A escola de empreendedorismo de Biles

Pese a importância de ter uma atleta como Simone Biles a trazer o tema da saúde mental no desporto à discussão pública, é possível tirar outras lições da "desistência" da campeã olímpica.

O anúncio, feito via Twitter, foi baseado numa avaliação médica. Simone Biles, 24 anos, cinco medalhas olímpicas (quatro ouros e um bronze) e 25 pódios em Mundiais (um recorde na modalidade), decidiu não competir na final individual do all-around para poder proteger a sua saúde mental, na sequência de um erro cometido na final de equipas. “Tenho de focar-me na minha saúde mental, porque acho que isso é mais importante no desporto, hoje em dia. Temos de proteger as nossas mentes e corpos e não apenas fazer o que o mundo quer que nós façamos (…) Há dias em que toda a gente tweeta sobre ti e sentes o peso do mundo. Não somos apenas atletas. Somos pessoas e às vezes temos de dar um passo atrás”, disse a norte-americana na terça-feira, ao abandonar a competição.

Em comunicado oficial, a USA Gymnastics disse apoiar a atleta e aplaudiu a bravura de Biles em priorizar o bem-estar. “Depois de uma avaliação médica mais exaustiva, Simone Biles foi colocada de fora da final individual do all-around. Apoiamos de coração cheio a decisão da Simone e aplaudimos a sua coragem em colocar a prioridade no seu bem-estar. A sua coragem mostra, mais uma vez, o porquê de ser um modelo para tantos”, assinalou a equipa. Pese a importância e o impacto de ter Biles a chamar a atenção para um tema tão importante como o da saúde mental (a que, de resto, a revista Pessoas deu destaque numa edição passada), vale a pena olhar para esta questão numa perspetiva diferente.

“A onda de amor e apoio que recebi fizeram-me perceber que eu sou mais do que os meus resultados e a minha ginástica, algo que eu nunca tinha acreditado antes”, disse Simone Biles. A lição de Biles, entendida com o distanciamento que o pouco tempo e a enorme repercussão mediática permitem, relembra-nos uma coisa fundamental: a atribuição do fracasso como inteira responsabilidade de alguém — atletas ou empreendedores — é incorreta, desnecessária e tremendamente injusta. Porque o que falha, no desporto e no negócio, são os projetos (provas, ideias, execuções) e não os seus sujeitos.

Os empreendedores, fundadores de startups de rápido crescimento — sujeitas a profundas e rapidíssimas transformações internas numa corrida desenfreada de acompanhar os seus velozes crescimentos, alimentados muitas vezes por rondas milionárias e holofotes apontados –, são, muitas vezes, confrontados com totais faltas de chão. Lideram, muitas vezes, sozinhos; repartem confissões com a almofada que lhes faz companhia à insónia, decidem disfarçando o peso dos seus ombros e, humanamente, recuam, duvidam, sofrem.

O surgimento de unicórnios, startups de rápido crescimento e sucesso que, por eles, são avaliadas em mais de 1.000 milhões de dólares, transportam para a esfera pública um “sonho” sem que, tantas vezes, sejam desvendados os dias em que as suas equipas duvidaram do caminho, foram confrontadas com as suas vulnerabilidades e, por momentos, pensaram desistir e temeram o fim. Acontece a todos, Biles que o diga.

Simone Biles chegou a Tóquio-2020 como estrela. Agora, é universo inteiro. O valor, a dignidade e a consciência de Biles comovem, tanto nos dias em que, soberana, vence medalhas como, da mesma forma, naturaliza a humanidade.

Aceitar que somos capazes de tudo e vulneráveis, ao mesmo tempo, é sabermo-nos humanos. E não há lição de empreendedorismo mais importante do que essa, mesmo quando vivemos no meio de unicórnios que, mesmo humanos, parecem-nos super-poderosos.

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