João Massano, o bastonário dos Advogados que cumpre um sonho de anos

A 31 de março deste ano, João Massano foi eleito bastonário dos advogados. "Foi a concretização de um sonho que se tinha vindo a construir ao longo dos anos", contou ao ECO.

  • Retrato é uma rubrica do ECO na qual, durante o mês de agosto, é publicado diariamente o perfil de uma personalidade que se distinguiu no último ano, em Portugal

Na noite de 31 de março deste ano, João Massano cumpria um sonho. Foi eleito bastonário da Ordem dos Advogados (com 54% dos votos), vencendo assim a antecessora Fernanda de Almeida Pinheiro. Quando conquistou as eleições, o seu primeiro pensamento foi para os pais. Cinco anos antes, em 2020, vivia o período mais traumático da sua vida ao perder os seus pais, com apenas meses de diferença.

Filho único, nascido e criado em Odivelas, por um funcionário da rodoviária e de uma mãe que começou a trabalhar nas limpezas para ajudar a pagar os custos da faculdade do filho, João Massano, advogado, 54 anos, foi até aqui líder do Conselho Regional de Lisboa da Ordem dos Advogados. “Quando percebi que tinha ganho as eleições, confesso que foi um dos dias mais felizes da minha vida, tanto a nível pessoal como profissional. Não foi apenas o culminar de uma campanha intensa – foi a concretização de um sonho que se tinha vindo a construir ao longo dos anos, desde que iniciei o meu percurso na Ordem em 2011″, disse o advogado ao ECO/Advocatus.

João MassanoHenrique Casinhas/ECO

Durante a campanha, percorreu mais de 12.000 km em menos de 40 dias, visitando colegas por todo o país e essa proximidade tem continuado neste início de mandato. Desde março já conta com 15.000 Km feitos.

Mas mais do que um momento da vitória, o último dia de março de 2025 foi particularmente “emotivo”, pois coincidiu com um momento de reflexão “sobre a jornada que me trouxe até aqui”. Mas assume que o objetivo nunca foi uma meta isolada na sua carreira, foi apenas “uma evolução natural do meu compromisso com a advocacia”. E esclarece: “não foi uma decisão súbita ou oportunista. Foi o resultado de quase 15 anos de dedicação à advocacia, onde aprendi que a união é fundamental e que quem é eleito para um cargo dirigente deve representar, como um todo, quem o elegeu”.

“Quero estar presente em todo o país, porque Portugal não é só Lisboa. Um dos legados mais importantes que pretendo deixar é o restauro do prestígio da Ordem dos Advogados. Nos últimos anos, a Ordem esteve de costas voltadas para o Ministério da Justiça, o que prejudicou muito a nossa profissão. Quero uma Ordem que dialoga e negoceia, que contribui para um melhor sistema de Justiça, em cooperação com os outros agentes do sistema”

 

Obcecado pelo Sporting desde jovem, admite que a maior loucura que fez pelo seu clube foi no dia em que fez uma viagem de Viana do Castelo a Lisboa – só para conseguir festejar o título no último jogo do campeonato em Alvalade – tendo voltado na mesma noite. Fez parte da Juve Leo, numa fase em que as claques eram bem mais civilizadas e sublinha a “traição” que sentiu quando Ruben Amorim saiu do seu clube. Pai de uma filha e de um filho já adultos – que optaram por não seguir direito – o advogado conta que a certeza de ser advogado surge no 9º ano quando decide que iria para a área de Humanidades – não para fugir à matemática mas sim para fazer alguma diferença.

Quando fala da infância diz apenas que foi normal mas conta que guarda ainda muito boas memórias dos tempos passados na ‘terra’ dos pais, em Estremoz, Alentejo. “Era a altura que eu gostava mais do ano”. Apesar de não ter tido uma infância privilegiada, frequentou um colégio privado até à primária num ambiente “protegido”. O choque da realidade e do mundo real viria quando chega ao 7º ano, a um liceu com muitos alunos e em que viu as notas baixar a pique. Mas, chegado ao 10ª ano, melhorou a atitude e aplicou-se. E com isso conseguiu a entrada numa das melhores faculdades do país: a faculdade de direito da Universidade de Lisboa. Da faculdade não guarda recordações memoráveis e admite que o primeiro ano de direito foi um “pesadelo”. “Estávamos na fase da PGA, das manifestações estudantis, fizemos o primeiro ano num só semestre e eu, para passar o tempo, decidi ir tirar um curso de eletricidade na Lisnave”. Aí, conheceu pessoas diferentes, “muito diferentes do que estava habituado. Apesar de ser humilde, nunca tinha estado num ambiente fabril”.

Na faculdade, foi desde logo confrontado pela diferença de classes: “notava-se a diferença entre os que tinham pouco e os que tinham muito e que chegavam de carro descapotável à faculdade. E as pessoas ou colegas meus que em casa discutiam política ou direito à hora do jantar, obviamente tinham uma vantagem sobre mim”. Foi colega de João Tiago Silveira e Rui Patrício, sócios da Morais Leitão, de Sérgio Sousa Pinto ou de Marcos Perestrelo, mas assume que o seu núcleo duro de amigos – que ainda hoje se mantém – não foi o dos colegas de direito, mas sim o os que o acompanhavam desde os tempos de criança de Odivelas. Pelo meio – apenas com 21 anos e em pleno 3º ano de direito – nascia a sua filha, mas isso não impediu o advogado de ainda fazer um mestrado de ciências jurídico-empresariais. E talvez por isso essa fase estudantil não tenha sido uma época de farras e copos.

O que Massano pretende deixar como legado

Desde que foi eleito – tendo escolhido não ser bastonário em exclusividade, abdicando assim da remuneração equiparada à de PGR, cerca de sete mil euros – continuou a exercer, lado a lado com os colegas nas salas de audiência, porque acredita que é aí que um bastonário deve estar. Esta convicção ganha ainda mais força quando, há cerca de um mês, uma colega, durante uma audiência de partes, lhe confidenciou que a sua maior preocupação era descobrir como conciliar o exercício da Advocacia após se tornar mãe – “particularmente, como não ser obrigada a trabalhar imediatamente após o parto”.

O legado que ambiciona deixar na Ordem dos Advogados é o de uma Ordem “moderna e respeitada por todos, a começar pelos advogados que deve representar”. Também pretende ser um bastonário itinerante que não quer perder a visão descentralizada do nosso país, estando presente em todo o país. Um dos legados mais importantes que pretende ainda deixar é o restauro do prestígio da Ordem dos Advogados. “Nos últimos anos, a Ordem esteve de costas voltadas para o Ministério da Justiça, o que prejudicou muito a nossa profissão. Quero uma Ordem que dialoga e negoceia, que contribui para um melhor sistema de Justiça, em cooperação com os outros agentes do sistema”, conta ao ECO.

João Massano, bastonário dos advogados

Quanto à exposição mediática que o cargo lhe dá e se essa mesma exposição lhe vai ser útil no futuro, assume, sem pruridos, que será “sem dúvida, extremamente útil no futuro. Mas não a vejo como uma plataforma pessoal – vejo-a como uma ferramenta fundamental para defender a advocacia e melhorar a perceção pública da nossa profissão”. E acrescenta que essa visibilidade mediática será essencial para influenciar o poder político. “Como já disse várias vezes, temos de distinguir o que são promessas concretizáveis e o que são ações de sensibilização”, concluiu.

Isto porque João Massano acredita que, durante anos, a advocacia sofreu com uma imagem negativa, alimentada por mitos e preconceitos. “Os Advogados são sempre caros, os advogados são todos manipuladores e mentirosos, os Advogados são todos ricos – estes estereótipos prejudicam profundamente a nossa profissão. A exposição mediática permitir-me-á combater estes mitos e mostrar o verdadeiro valor da Advocacia”. Porque a “advocacia é uma missão de vida, e a exposição mediática é uma ferramenta valiosa para continuar essa missão”.

Ligado ao Conselho Regional de Lisboa da Ordem dos Advogados desde 2011, primeiro, como vogal Tesoureiro depois, nos dois mandatos seguintes, como Vice-Presidente responsável pelo pelouro da Formação e, finalmente (desde 2019), como Presidente do Conselho Regional de Lisboa, foi Vasco Marques Correia (ex-líder do mesmo órgão) que o levou para os corredores do Largo de Santa Bárbara de onde nunca mais saiu.

Politicamente, não consegue definir-se como um homem de esquerda ou de direita – “tanto voto no PS como no PSD” – mas em novo conta que chegou a ter uma aproximação ao PS, na fase em que Mário Soares se candidatava a Chefe de Estado. “Eram os tempos do MASP, do ‘Soares é fixe’, mas nunca fui filiado na Juventude Socialista”. Mas tem uma certeza: não gosta de extremos porque, ele próprio, é um homem “tranquilo, moderado e pouco impulsivo”. Qualidades que aprendeu desde que começou a ter um papel ativo na estrutura da OA e em que conta que foi alvo de muitos ataques de caráter. “Chamaram-me de tudo. E esta vitória, assim, tem ainda mais importância para mim”. Aprendeu, com isso, que “o melhor mesmo é não responder nem dar importância”.

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