A farsa nos combustíveis

Acabar com o adicional ao ISP sobre gasolina e gasóleo custaria 474 milhões. Descer três cêntimos no ISP da gasolina custava 20 a 30, mas com a taxa de carbono atestar até dá "lucro" ao Estado.

Farsa. Peça de teatro de caráter popular. Ato ou acontecimento ridículo, mas também se refere a um ato ou comportamento que visa enganar; um embuste. Esta é a descrição que aparece em qualquer dicionário de português, sendo o melhor substantivo que se pode utilizar para classificar a forma como o Governo apresentou aos portugueses a revisão da fiscalidade que recai sobre os combustíveis, seja a gasolina ou o gasóleo.

Depois de um verão quente em que o tema dos impostos que recaem sobre os combustíveis obrigou a muita negociata nos corredores do Parlamento para se evitar que esquerda e direita aprovassem o fim do adicional ao ISP criado pelo Governo de António Costa em 2016, o Orçamento do Estado nada trouxe em termos de descidas. Foi estratégia. Duas semanas depois de ser conhecido o documento, Mário Centeno assumiu o palco para, com pompa, anunciar a redução do ISP sobre a gasolina.

Uma decisão para calar os críticos, mas que pouco alívio trouxe às famílias portuguesas. Primeiro porque estamos a falar de gasolina, não de gasóleo. Apesar de as vendas de automóveis a gasóleo estarem a cair — numa mudança de paradigma que só agora começa a ser percetível –, o diesel representa quatro em cada cinco litros de combustível consumido no mercado nacional. A gasolina responde pelos restantes 20%. Tirar três cêntimos ao ISP de um combustível tão pouco utilizado custa alguma coisa? Muito pouco.

Se António Mendonça Mendes apontou para uma fatura de 474 milhões de euros no caso de se acabar com o adicional do ISP sobre a gasolina e o gasóleo, quando Centeno anunciou a descida de três cêntimos no ISP da gasolina (levando o valor do ISP sobre este combustível para níveis anteriores ao da entrada em vigor do adicional) não se ouviu qualquer alerta por parte do secretário de Estado dos Assuntos Fiscais. Provavelmente porque sabe que a medida não custaria mais de 20 a 30 milhões aos cofres do Estado.

Ou, provavelmente, porque sabia que o corte no ISP da gasolina seria compensado com outras componentes do ISP. Provavelmente estaria a par daquilo que só agora se ficou a saber, através de uma portaria, numa sexta-feira ao final do dia, que foi a revisão da taxa de carbono. Se a descida do ISP teve honras de Parlamento, com Centeno a encher o peito, para anunciar a subida da taxa de carbono tanto na gasolina como no gasóleo ninguém deu o peito às balas.

Os novos valores da taxa de carbono implicaram um agravamento de 1,338 cêntimos por cada litro de gasolina e de 1,458 cêntimos por litro de gasóleo. Dos três cêntimos de descida do ISP na gasolina sobrou pouco mais de metade, mas o pior é que no caso do gasóleo não só não houve qualquer alteração no ISP como o preço daquele que é o combustível de que muitos portugueses dependem, seja para trabalhar, seja para se deslocarem de casa para o trabalho e de volta a casa, ou simplesmente para viagens de lazer, ficou mais caro.

Aqueles 474 milhões de euros de fatura com o ISP de que falava Mendonça Mendes que se transformaram em pouco mais de 20 ou 30 milhões de euros vão acabar, no final das contas, por se traduzir num aumento da receita do Estado com os combustíveis. No Orçamento do Estado estava, de facto, um extra de 211 milhões de euros em receita de ISP. A explicação? “Dada a evolução do consumo”…, dizia o documento. Até pode ajudar, mas quando estas contas foram feitas já todos sabiam do resultado final. Só os portugueses, que continuam a pagar dos combustíveis mais caros da União Europeia, é que não.

Por mais voltas que se dê, percebe-se que é difícil para o Estado abdicar de uma receita tão generosa — qualquer que seja a cor política que esteja à frente do Governo. É difícil abdicar de uma receita que vai pingando automaticamente nos cofres públicos de cada vez que algum português atesta o depósito. É um vício com muitos anos. Mas então assuma-se esse vício, e que dificilmente haverá cura num país em que as contas públicas só agora dão sinal de estarem em ordem. Evite-se é a farsa.

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