Os milhões perdidos que a Segurança Social preferia esquecer

O fundo de reserva da Segurança Social brilhou em 2023 com ganhos de 9,1%, mas ainda carrega alguns investimentos malditos, como a falida Finpro e os ativos da controversa reserva estratégica.

O Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social (FEFSS) encerrou 2023 com um valor recorde de 29,8 mil milhões de euros, mas ainda carrega nos seus cadernos “fantasmas” do passado.

Segundo o relatório e contas de 2023 do fundo, continua a marcar presença na sua carteira 3 milhões de ações da falida Finpro, como resultado de um investimento de 18,6 milhões de euros realizado entre 2005 e 2007, que hoje são contabilizados a zero nas suas contas, após a insolvência da empresa em 2015.

A este “cadáver financeiro”, que permanece na carteira do FEFSS por a empresa ainda não ter sido extinta, junta-se ainda a perda quase total do investimento de 2,8 milhões de euros no Credit Suisse, como resultado do colapso do histórico banco suíço no ano passado.

Estes pontos negros na história do FEFFS contrastam com uma taxa de rendibilidade média de 9,1% do fundo em 2023, o melhor desempenho desde 2014. O fundo, que serve como “almofada” para o sistema de pensões português, viu o seu valor crescer 6,9 mil milhões de euros face ao ano anterior, também muito por conta de uma injeção histórica de 4,7 mil milhões de euros por parte do Estado e pelo desempenho de 19,28% da sua carteira de ações.

“A principal contribuição para a rentabilidade do FEFSS veio das ações”, lê-se no relatório e contas de 2023 do FEFSS, publicado esta terça-feira. No final do ano passado, o fundo da Segurança Social detinha quase sete mil milhões de euros aplicados em ações, o equivalente a 21,4% da sua carteira.

Esta exposição foi garantida por investimentos diretos em 153 empresas, mas, principalmente, por via de 14 fundos cotados (também conhecidos como Exchange-Traded Funds — ETF) como o Vanguard Institutional Index Fund Institutional Plus Shares e o iShares S&P 500, ambos cotados na bolsa de Nova Iorque que replicam índices de ações norte-americanos e que contavam com um investimento agregado acima dos 2,3 mil milhões de euros.

Entre as posições diretas em empresas por parte do FEFSS, destaca-se o investimento de 14,9 milhões de euros na Nestlé e as posições nas farmacêuticas Novartis e Roche, num montante de 14,6 mil milhões e de 13,8 mil milhões de euros, respetivamente.

Geograficamente, excluindo o investimento em dívida pública portuguesa, a carteira do FEFSS está maioritariamente exposta aos EUA (51,1%), seguido pela Zona Euro (24,2%), Japão (8,0%) e Reino Unido (6,4%). Só em obrigações dos EUA, o fundo tinha 3,31 mil milhões de euros aplicados, mais 12% face aos valores registados em 2022. Pixabay

Dívida pública continua a ser rainha na carteira do FEFSS

A dívida pública permanece como o pilar central da carteira do FEFSS, agregando no final do ano passado 54,5% dos seus ativos – o valor mais elevado dos últimos cinco anos.

Segundo dados do relatório e contas de 2023, o fundo da Segurança Social detinha uma exposição de 16,3 mil milhões de euros em títulos de dívida pública nacional, onde pontificavam as obrigações do Tesouro, com 13,65 mil milhões de euros, cerca de 4,8% acima da exposição de 2022 num valor 4,4 mil milhões de euros a mais que no ano anterior. No entanto, esta concentração não está isenta de desafios.

“A imposição de um limite regulamentar mínimo de 50% para a carteira de dívida pública (DPP), em conjugação com montantes sob gestão crescentes nos últimos anos, implica um programa de compras anual relativamente agressivo para as condições de mercado”, alerta a equipa de gestão do fundo liderada por José Vidrago no relatório, apontando ainda para “dificuldades operacionais crescentes na gestão da carteira de DPP”.

Estas dificuldades manifestam-se em dois níveis: operacionalização de transações cada vez mais complexas num mercado com liquidez reduzida e manutenção de elevados montantes de liquidez em Certificado Especial de Dívida Pública (CEDIC) de baixa rendibilidade para cumprir o rácio regulamentar.

Criada em 2002 para promover investimentos de longo prazo em ativos considerados estratégicos para o país, os ativos da reserva estratégica têm sido mais um fardo do que um impulso para o FEFSS.

O relatório revela ainda que o recurso ao mercado secundário da dívida tornou-se mais complexo e caro no ano passado, devido à redução dos montantes transacionados e consequente aumento do spread dos preços de compra e venda destes ativos.

“O término do quantitative easing e a subida das taxas de referência por parte do BCE, a par da redução das emissões de obrigações do Tesouro em mercado primário (que ajudou a reduzir o spread das remunerações dos títulos portugueses face à referência alemã), contribuíram para a diminuição da liquidez do mercado”, lê-se no relatório.

Foi por isso sem surpresas que o principal investimento em títulos de dívida pública realizado pelo FEFSS no ano passado foi realizado através da participação na operação sindicada de 5 de janeiro de 2023, que permitiu ao Estado financiar-se em 3 mil milhões de euros por via do lançamento da obrigação do Tesouro a 18 de junho de 2038. No final do ano passado, o FEFSS detinha 647 milhões de euros aplicados nesta linha obrigacionista.

Além desse investimento, destaque ainda para o aumento em 613 milhões de euros da exposição do fundo à obrigação do Tesouro com maturidade a julho de 2032 que, em 2023, foi utilizada pelo IGCP em dois leilões de dívida (8 de fevereiro e 8 de março).

Uma reserva estratégica que só penaliza o FEFFS

As contas do fundo da Segurança Social do ano passado revelam também mais um capítulo da controversa reserva estratégica, que ao longo dos anos continua a apresentar-se como um autêntico fantasma moribundo no portefólio do FEFSS, desde logo pela sua irrelevância, dado pesar apenas 0,02% na carteira do fundo.

Esta sub-carteira do FEFSS, que já teve dias melhores, registou uma rentabilidade negativa de 18,54% no ano passado, contrastando fortemente com o resultado virtualmente nulo de 0,02% em 2022. Este desempenho negativo deve-se principalmente à desvalorização de 21,03% do subfundo Imoresidências, um dos três investimentos que compõem atualmente a reserva estratégica.

“Importa referir que, em assembleia de participantes realizada a 8 de setembro de 2023, foi deliberada a dissolução e entrada em liquidação do subfundo, no âmbito da qual se assegurou a compra pelo Estado Português ao FEFSS das 6.222.857 unidades de participação, ao valor nominal de um euro cada (valor de aquisição), o que significa que a perda registada em 2023 será recuperada no próximo exercício económico”, esclarece o FEFSS.

Apesar dos desafios e de todos os fantasmas, o FEFSS mantém uma gestão eficiente, com os custos totais do fundo a serem de apenas 1,98 pontos base do montante médio sob gestão, “um valor extremamente baixo” quando comparado com a média de 35 a 40 pontos base para fundos de pensões internacionais.

A reserva estratégica, outrora ambiciosa, resume-se agora a participações nos subfundos Imomadalena, Imoaveiro e Imoresidências do Fundo Nacional de Reabilitação do Edificado (FNRE), adquiridos em 2019, num valor de apenas 6 milhões de euros no final do ano passado.

A sua atual parca dimensão é o corolário de uma história marcada por decisões questionáveis e de resultados dececionantes. Criada em 2002 para promover investimentos de longo prazo em ativos considerados estratégicos para o país, os ativos da reserva estratégica têm sido mais um fardo do que um impulso para o FEFSS.

Segundo um relatório de março do Conselho de Finanças Públicas, “do ponto de vista da rentabilidade da carteira do FEFSS, os investimentos efetuados no âmbito da reserva estratégica não trouxeram, até à data, ganhos relevantes para o sistema da segurança social. Pelo contrário: ao longo dos últimos 20 anos, a gestão do fundo tem vindo a reduzir esta reserva, por vezes com menos-valias assinaláveis.” Entre os casos mais notórios de insucesso estão a venda com perdas significativas das ações da PT (Zon) Multimédia e o investimento ruinoso na Finpro.

A redução gradual da reserva estratégica ao longo dos anos, culminando nos modestos investimentos atuais no FNRE, reflete uma mudança de abordagem, possivelmente em resposta aos fracassos anteriores. No entanto, o desempenho negativo em 2023 levanta questões sobre a eficácia mesmo dessa estratégia mais conservadora.

A decisão de liquidar o subfundo Imoresidências, com o Estado a comprometer-se a adquirir as unidades de participação do FEFSS ao valor nominal, oferece um alívio temporário. Contudo, este movimento não apaga duas décadas de desempenho abaixo do esperado da Reserva Estratégica.

Apesar dos desafios e de todos os fantasmas, o FEFSS mantém uma gestão eficiente, com os custos totais do fundo a serem de apenas 1,98 pontos base do montante médio sob gestão, “um valor extremamente baixo” quando comparado com a média de 35 a 40 pontos base para fundos de pensões internacionais.

E, em cima disso, é importante não esquecer que, apesar de todas as limitações e imposições legislativas colocadas à gestão do fundo, o FEFSS tem sido capaz de apresentar um desempenho acima da maioria dos seus concorrentes da gestão privada.

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