A Lotaria do Espermatozoide
Há um défice de inclusão social, onde o mérito, a capacidade de contribuir e fazer avançar a sociedade, esbarram em paredes e tetos invisíveis.
“(…) o grande erro não é contratar uma pessoa em prol da outra, o erro é contratar as pessoas erradas.” Warren Buffett
Faltam mulheres em posições de liderança. Basta escrever no Google “women in leadership positions” e é evidente que algo está em falta na nossa representatividade social. Para além da expressão da vontade individual e de realização pessoal, o papel das mulheres no trabalho e na política, especialmente em posições de liderança, tem de ser debatido sem tabus.
A feia cara da discriminação de género, raça, opção sexual ou preconceito cultural, mostra-se amiúde. Em nome do combate ao politicamente correto, ao marxismo cultural e às ideologias de género adotadas pela esquerda radical, egoísta e ofendida, junta-se a direita reacionária e autoritária, a clamar contra todas as evidências: há um défice de inclusão social, onde o mérito, a capacidade de contribuir e fazer avançar a sociedade, esbarram em paredes e tetos invisíveis. E a forma de derrubar essas barreiras não é pelo garrote da discriminação positiva imposto pelo poder coercivo do Estado.
A causa da “igualdade de género” é hoje uma arma de arremesso político. Alavancada pelo movimento #MeToo e por uma capacidade das mulheres desafiarem a milenar forma de relacionamento entre os sexos, nascer menino ou menina já não deveria ser condição de destino para a vida. Muito menos para exploração, brutalização ou apoucamento. Todavia, de ambos os lados da barricada, disparam-se tiros de pólvora seca, que fazem muito barulho e não resolvem nada.
Na sua voz lúcida e pouco convencional, Warren Buffett defendia, em 2013, que as mulheres são a chave para a prosperidade dos Estados Unidos. Os Estados Unidos aprovaram o direito de voto das mulheres através da 19ª Amenda à Constituição em 1920, mas só em 1981 Reagan nomeia a primeira mulher, Sandra Day O’Connor, para o Supremo Tribunal, relembra ele. Mas, ainda hoje, a sua empresa, Berkshire Hathaway não tem política de diversidade e Buffett não parece ter “evoluído” nesta posição nos anos que passaram. Sem pedir desculpas, afirma que nunca discriminou género ou raça, mas sim intelecto e caráter.
O ‘Sage of Omaha’ diz que ganhou a Lotaria Ovárica; acredita que, tendo nascido em 1930, se fosse mulher jamais seria quem é hoje. As suas irmãs foram educadas para se concentrarem em “festas de jardim”; ele fez e trabalhou para ser o homem mais rico – e dos mais respeitados – do mundo.
Sheryl Sandberg, COO do Facebook, escreve em “Lean In” que as mulheres, entre outras coisas, devem ser mais assertivas nas suas carreiras, antecipando um argumento de Jordan Peterson muito popular hoje. Katharine Graham, CEO do Washington Post quando o caso Watergate levou à resignação de Richard Nixon, a primeira mulher na Lista dos CEO da Fortune 500, relatava em 1997 a sua luta para ultrapassar sentimentos de insegurança e inferioridade em relação aos homens. Com certeza que, mais de 20 anos depois, muitas mulheres se refletem nesta crónica.
Nas democracias liberais ocidentais a igualdade de género está na lei. Não quer isto dizer que não há diferenças de partida entre as pessoas. Um jovem de 1.60m terá muito mais dificuldade em ser jogador profissional de basquetebol que outro com 2.10m – à partida. Mas Muggsy Bogues talvez tenha uma ou outra coisa a dizer acerca disto.
Todos temos qualidades que nos beneficiam e condicionantes que nos limitam. Basta “mudar o queijo” para que uma vantagem se revele um handicap. Querer encontrar uma fórmula mágica para que todos atinjam igualdade é uma ideia absurda.
A sociedade continua a progredir no sentido certo, em que o esforço e o mérito individual se sobrepõem à lotaria do espermatozoide. Para acelerar, é preciso a participação ativa das mulheres, assegurando igualdade efetiva na prática, não só na lei. Mesmo que de vez em quando seja preciso dizer aos homens:
“Vocês mandaram nisto 100,000 anos, agora calem-se por um bocadinho.”
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