O Instituto +Liberdade publica o livro "Portugal em 50 factos", uma iniciativa editorial que detalha números sobre economia, demografia, saúde e educação, entre outros.
Nesta era da informação, somos invadidos diariamente por inúmeras informações e estímulos textuais, gráficos e auditivos novos. Alguns resultam de notícias (na televisão, rádio, internet), outros são campanhas de propaganda (anúncios, cartazes, muppies), uma parte são peças de humor e sátira e existe ainda um conjunto crescente de supostas informações soltas, descontextualizadas, com títulos sensacionalistas ou com clara intenção de manipular a interpretação do espectador e leitor. As famosas fake news (onde se recorre à deturpação e manipulação deliberadas de conteúdos “informativos”, como instrumento para influenciar a opinião pública) são a parte mais visível do iceberg, mas não é necessariamente daí que provém a maioria da desinformação existente na sociedade.
Nota: Pode consultar todas as informações sobre este livro aqui.
Num mundo cada vez mais dinâmico, somos incapazes de gerir tanta informação, pelo que retemos aquelas que são mais apelativas, o que nem sempre é sinónimo de qualidade, credibilidade, relevância e utilidade. A avalanche de informação é tão elevada que nem nos permite ter tempo de refletir ou questionar.
Aceitamos mais facilmente os dados que corroboram as nossas perceções ou opiniões. Rejeitamos se contrariarem as nossas intuições e crenças. Um processo de validação simples, imediato, mas pouco rigoroso. Este carrossel de informação conduz à formação da nossa opinião. Pequenos e grandes elementos informativos consolidam o modo como observamos a sociedade, colocando-nos num lado da barricada num mundo cada vez mais polarizado.
A propagação da desinformação encontra um terreno fértil em populações pouco escolarizadas, pouco literadas e com maus hábitos de leitura. Estes défices manifestam-se na forma como interpretamos e assumimos um sentido crítico face àquilo que nos rodeia. Para Portugal, infelizmente o cenário é particularmente preocupante. Os estudos revelam que os portugueses cada vez leem menos – 26% dos alunos do secundário admitiam não ter lido nenhum livro por lazer em 2019, comparando com 11% em 2007 [1]. Em parte, este indicador segue a tendência internacional, mas o cenário é mais grave neste cantinho europeu, face a outros países desenvolvidos.
Vejamos. Em 2020, 61% dos portugueses adultos como não se verifica a migração para o formato digital, já que apenas 10% dos portugueses leu um e-book no último ano – metade de Espanha, segundo o mesmo estudo.
Este último dado leva-nos para mais um indicador alarmante: 16% da população portuguesa nunca usou a internet, contra 8% (metade!) na União Europeia [3]. Iliteracia digital é hoje sinónimo de exclusão social, porque restringe significativamente o acesso a serviços básicos (serviços públicos, cada vez mais digitalizados, por exemplo), para não falar da severa limitação de acesso ao universo de informação e conhecimento que é hoje a internet.
As tendências apresentadas começam na educação. A população portuguesa tem os níveis de escolaridade mais baixos da União Europeia. 41% dos portugueses em plena idade ativa (considerando a faixa dos 25 aos 64 anos) não tem sequer o ensino secundário (sim, o leitor leu bem!), o dobro da média da UE [4]. A escola é um motor fundamental para o conhecimento, uma janela de esperança para cada jovem ambicionar subir no elevador socioeconómico. Quebrar este instrumento é arruinar ambições e sonhos e fomentar uma sociedade pouco ambiciosa, de fraco desenvolvimento, e desinformada.
Maus hábitos de leitura, baixos níveis de escolaridade, escassa literacia digital, eis um cocktail explosivo, tão benéfico para proliferar desinformação. Nestas condições, não são necessárias notícias propositadamente manipuladas e descontextualizadas, bastam manchetes sensacionalistas para induzir a interpretações erradas pelos leitores desinformados. Estas interpretações refletem-se nas decisões pessoais de cada cidadão (em matéria de finanças pessoais, por exemplo), nas escolhas profissionais, bem como na sua participação cívica e até nas opções eleitorais. Uma conjuntura que contribui para o insuficiente desenvolvimento económico e social do País nas últimas décadas.
O OUTRO LADO DAS REDES SOCIAIS
Nas redes sociais, fonte cada vez mais primordial para consulta de notícias [5], as manchetes dos órgãos de comunicação social competem com fotos de influencers, vídeos de amigos, clips satíricos e tantos outros conteúdos habitualmente mais apelativos. No meio de vários “scrolls” rápidos pelo “feed” das redes sociais, torna-se difícil captar a atenção do utilizador para um determinado conteúdo, face ao curtíssimo tempo disponível que cada publicação tem para conseguir convencer o utilizador a reter a atenção por mais alguns uns segundos, antes deste decidir fazer mais um “scroll” à procura de conteúdos mais interessantes.
Além disso, as redes sociais fomentam inevitavelmente as nossas “bolhas” sociais. Seguimos e somos “amigos” sobretudo daqueles que partilham mais interesses connosco, quer sejam desportivos, religiosos, políticos, entre outros. A “realidade” que cada um de nós observa nas suas redes sociais é, por isso, um nano-excerto do mundo, bastante enviesado e muito pouco representativo. Mas esse é o nosso mundo, e convencemo-nos que também é o mundo dos outros.
Assim, qualquer pessoa que não esteja nesse “mundo” será um ser estranho. Os algoritmos das redes sociais fazem o resto do trabalho: tendem a oferecer-nos mais os conteúdos que teremos maior probabilidade de gostar, pelo que somos
menos vezes confrontados com a diferença, com o contraditório.
Um dado curioso: 6 em cada 10 pessoas que partilham uma notícia nas redes sociais provavelmente nem sequer a leram (só viram o título), segundo um teste feito nos EUA e noticiado pelo The Washington Post [6]. Ajudamos, por isso, a difundir informações que aparentam corresponder à nossa visão, sem preocupação de rigor e de ler um pouco mais.
É a busca incessante por ter razão, por estar certo, por descobrir notícias, pedaços de texto que, mesmo que descontextualizados ou incompletos, confirmem aquilo em que acreditamos. Enclausuramo-nos em bolhas ideológicas, religiosas, desportivas, ou até familiares, profissionais e regionais. Bolhas enviesadas por definição, onde as mentiras tornam-se verdades. Ficamos presos numa verdade que raramente questionamos, porque toda a bolha partilha de semelhantes convicções. Perdemos a capacidade de descernir notícias verdadeiras das notícias falsas, notícias contextualizadas daquelas que estão descontextualizadas de leitura, baixos níveis de escolaridade, escassa literacia digital, eis um cocktail explosivo, tão benéfico para proliferar desinformação.
A IMPORTÂNCIA DO PROJETO +FACTOS
Perante o cenário descrito nas páginas anteriores, o projeto +Factos surgiu, não com a ambição utópica de mudar a curto prazo como os portugueses lidam com as notícias e o pouco tempo que dedicam a elas. Mas sim, neste contexto informativo adverso, conseguir ser eficaz na melhoria da perceção da sociedade sobre os principais indicadores de desenvolvimento económico, social e político nacional e internacional, e estimulando discussões mais fundamentadas.
Assim, visa também incentivar um interesse crescente pela busca dos números, dos factos, das evidências, e desconstruindo falácias que imperam no espaço público. Numa só imagem, os quadros +Factos contemplam o resultado de análises e estudos materializados numa infografia simples e visualmente atrativa, em conjugação com um título que resume a mensagem-chave que se retira da análise. Perante uma audiência disposta a despender apenas poucos segundos (a maioria das vezes nem isso) a visualizar uma nova informação, o +Factos procura aproveitar ao máximo esse curto espaço de tempo para transmitir informação relevante, de fácil e rápida consulta, que permitem que o utilizador retenha visualmente e que reflita sobre a mesma.
Estes conteúdos ganham vida própria, viralizam nas redes sociais, difundem-se por WhatsApp e email, bem como por outras plataformas. O +Factos é um instrumento criado em prol do conhecimento, em benefício de discussões mais informadas onde os factos e números prevalecem sobre mera opiniões infundadas. Sem receio de ser popular, massificando e democratizando o acesso ao conhecimento, mas sem alimentar tribalismos e populismos e assegurando sempre elevado rigor na análise, com recurso às mais fiáveis e reputadas fontes de dados e estudos internacionais.
Em menos de dois anos, já foram produzidos cerca de 400 quadros +Factos, mais de 2.000 horas de pesquisa, leitura de estudos, recolha e tratamento de dados, análise, produção de infografias e escrita de textos. Um processo complexo e rigoroso que agora ganha nova vida, em forma de um livro, onde juntámos 50 quadros, agrupados em 8 categorias:
- Democracia e Participação Eleitoral
- Corrupção
- Economia e Fundos Comunitários
- Rendimentos e Fiscalidade
- Finanças e Administração Pública
- Saúde
- Educação
- Demografia e Jovens.
O diagnóstico é preocupante, numa economia estagnada e que diverge da União Europeia em tantos indicadores. É para este passeio que convidamos os nossos leitores.
Este livro visa produzir um diagnóstico não exaustivo de alguns dos mais frágeis eixos de desenvolvimento nacional face às sociedades mais desenvolvidas, estimulando a necessária reflexão e discussão sobre possíveis soluções para dinamizar e fazer crescer o nosso país.
Não procura fechar-se no pessimismo nem impor dogmas, mas, antes, partir da dura realidade para procurar soluções construtivas para o futuro. Porque sem sabermos onde estamos e como estamos, não conseguiremos traçar um rumo para o futuro do nosso país. O livro junta ainda textos exclusivos de oito autores que têm dedicado a sua vida pessoal, profissional, política e cívica a trabalhar e a contribuir para as temáticas aqui abordadas.
Se, na sequência da leitura deste livro, o retrato social, económico e político se tornar mais evidente para o leitor e se surgirem ideias mais claras de como tornar o país mais livre e próspero, estas páginas já cumpriram a sua missão.
[1] Estudo “Práticas de Leitura dos Estudantes dos Ensinos Básico e Secundário” divulgado a 30 de setembro de 2020, que resultou de uma parceria entre o Plano Nacional de Leitura 2017- 2027 (PNL2027) e o Centro de Investigação e Estudos de Sociologia (CIES-Iscte), sob coorde- nação científica de João Trocado da Mata e José Soares Neves, e consultoria de Isabel Alçada
[2] Estudo “Inquérito às Práticas Culturais dos Portugueses 2020”, divulgado a 16 de fe- vereiro de 2022, da Fundação Gulbenkian ao Instituto de Ciências Sociais (ICS) e coordenado por José Machado Pais, Miguel Lobo Antunes e Pedro Magalhães
[3] Dados de 2021 do Eurostat
[4] Dados de 2021 do Eurostat
[5] Estudo “Digital News Report 2022” da Reuters Institute
[6] Artigo “6 in 10 of you will share this link without reading it, a new, depressing study says”, publicado no The Washington Post a 16 de junho de 2016
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Uma sociedade desinformada
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