Ouro dispara 28% este ano e deverá continuar a brilhar

O ouro tem alcançando novos máximos quase diariamente e, segundo os analistas, está longe de perder o brilho por conta das tensões geopolíticas, da política da Fed e da "fome" dos bancos centrais.

Costuma dizer-se que quem tem medo compra um cão. No universo dos mercados de capitais, este ditado popular sofre uma ligeira alteração e é reformulado para “quem tem medo investe em ouro”. E é exatamente isso que os investidores têm feito este ano, arrastando a cotação do metal dourado para uma valorização de 28% desde o arranque do ano, ao mesmo tempo que a cotação do ouro bate novos máximos históricos numa base quase diária ao longo de setembro. Foi isso que voltou a acontecer esta quarta-feira, com a onça a negociar num novo recorde de 2.386 euros (2.657 dólares).

Segundo o JP Morgan, entre os principais fatores que tem sustentado a subida do ouro em 2024 está a escalada dos riscos geopolíticos, as expectativas dos investidores em redor da política monetária da Reserva Federal norte-americana (Fed) e o ritmo continuado de compras por parte dos bancos centrais, que atualmente detêm cerca de 17% das reservas conhecidas de ouro.

“As perspectivas continuam a ser positivas para a procura de ouro por parte dos bancos centrais”, destaca o World Gold Council num relatório sobre o mercado aurífero de julho, citando o último relatório promovido pela organização junto dos bancos centrais, com 81% dos inquiridos a esperar que os stocks de ouro por parte dos bancos centrais mundialmente aumentem nos próximos 12 meses e 29% a revelarem que as reservas de ouro da sua própria instituição irão aumentar.

O valor do ouro é gerado, essencialmente, por duas métricas: a sua escassez e no facto de ser uma moeda sem dívida. Isto faz com que os investidores o encarem como um ativo de “refúgio”.

A onda de otimismo em redor do metal dourado é grande, sobretudo após a Fed ter recentemente cortado as taxas de juro em 50 pontos base, mostrando com isso uma mudança completa do ciclo monetário do banco central norte-americano. “A onça de ouro poderá atingir os 2.700 dólares [cerca de 2.423 euros] nos próximos dias se continuarmos a assistir ao enfraquecimento do mercado de trabalho [nos EUA] e se todos os presidentes da Fed reafirmarem cortes de 50 pontos-base”, refere Phillip Streible, estrategista-chefe de mercado da Blue Line Futures esta quarta-feira à Reuters.

Segundo a ferramenta CME FedWatch, que reflete a evolução do mercado de futuros de taxas de juro, os investidores apostam claramente em novos cortes das Fed Funds, tanto na reunião de 7 de novembro como na última reunião do ano da Fed, que terá lugar a 18 de dezembro. Os dados mais recentes apontam para uma probabilidade de 57% da Fed realizar um novo corte de 50 pontos base das Fed Funds a 7 de novembro, e uma probabilidade de 43% de o corte ser de apenas 25 pontos base.

O otimismo quanto à cotação do ouro é também partilhado por Gregory Shearer, responsável pela estratégia de metais preciosos do JP Morgan, que apesar de considerar que “a ressurgência do ouro chegou mais cedo do que o esperado”, acredita que “a tendência estrutural de alta para o ouro permanece intacta”. Em julho, o analista apontava para que o metal dourado negociasse em redor dos 2.500 dólares no quarto trimestre deste ano.

A sociedade gestora Vaneck vai mais longe na previsão para a cotação do ouro, notando que a “febre do ouro” não deverá ficar por aqui, “especialmente se os investidores ocidentais começarem a regressar ao mercado”, refere a Vaneck numa nota publicada no seu site em meados deste mês

“Os preços do ouro poderão atingir os seus máximos ajustados à inflação de 2.800 dólares por onça no curto prazo”, por conta da antecipação de cortes nas taxas de juro da Fed, das contínuas pressões inflacionistas e dos riscos geopolíticos, colocando o “ouro como uma proteção contra a volatilidade do mercado”, vaticina a gestora norte-americana.

Nota: Se está a aceder através das apps, carregue aqui para abrir o gráfico.

Ouro com margem para continuar a brilhar

Seja num dente, num fio ao pescoço, numa barra guardada num cofre ou em moedas, o ouro continua a ser símbolo de riqueza e de reserva de valor. Mas há quem prefira ver apenas o brilho do metal precioso pela bolsa, negociando contratos de futuros ou fundos cotados (conhecidos como Exchange Traded-Funds ou simplesmente ETF) nas praças financeiras.

Estes instrumentos financeiros pesam cada vez mais na procura da matéria-prima, tendo contribuído em muito para que na última década a onça do metal dourado tenha valorizado, em média, 9,1% por ano (quando medido em euros). Um desses players é o SPDR Gold Shares, o maior ETF de ouro do mundo com cerca de 877 toneladas de ouro avaliadas atualmente em mais de 67 mil milhões de euros, e que este ano acumula também ganhos de 28% (em euros).

O valor do ouro é gerado, essencialmente, por duas métricas: a sua escassez e no facto de ser uma moeda sem dívida. Isto faz com que os investidores o encarem como um ativo de “refúgio” que, teoricamente, confere-lhe uma proteção contra a instabilidade política mundial que provoca danos nas economias e, ao mesmo tempo, uma proteção sobre o efeito corrosivo da inflação e da desvalorização do dólar.

Durante a década de 1970, por exemplo, quando o mundo sofreu dois choques petrolíferos (1973 e 1979) que atiraram a economia para um período de estagflação — fenómeno que conjuga inflação alta com estagnação do crescimento económico –, a corrida ao ouro foi de tal forma desenfreada que provocou uma bolha no preço do ativo.

A razão do refúgio foi simples: o ouro foi um dos ativos mais resistentes à inflação neste período. Com os preços a subirem de forma generalizada, as moedas (como o dólar) desvalorizaram e o metal precioso ganhou valor. No entanto, nem sempre isso acontece, como ficou bem espelhando nos últimos dois anos.

Num cenário económico marcado por uma inflação galopante e por uma agressiva política monetária restritiva por parte da Fed em 2022 e 2023, o ouro demonstrou uma resiliência notável, contrariando a lógica histórica que ditava uma relação inversa entre os seus preços e as taxas de juro reais (taxas de juros ajustadas pela inflação).

Enquanto a yield das obrigações do Tesouro norte-americano a 10 anos dispararam para níveis recordes acima dos 5% desde a crise financeira de 2008, o ouro não só manteve o seu preço praticamente inalterado em 2022 como valorizou 13% em 2023 para um novo recorde acima dos 2 mil dólares.

O ouro é basicamente uma forma de investir relativamente ao medo, e tem sido uma boa forma de investir contra o medo ocasionalmente. Mas é preciso esperar que as pessoas tenham mais medo daqui a um ano ou dois anos do que têm atualmente. E se ficarem mais receosas, ganhamos dinheiro, se ficarem menos receosas, perdemos dinheiro. Mas o ouro em si não produz nada.

Warren Buffett

Entrevista ao programa Squawk Box da CNBC a 2 de março de 2011

Esta nova dinâmica desafia os modelos tradicionais de avaliação e sugere que outros fatores, além da inflação, estão agora a influenciar significativamente o mercado do ouro. Um desses fatores é justamente as tensões geopolíticas que conferem sempre uma enorme incerteza nas decisões de investimento, como sucede atualmente com os conflitos na Europa e no Médio Oriente; a que se soma ainda as incertezas em redor do desfecho das eleições presidenciais dos EUA em novembro, por conta da profunda polarização de ideias que os dois candidatos têm em diferentes matérias.

É em grande parte nesse sentido que também o World Gold Council apresenta uma perspetiva otimista para o metal precioso. No seu último relatório mensal, a associação comercial internacional para a indústria aurífera sugere que o ouro poderá continuar a encontrar suporte na procura da onça enquanto ativo para investimento, especialmente se a economia global e as taxas de juro se alinharem com as expectativas atuais do mercado.

Os dados de agosto mostram justamente essa realidade, com os ETF auríferos a registem o quarto mês consecutivo de fluxos positivos de capital com a entrada de quase 2 mil milhões de euros de investimento.

A conjugação de todos estes movimentos colocam naturalmente o ouro não apenas como um símbolo de riqueza, mas como um pilar fundamental de estabilidade financeira num mundo em constante mudança. O brilho da onça, longe de ofuscar, parece destinado a intensificar-se no horizonte económico global, segundo as previsões dos analistas.

Mas embora o mercado aurífero esteja a viver um momento de euforia, é importante manter uma perspetiva equilibrada e prudente, não esquecendo os riscos inerentes do investimento nesta matéria-prima. “O ouro é basicamente uma forma de investir relativamente ao medo, e tem sido uma boa forma de investir contra o medo ocasionalmente. Mas é preciso esperar que as pessoas tenham mais medo daqui a um ano ou dois anos do que têm atualmente. E se ficarem mais receosas, ganhamos dinheiro, se ficarem menos receosas, perdemos dinheiro. Mas o ouro em si não produz nada”, referiu Warren Buffett numa entrevista à CNBC em março de 2011.

Esta afirmação de um dos maiores investidores de todos os tempos e nada adepto do investimento em ouro sublinha a natureza especulativa do investimento no metal dourado, que não gera rendimentos por si só, ao contrário de ações ou obrigações das empresas. O valor do ouro depende inteiramente da perceção e da procura dos investidores, que podem ser voláteis e bastante imprevisíveis.

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