não hesitaremos em fazê-los“.
Do holiday trading britânico à compra de férias portuguesa

Se em Portugal, o Governo quer agora regular a “compra” de dias de férias extra, este é o momento de olhar também para os exemplos que nos chegam além-fronteiras. O retrato é pintado pela advogada Inês Arruda, sócia da Pérez-Llorca, que refere o caso britânico e o dos Estados Unidos.
“Apesar de não estar expressamente previsto na lei, o holiday trading é relativamente comum no Reino Unido, ou seja, são celebrados acordos entre empregadores e trabalhadores que permitam a compra de dias de férias adicionais mediante um desconto na remuneração“, realça a advogada.
O ‘holiday trading’ é relativamente comum no Reino Unido, ou seja, são celebrados acordos entre empregadores e trabalhadores que permitam a compra de dias de férias adicionais mediante um desconto na remuneração.
Já nos Estados Unidos, como não existe legislação federal que preveja a atribuição obrigatória de férias remuneradas, é comum, afirma Inês Arruda, existirem acordos entre empregadores e trabalhadores sobre a aquisição de dias de descanso, com um desconto parcial na remuneração.
Por cá, importa notar que o Código do Trabalho prevê a atribuição obrigatória de, pelo menos, 22 dias de férias por ano a cada trabalhador por conta de outrem, ainda que em negociação coletiva possam ser acrescentados dias a esse período (sem perda de remuneração).
Por agora, ainda não é certo quando estará clara no Código do Trabalho também a possibilidade de os trabalhadores “comprarem” dias de férias, além desses 22. A medida será, primeiro, discutida na Concertação. E já tem gerado críticas, por parte dos sindicatos. Depois, terá também de passar pelo crivo do Parlamento, onde o Governo terá de procurar apoio na oposição.
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Nestas empresas trabalhadores já podem “comprar” dias de férias extra
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