Editorial

A festa (orçamental) acabou. Chegou a realidade

Centeno afirmou que não haveria quem não se revisse no Orçamento para 2020. A pergunta é, talvez, outra: Mas, alguém se entusiasma com esta proposta de Orçamento? Não, ninguém.

A proposta de Orçamento do Estado para 2020 — já entregue no Parlamento e que finalmente se conhece nos seus detalhes — tem uma marca de água indelével: Acabou a festa, chegou a realidade, depois de quatro anos em que a conjuntura económica, o BCE e as receitas extraordinárias permitiram o que parecia ser um milagre. O Orçamento de 2020 é contido, ganha em receita o que anuncia dar na despesa, tem muitas pequenas medidas, e traduz um esforço orçamental, mas limitado, na redução do défice face a 2019.

Vamos aos números, Mário Centeno, mais isolado do que nunca no meio de um conselho de ministros hostil, e a exigir mais despesa, corrigiu as perspetivas de crescimento económico para 2020, de 2% para 1,9%, uma revisão que vai de encontro ao que antecipam as instituições independentes nacionais e internacionais, mas é ainda assim mais otimista do que elas. Centeno é mais conservador, e bem, até porque o ano de 2019, a este nível, não correu bem.

Há muitos números, mas a pergunta é se este Orçamento muda alguma coisa? E a resposta é negativa, por isso, é preciso reconhecer que este é mesmo um Orçamento de continuidade, mais do mesmo. Mesmo na área da saúde, os anunciados reforços para 2020 não se traduzem num aumento verdadeiro de despesa, porque aqueles 800 milhões também foram gastos em 2019, com os resultados que se sabem. Há, e isso é outra coisa, uma aproximação do que o Estado vai transferir para o SNS com o nível de despesa já esperado. E por isso é que Centeno deixa remoques, ou recados, à sua colega da Saúde.

Qual é afinal a variação em milhões de euros da receita e da despesa para 2020. O Governo prevê em 2020 arrecadar mais dois mil milhões de receita fiscal e mais 850 milhões de euros em contribuições sociais. Prevê gastar mais três mil milhões na despesa total, dois quais 2.4 mil milhões em despesa corrente. E em particular para as despesas com pessoal tem mais 800 milhões (para acomodar o descongelamento das carreiras), mas para a melhoria dos serviços públicos apenas tem menos de 400 milhões de euros. E mesmo o investimento público, que finalmente terá um peso no PIB superior ao do último ano do Governo de Passos Coelho, carece de confirmação ao longo do próximo ano. O que aconteceu nos últimos quatro anos é que a execução ficou aquém, muito aquém, do orçamentado. O saldo orçamental, esse, ficará assim nos 0,2%, o primeiro excedente em décadas, mas que na verdade é mesmo de 0,6% se tivermos em conta a despesa ‘one off’ com o Novo Banco. Note-se que, no ano anterior, medido da mesma forma, o excedente global teria sido de 0,5% (com one-off do Novo Banco).

O ministro Mário Centeno, na apresentação pública do Orçamento, já esta manhã de terça-feira, não se cansou de dizer, de forma mais explícita ou implícita, que o Governo não pode deitar fora o esforço que foi feito até agora e, perante a possibilidade de uma maioria negativa no Parlamento sobre o IVA na eletricidade, pediu à oposição para dizer onde estão as alternativas de despesa ou receita para compensar aquela medida.

O Orçamento é apertado, e mesmo assim porque a previsão de crescimento que suporta a previsão de receita é ambiciosa, ou otimista. Tenta dar um pouco a todos, e vai buscar nova receita e novos impostos indiretos para o financiar. Mas o grande objetivo de Centeno (será o do Governo?) é sobretudo financeiro: reduzir mais o défice, mesmo que pouco, e sobretudo a dívida pública, metas que não se podem nem devem desvalorizar. É aliás talvez o ponto mais relevante, e positivo, deste Orçamento. Faltam outros. Porque as pequenas medidas, soltas, mais parecem fatias de um bolo a distribuir a quem fala mais alto, e a pensar também nos partidos e deputados (do PSD Madeira) que poderão aprovar o Orçamento no Parlamento.

E as medidas para as empresas, perguntará? Como Pedro Siza Vieira tinha que mostrar trabalho, vê-se um esforço maior do que em outros anos para atender aos pedidos da CIP e dos empresários, particularmente nas micro e pequenas empresas. Por razões políticas, para suportar a relevância política do número dois do Governo, para compensar aquelas empresas ao exigente aumento do salário mínimo. Do mal, o menos, mas ainda não é com estas medidas para as empresas que as condições de investimento e de negócio vão mudar.

Na segunda-feira à noite, no Parlamento, o ministro afirmou que não haveria quem não se revisse no Orçamento para 2020. A pergunta é, talvez, outra: Mas, alguém se entusiasma com esta proposta de Orçamento? Não, ninguém. Não agrada verdadeiramente a ninguém. A festa acabou, chegou a realidade.

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