1,5 milhões de “empreendedores de sonhos”?

As JMJ mostraram que existe uma comunidade de jovens espalhados por todo o mundo que estão disponíveis e motivados para procurar soluções para os grandes desafios da nossa sociedade.

Cerca de 1,5 milhões de pessoas, maioritariamente jovens, participaram este fim de semana nas celebrações das Jornadas Mundiais da Juventude (JMJ), realizadas nos 100 hectares do renovado Parque Tejo. Para ajudar a perceber estas dimensões: um milhão e meio é o equivalente a 20 dias de Rock in Rio Lisboa, em simultâneo, com lotação de 75000 lugares/dia. De acordo com Pordata, Portugal tem 1 milhão de jovens entre os 15 e 24 anos. É como se estivessem ali todos os jovens do país, 1,5 vezes, naqueles 100 hectares, equivalentes a 100 campos de futebol ou 30 Terreiros do Paço.

Durante a semana anterior centenas de milhar de peregrinos tinham já participado nas atividades realizadas no Parque Eduardo VII e em múltiplas localizações dos concelhos de Lisboa, Cascais, Loures e Oeiras. Antes disso estes peregrinos visitaram paróquias de todo o país. E para além dos que participaram, muitas outras pessoas acompanharam à distância e foram igualmente tocados pela alegria imensa, pela festa grandiosa e pelos apelos à esperança e pelas manifestações de humanidade e civismo dos jovens. Claro que as JMJ deixaram também muita gente indiferente e tiveram também os seus legítimos críticos… havendo até um pequeno grupo que, não apenas não se deixou comover, como manifestou a sua indignação com as manifestações massivas de alegria e esperança, procurando incessantemente encontrar falhas na organização ou desvios morais entre os participantes. Tudo legítimo, mesmo quem nas redes sociais afirmava em desespero que para haver 1,5 milhões na vigília, teria de haver 15 pessoas por m2, revelando de forma divertida as suas dificuldades com aritmética básica.

Mas independentemente das convicções religiosas de cada um, é difícil não considerar que o que aconteceu em Lisboa na semana passada foi algo absolutamente incrível, nunca antes visto e que tão cedo não será possível repetir no nosso país.

Quem ousaria pensar que Lisboa poderia receber jovens oriundos de praticamente todos os países do mundo, incluindo a Ucrânia e a Rússia, ou delegações com 40.000 espanhóis ou 33.000 italianos, só para referir as que tiveram números de inscritos superiores à portuguesa? Mais surpreendente ainda pensar nas delegações de países onde os cristãos são perseguidos como o Iraque, a Síria ou o Camboja.

Quem poderia imaginar que, em tempo de guerra e após uma pandemia, era possível realizar um encontro tão diverso e inclusivo, ordeiro, sem distúrbios e com preocupações ecológicas? Esta semana realiza-se a final da Supertaça Cândido de Oliveira, tendo já sido anunciado o destacamento centenas de polícias para controlar claques descontroladas do mesmo país.

E quem acreditaria que fotos áreas do rio Trancão, durante décadas sinónimo de um dos sítios mais poluídos e malcheirosos da grande Lisboa, iriam embelezar a imprensa escrita e as televisões de todo o mundo, num novo grandioso enquadramento de grande beleza cénica.

Mas, mais do que as questões da dimensão ou infraestruturais, as JMJ foram uma celebração do poder transformador dos jovens de todo o mundo, bem como da sua engenhosidade, paixão e dedicação. Essa a dimensão que me interessa aqui explorar, mesmo que tenha de reconhecer que não é possível explicar o fenómeno a que assistimos ignorando a(s) sua(s) fé(s) dos peregrinos e a presença de um líder absolutamente único: o Papa Francisco.

De facto, que outro líder ocidental poderia reunir uma multidão tão diversa durante uma semana inteira? Que outro líder teria conseguido congregar sectores desfavorecidos da nossa sociedade como pessoas com deficiência ou reclusos, dando-lhes um protagonismo raramente visto?

Durante estes dias o papa deixou várias mensagens fortíssimas. Uma delas, repetida várias vezes, foi um apelo ao empreendedorismo dos sonhos: “Não tenham medo (…) Sejam empreendedores de sonhos!” Estas palavras tornam as JMJ um caso sério de inovação e empreendedorismo social, sobre o qual devemos todos refletir e estudar o seu impacto. Sobre a universidade disse que seria um desperdício perpetuar o atual sistema elitista e desigual em que o ensino superior continua a ser um privilégio de poucos. Se o conhecimento não for acolhido como uma responsabilidade, torna-se estéril.

O reconhecimento pelo Papa das contribuições e do potencial ilimitado dos jovens de todo o mundo (ou de instituições como a universidade) cria um novo capital de esperança, pouco enfatizado por outros líderes. E aqui ele inclui “todos, todos, todos”, independentemente das suas orientações sexuais, por exemplo.

As JMJ mostraram que existe uma comunidade de jovens espalhados por todo o mundo que estão disponíveis e motivados para procurar soluções para os grandes desafios da nossa sociedade, da guerra à mudança climática. Depois da “avalanche” dos últimos dias, temos todos de trabalhar para dar mais destacar a estes jovens de todas os credos e origens, que trabalham arduamente e diariamente para mudar o mundo, que enfrentaram os medos, que saíram das suas zonas de conforto, que lutam para tornar possível a mudança nos seus países – e que nalguns casos arriscam a sua liberdade e até a sua vida, mostrando que “impossível” não faz parte dos seus vocabulários.

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