Pressão nos EUA e nos resultados, queda das ações da Renováveis, 'chuva' de cortes nos preços-alvo e queda da confiança dos trabalhadores. Stillwell enfrenta acionistas após um trimestre turbulento.
A uma semana da Assembleia Geral da EDP Renováveis (EDPR) e a duas da reunião magna da ‘casa mãe’ EDP, o CEO das duas empresas terá a apresentar aos acionistas o relato de um trimestre conturbado e deverá enfrentar questões sobre como pretende dar a volta ao rumo do grupo.
“Têm sido uns meses turbulentos”, admitiu Miguel Stilwell de Andrade a 26 de fevereiro, logo nos primeiros minutos da teleconferência com os analistas após a EDP Renováveis (EDPR) ter anunciado um prejuízo de 556 milhões de euros para 2024. O resultado foi impactado em 777 milhões por itens não recorrentes, imparidades relacionadas com os projetos na Colômbia e nos Estados Unidos, mas o lucro recorrente também desiludiu, com os 221 milhões de euros a tombarem 57% face ao ano anterior, com a empresa a reconhecer que “o desempenho da parte operacional não foi suficiente” para compensar os menores ganhos de rotação de ativos.
Os analistas consultados pela Reuters previam, em média, um lucro líquido de 272 milhões de euros, portanto estavam especialmente atentos às explicações e reações de Stilwell de Andrade na teleconferência, mas vários ficaram insatisfeitos com as respostas. Questionado repetidamente sobre novo guidance, as previsões que os analistas usam para fazer estimativas e recomendações, o CEO da EDPR reiterou que a sua hesitação vem “do facto de não fornecermos orientações nesta altura do ano”.
A teleconferência deixou os investidores “confusos” e aponta para a falta de orientações para 2025 devido à incerteza, notaram os analistas do J.P. Morgan. “Os resultados de 2004 foram fracos … Além disso, a relutância da administração em fornecer orientações financeiras para 2025 — devido à incerteza da produção e à visibilidade limitada dos ganhos de rotação de ativos — prejudica ainda mais as perspetivas, na nossa opinião”, escreveu o Exane BNP Paribas numa nota de research.
“O peso de não fazer nada”
Indo mais longe, os analistas do Citi lamentaram que “infelizmente, a direção da EDPR decidiu não tomar medidas a curto prazo para apoiar o desempenho do preço das suas ações, tais como as que associam a redução do capex ou a rotação de ativos à recompra de ações, como esperávamos”.
“Isto levanta a questão de saber porquê a falta de ação e realça o peso de não fazer nada”, sublinharam. Essa queda das ações não é nova. Nos últimos 12 meses o título desvalorizou 36,33% e nos últimos três, ou seja, no primeiro trimestre, 21,02%. Esta terça-feira a EDPR saiu do pódio das mais valiosas no índice PSI, com a capitalização de 8,31 mil milhões a ser superada pelos 8,34 mil milhões do Millennium BCP.
As reações aos resultados e à subsequente teleconferência não tardaram. No dia seguinte, as ações da EDPR afundaram 11,91%, a maior queda desde março de 2020. Durante a call com analistas sobre os resultados da EDP, que detém 71,3% da EDPR, Stillwell de Andrade foi questionado sobre a reação dos mercados aos títulos da subsidiária. Desde a eleição de Donald Trump e sua agenda anti-renováveis, o CEO tem vindo a qualificar as quedas dos títulos como exageradas, mas desta feita admitiu que possa ter sido provocada pela própria comunicação da administração.
“Não consigo perceber porque é que há uma reação tão negativa, mas claramente não nos explicámos tão bem, por isso só posso interpretar isso talvez em termos das explicações que demos ou do facto de não termos sido tão claros em termos de orientação”, reconheceu.
No espaço de 48 horas, cinco casas de investimento cortaram os preços-alvo para a EDPR, uma delas, a Alantra, em 23,2%. Tal como a queda prolongada da cotação, também esta tendência não é nova. Entre janeiro e março, segundo dados compilados pelo ECO, a EDPR foi alvo de 17 cortes no price target atribuído pelos analistas. A redução média foi de 16,7%, passando o alvo médio de 13,66 euros para 11,38 euros.
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Mas no meio da turbulência há alguns fatores de estabilidade. Mesmo após os cortes no preços-alvo das ações de EDPR, das 17 casas de investimento em questão, sete mantiveram a recomendação de Buy e seis de Hold, Neutral ou Equalweight. Apesar dos cortes, o upside, ou seja o potencial de valorização entre a cotação atual (de 7,93 euros no fecho de quarta-feira) e o preço-alvo, continua alto segundo a maioria dos analistas, com os 17 a colocarem esse potencial ainda em dois dígitos percentuais.
O Exane BNP Paribas até melhorou a recomendação para a EDPR, de underperform para neutral. Numa nota divulgada a 28 de fevereiro, salientou que as ações desceram cerca de 17% no acumulado do ano e, embora continue a considerar que a situação macroeconómica é difícil, que o fraco desempenho recente “atenuou em grande medida o risco negativo”.
O banco mantém-se cauteloso em relação às energias renováveis devido às incertezas persistentes em torno dos subsídios IRA dos EUA, a uma posição potencialmente mais agressiva da União Europeia em relação aos custos da energia e ao aumento do protecionismo, mas sublinhou que, “no entanto, a EDPR é um operador de energias renováveis de “qualidade superior”, com uma diversificação geográfica que a poderá ajudar a enfrentar a turbulência no setor”.

‘Casa mãe’ na linha de água
Os resultados anuais da Renováveis pesaram nos da EDP, provocando uma descida de 16% no lucro líquido para 801 milhões de euros. Na apresentação, a elétrica vincou que resultado líquido recorrente subiu 8% face ao período homólogo, suportado pelo forte desempenho do negócio integrado/redes e propriedade total da EDP Brasil após junho de 2023.
Stillwell garantiu aos analistas que a EDP mantém o seu guidance de EBITDA e de resultado líquido para 2026, apesar de ter reduzido o plano de investimento, abrandando o ritmo de expansão da capacidade, “para se concentrar na maximização dos retornos”, instalando 3,5 gigawatts de nova capacidade nos próximos dois anos, em comparação com os 4 gigawatts instalados em 2024.
Com o objetivo de tentar dar um conforto aos investidores, a EDP anunciou um programa de recompra de ações no valor de 100 milhões de euros e propôs um aumento de 3% dos dividendos para 0,20 euros por ação para 2024, o que representa um rácio de pagamento de 60% e antecipa um mínimo que estava previsto ser aplicado apenas a partir dos resultados de 2025. Mas esta operação, recordam os analistas, sucede a aumentos de capital sucessivos nos últimos anos.
As ações caíram 4,12% no dia da apresentação dos resultados, castigadas naturalmente pelo tombo das da EDPR no mesmo dia, mas recuperaram uma parte das perdas desde então. No cômputo deste ano negoceiam praticamente na linha de água, com um recuo de 0,32%, enquanto nos últimos 12 meses perderam 12,2%. Também em termos de price targets, a ‘casa mãe’ tem sido menos penalizada do que a subsidiária para as energias ‘limpas’ este ano, com oito cortes, segundo dados compilados pelo ECO, com uma redução média de 9% para um alvo médio de 3,65 euros, o que representa um upside de 18% face ao fecho de 3,101 euros esta quarta-feira.
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Na encruzilhada geopolítica
Apesar da aversão de Donald Trump às renováveis, Miguel Stilwell de Andrade tem reiterado que os EUA vão continuar a ser importantes para a empresa. Recusando-se a “atirar a toalha ao chão”, defendeu em Davos, em janeiro, que aquele “é um grande mercado, precisam de toda a energia disponível”.
A essa aversão, junta-se o posicionamento geopolítico da nova administração republicana, nomeadamente aos investimentos chineses nos Estados Unidos. Na realidade, é um retomar da política assumida no primeiro mandato de Trump na Casa Branca e que teve impacto na EDP. Em 2019, a China Three Gorges (CTG), na altura detentora de 23,27% do capital e dos votos da EDP, viu gorada a Oferta Pública de Aquisição para controlar mais de 50% da elétrica portuguesa, isto depois de o embaixador americano em Lisboa ter declarado que os chineses nunca iriam controlar os ativos da EDP nos EUA.
A CTG continua a ser a maior acionista da EDP, com 21,40%. O ECO sabe que vários acionistas da empresa vêm com preocupação o impacto que esta posição chinesa pode ter nas perspetivas do negócio nos EUA. O ECO apurou também que alguns dos acionistas de referência têm vindo a reforçar a sua posição. Entre junho de 2024 e o final de ano, o fundo norte-americano BlackRock aumentou a sua posição de 6,6% para 6,9%, o norueguês Norges de 5% para 5,6% e a GIC, fundo soberano de Singapura, de 2,8% para 3,7%. Com essas movimentações, os 10 maiores acionistas de referência não-chineses atingiram uma posição global perto de 40%.

Vendas, fusões e saídas?
A 20 de janeiro, Trump ordenou às agências federais que suspendessem a emissão de quaisquer aprovações novas ou renovadas para projetos eólicos offshore e que considerassem a possibilidade de rescindir ou alterar os contratos de arrendamento existentes, afirmando que as turbinas eólicas são “feias, caras e prejudicam a vida selvagem”.
Em reação, a EDP Renováveis SA estará a considerar a venda de uma participação na joint venture que detém com a Engie para a energia eólica offshore, a Ocean Winds, noticiou a Bloomberg a 6 de março. A venda dos 50%, ou pelo menos parte dessa participação, serviria para ajudar a reduzir a dívida, que escalou 2,5 mil milhões de euros em 2024 para atingir os 8,3 mil milhões, ou uma alavancagem de 4,8 vezes o EBITDA.
Uma alternativa, que duas fontes contactada pelo ECO consideram ser a primeira das opções do CEO, é uma fusão entre EDP e a EDP Renováveis, permitindo fortalecer o balanço, fazer um corte no histórico recente das ações e, ao mesmo tempo, diluir as preocupações de alguns acionistas. A possibilidade dessa fusão – que a EDP tentou e falhou via OPA em 2017 ainda sob a liderança de António Mexia – nunca foi posta de lado por Miguel Stilwell de Andrade, diplomaticamente. Agora, um caminho possível é uma opção de troca de ações da EDP Renováveis pela EDP, mas haverá sempre acionistas que exigirão uma contrapartida financeira, o que torna a operação mais difícil de executar.
Stilwell disse em junho do ano passado que é “obviamente sempre uma opção“, antes de qualificar que a EDP está confortável com a atual estrutura, “portanto, só vamos mudar a estrutura, uma coisa que funciona, se houver condições boas para fazê-lo, se os prós forem maiores que os contras” e sublinhando que vê a Renováveis a atrair visibilidade e capital como entidade separada e cotada. Outro fator negativo poderá ser o elevado custo de capital da operação, numa altura em que a EDP pretende mostrar cautela perante a turbulência.
Essa turbulência estará a ter impactos internos, inclusive. O Expresso noticiou a 21 de março que o índice de confiança dos trabalhadores na administração se deteriorou substancialmente em 2024, de acordo com dados do mais recente inquérito interno, respondido por 90% dos trabalhadores. Segundo o semanário, “Eu confio no conselho de administração executivo” era uma afirmação que em 2023 era subscrita por 69% dos funcionários da EDP, mas no inquérito de 2024 passaram a ser apenas 57%. E os níveis de confiança dos colaboradores na estratégia a prazo, a três anos, também não serão os mais elevados.
O Expresso deu conta ainda que, depois de ter perdido 3,8% da força laboral no mercado nacional em 2024, a elétrica convidou a sair mais de 100 trabalhadores por rescisões amigáveis e cerca de 300 por reformas antecipadas.
Ao ECO, fonte oficial da EDP comentou que a elétrica é uma empresa global e tem “uma gestão dinâmica e eficiente nas diferentes áreas, sem colocar em causa a estratégia definida e que tem no talento das pessoas um pilar fundamental”. “Como parte desta dinâmica organizacional, têm sido promovidos anualmente programas globais de renovação de quadros, prática que se enquadra numa normal e eficiente gestão das empresas”, referiu, adiantando que a EDP procura assim responder aos exigentes desafios de mercado e ajustar as suas equipas às novas dinâmicas no atual contexto de reconhecida instabilidade e incerteza no setor.
Apesar desse contexto desafiante de mercado, a que acresce a incerteza geopolítica nos mercados em que opera, “a EDP registou um bom desempenho, conseguindo mesmo resultados acima do que se tinha comprometido no Plano de Negócios”, concluiu a mesma fonte.
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Stilwell enfrenta acionistas após meses “turbulentos” e onda de cortes nas avaliações das ações
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