Armazenamento de energia, oportunidades à frente e riscos atrás

  • Gonçalo Aguiar
  • 13 Maio 2024

Quando se fala de armazenamento de energia, importa também indicar onde é realizada a instalação de armazenamento do ponto de vista do contador de energia de um produtor de energia renovável.

Desde o princípio deste ano, 90% da produção de energia elétrica nacional teve origem renovável. Apesar de se ter observado um inverno chuvoso, isto é o resultado do caminho de transição energética exemplar que Portugal tem feito. Esta transformação do setor tem sido executada sem onerar excessivamente os consumidores, sendo que Portugal goza hoje de custos de eletricidade abaixo da média europeia, quer no retalho (Figura 1), quer nos mercados grossistas (Figura 2).

 

Preços médios da eletricidade no mercado grossista spot em 2024 (em €/MWh)

Fonte: energy-charts

Estes preços baixos nos mercados grossistas, por vezes negativos nos últimos meses, são boas notícias para os consumidores, mas tornam-se problemáticos para a transição energética. Não só porque repelem investimento privado em futura capacidade renovável, como também ameaçam a rentabilidade da capacidade já existente. Preços muito baixos revelam que já começa a existir excesso de produção de energia renovável a certas horas do dia, chegando a ser necessário, por vezes, limitar produção para evitar constrangimentos na rede.

Todos estes efeitos são sintomas da falta de flexibilidade e capacidade de armazenamento de energia no sistema elétrico nacional. O armazenamento permite aproveitar a energia renovável excedentária e deslocá-la para períodos onde os recursos renováveis não estão disponíveis e, portanto, reduzir a volatilidade de preços nos mercados grossistas.

Tipos de instalações de armazenamento

Quando se fala de armazenamento de energia, para além de ser imperativo referir tecnologias (baterias, hidroelétricas reversíveis/bombagem, etc.), importa também indicar onde é realizada a instalação de armazenamento do ponto de vista do contador de energia de um produtor de energia renovável. São possíveis dois tipos de instalações:

  1. Se o armazenamento for instalado atrás do contador (behind-the-meter, BTM) do produtor renovável, a energia produzida pode ser utilizada para carregar o armazenamento sem passar pelo contador, nem na rede elétrica de serviço público. Isto evita o desperdício de energia excedentária ou energia vendida a preço baixo, utilizando o armazenamento para vender quando os preços estão mais altos, aumentando assim a rentabilidade dos ativos produtores já existentes. As instalações BTM também se podem referir a armazenamentos instalados em consumidores com produção para autoconsumo.
  2. Armazenamentos que estão diretamente ligados à rede pública, através de um contador dedicado para medir a energia de carga e descarga do armazenamento, sem consumo nem produção, chamam-se, na gíria, à frente do contador (front-of-the-meter, FTM).

Os riscos a trás

Face à falta de armazenamento na rede, o anterior governo alocou no Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) 100 milhões de euros para a instalação de pelo menos 500 MW de capacidade de armazenamento na rede elétrica. Este apoio muito focado na flexibilidade da rede elétrica tem o objectivo de, segundo o site do PRR, “permitir a otimização e a gestão flexível do sistema elétrico” e focar-se-á em zonas da rede “com maiores condicionalismos e elevada penetração de energias renováveis”.

Na Pasta de Transição do anterior governo para o novo, também é referido o investimento do PRR em armazenamento, demonstrando a preocupação com o tema. Contudo, não foi mencionada a importância desse armazenamento resolver problemas de falta de flexibilidade das redes. Além disso, a Pasta de Transição refere especificamente a “baterias e bombagem”, deixando de fora o princípio da neutralidade tecnológica na atribuição de apoios, que é fundamental para espoletar a inovação.

É importante que se clarifique que tipo de instalações de armazenamento vão ser apoiadas: Atrás do contador (BTM) ou à frente do contador (FTM)? Para cumprir o objectivo de aumentar rapidamente a capacidade de armazenamento, as instalações de armazenamento BTM podem parecer mais vantajosas, pois não implicam ligações adicionais à rede. No entanto, as FTM mostram-se superiores para cumprir as intenções originais inscritas no PRR, pelas seguintes razões:

  • São dedicadas a operar na rede, reagindo a sinais de preço nos mercados de energia, e não a indicadores de rentabilidade de produtores individuais.
  • Pressionam os preços de energia para subir quando estes são baixos e para descer quando são muito altos, aplicando-se a todos os produtores e consumidores em vez de otimizar o perfil de um produtor em particular. Isto ajuda a resolver o problema dos preços demasiado baixos que afastam investimento em renováveis.
  • Podem ser colocadas onde há real necessidade para resolver constrangimentos de rede, ao contrário de sistemas BTM que só estarão disponíveis onde já existem produtores.
  • Os FTM não pagam as tarifas de acesso (TAR) quando consomem energia da rede para carregar o armazenamento, ao contrário dos armazenamentos BTM. Por isso, as BTM precisam de preços de energia mais baixos para manterem a viabilidade económica, quando carregam com a energia da rede, comparativamente com os FTM.

Importa referir que as TAR tendem a subir quando o preço da eletricidade no mercado é baixo. Isto põe em risco os armazenamentos em BTM instalados em produtores dedicados sem consumo, podendo-os tornar em ativos ociosos*. O investimento do PRR em armazenamento BTM pode-se tornar assim num investimento desperdiçado quanto mais produção renovável existir no sistema, o que é contraproducente para a transição energética.

  • Os FTM podem providenciar serviços de sistema à rede elétrica de forma mais eficiente, flexível e durante mais horas que os BTM. Serviços de sistema são serviços de suporte que garantem a estabilidade da rede, nomeadamente garantir em tempo real o equilíbrio entre a produção e consumo. Nos BTM, quando o recurso renovável é abundante e utiliza quase toda a capacidade do ponto de injeção, o armazenamento não tem margem para disponibilizar estes serviços. No caso em que o recurso renovável é escaço, o armazenamento BTM terá de ir comprar energia à rede, pelo que ficará mais caro que os FTM pelas razões apontadas no ponto anterior.
  • Entregar fundos a sistemas BTM é apoiar instalações de produção já existentes, potencialmente criando barreiras à concorrência e deixando possíveis novos players de fora do mercado de armazenamento.

Oportunidades à frente

Como explicado anteriormente, é fundamental que não se esqueçam os objetivos iniciais da rubrica do PRR, nomeadamente para estabilizar a rede de todo o país e permitir integrar mais capacidade de geração renovável. Neste aspeto, a solução de armazenamento FTM deve ser o foco do PRR, bem como a respetiva atribuição dos pontos de ligação por parte das entidades competentes (REN, e-redes e DGEG).

Além disso, o concurso para 50% dos 100 milhões de euros do PRR será anunciado ainda neste mês de maio, pelo que não é claro se os restantes 50% irão aparecer no futuro, ou se o valor total do apoio foi reduzido permanentemente. É, portanto, essencial que se esclareça o valor total dos apoios que serão disponibilizados e que se desenhe o apoio de forma a servir o interesse público.

Haverá espaço para apoiar soluções BTM, mas os apoios dever-se-ão focar principalmente em apoiar instalações residenciais, comerciais e industriais com autoconsumo, pois permitirão: reduzir os seus custos de energia, utilizando os excedentes de produção, em vez de os vender a um preço simbólico; reduzir os custos com as tarifas de acesso às redes (TAR); e eventualmente reduzir as potências contratadas.

Finalmente, importa questionar a razão pela qual produtores dedicados ainda não avançaram para instalar armazenamento atrás dos seus contadores. Se o armazenamento BTM é realmente vantajoso e mais rápido de implementar quando já existe o ponto de ligação, porquê esperar pelo apoio público?

* Ativos ociosos (em inglês “stranded assets”) são ativos que sofrem desvalorizações prematuras do seu valor, devido a mudanças imprevistas de condições de mercado, desenvolvimento tecnológico ou regulação. Estes ativos tornam-se menos rentáveis, ou até mesmo incapazes de recuperar o investimento inicial, antes do fim de vida esperado.

  • Gonçalo Aguiar
  • Engenheiro Eletrotécnico

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